Terminou a Missão Humanitária da PASC à Polónia de 5 a 11 de Junho de 2022

Depoimento de Rui Martins, coordenador da missão em representação da PASC

A 11 de Junho regressou a Portugal a primeira missão humanitária da Pasc.pt (Plataforma de Associações da Sociedade Civil). Do ponto de vista da organização e enquanto coordenador da mesma foi o maior desafio logístico que já enfrentei, num terreno quase totalmente desconhecido do ponto de vista geográfico (a Polónia) e enquanto coordenador de missão. Com efeito, embora já tenha sido voluntário da Ajuda Amiga na Guiné-Bissau, no centro de acolhimento a Sem Abrigo no Casal Vistoso e na Refood Areeiro nunca tinha realizado nada numa escala que – não sendo enorme – exigiu completar todas as fases de um processo complexo sem que nenhuma das rodas dentadas tivesse falhado na sua conexão com a seguinte e conseguindo – no fim – cumprir os dois objectivos da missão: entregar material médico a uma organização de enfermeiros que apoia as forças na linha de frente e servir como voluntário num dos dois centros de acolhimento de refugiados que funcionam em Varsóvia. A missão consistiu na materialização de um dever cívico: A Ucrânia é o único lugar onde se luta pela democracia e liberdade não somente pela própria Ucrânia mas em nome de toda a Europa e, indirectamente, pelo mundo livre e democrático.

No total foram entregues 24 caixas de material médico e de apoio a crianças e mulheres. A lista é demasiado variada para caber aqui na integralidade (e essa foi uma lição: menos variedade e maior homogeneidade) mas incluía artigos como gelo instantâneo, compressas, soro, máscaras cirúrgicas, iodopovidona, testes SARS CoV-2, seringas, luvas cirúrgicas, oxímetros, ligaduras, tensímetros, termómetros infravermelhos, bolsas quente frio, kits de primeiros socorros, adesivos de tela, termómetros digitais, paracetamol, ibuprofeno, pensos diários, fraldas para bebé, entre outros artigos menos numerosos. Embora a lógica tivesse sido a de adquirir apenas artigos de pequeno volume e peso mas de alto valor, como muitas pessoas preferem serem elas próprias a adquirirem artigos que vão doar em vez de contribuírem com donativos em dinheiro, outros artigos acabaram por serem incluídos nos volumes. Muitos doadores preferem sempre doar em espécie pelo que se qualquer operação destas as excluir perdem-se este tipo de doações razão pela qual foram incluídos na entrega.

Agradecemos à Dra. Manuela Esteves, Diretora do Centro Qualifica Doutora Manuela Esteves e à Técnica Superior Maria João Teresa psicóloga do Centro Qualifica da escola Luís da Freitas Branco, Paço de Arcos que ajudaram a recolher material médico, passaram informação para os alunos, pais. Agradecemos pela compreensão, colaboração, ajuda nesta causa nobre. Agradecemos igualmente a todos os que deram donativos na campanha de crowdfunding e aos trabalhadores das Páginas Amarelas que deram um importante contributo em materiais e em financiamento para esta campanha. Todos atenderam ao nosso pedido, compreendendo a grave situação no terreno. Agradecemos a todos os que nos ajudaram a realizar os objectivos desta missão da Pasc.pt.

Uma vez na Polónia (a logística de procurar encaixar no curto espaço de tempo disponível uma entrada na Ucrânia acabou por se revelar demasiado desafiante) este lote foi reforçado com artigos adquiridos localmente sendo essa uma outra lição deste processo: reservar uma parte da verba para estas aquisições: sendo certo que isso não ajuda a economia em Portugal (país onde vivem os doadores), mas auxilia a do país que acolhe os refugiados e permite poupanças adicionais devidas às diferenças de custo de vida entre a Polónia e Portugal. No nosso caso houve uma razão adicional para adquirir os produtos em Portugal: foram usados cartões de desconto e tabelas de preços promocionais que – segundo a projeção realizada – compensam a diferença de custo de vida entre os dois países.

A missão foi organizada no contexto da pasc.pt, uma associação que agrega várias associações portuguesas da sociedade civil e que tem como missão “dar expressão a questões de interesse nacional fazendo apelo à mobilização dos portugueses para uma cidadania activa e responsável, individual e colectivamente” e que inclui associados efectivos como a APDSI, a ISOC.PT, o GEOTA, a AORN, o MIL, a SEDES, a APG, a AAACM, a APRE, a Abril, a ADIRAIA, a APAV, a ARPI, a Confraria Marítima – Liga Naval Portuguesa, a EMDIIP, a Ordem dos Cidadãos, a PAJE, a Vizinhos de Lisboa, a ACRÉSCIMO, a AECODE, a CIDSÉNIOR, a SHIP, a artEUSÉBIOheart, o Clube de Oficiais da Marinha Mercante, a AAAIO, a PROVISEU, a TAKE C’AIR CREW VOLUNTEERS, a Associação de Vitimas do Incêndio de Pedrógão Grande e a CPADA. Apesar do enquadramento nesta associação e do apoio prestado pelo movimento “Somos Todos Ucrânia” e da ONG internacional “Together International” (sobretudo na ligação e apoio na presença no centro de refugiados), estas palavras são escritas a título estritamente pessoal e não vinculam nenhumas destas organizações.

O nome da missão (com logotipo oferecido por um artista gráfico) jogou com a expressão “Slava Ukraini” (em ucraniano: Слава Україні!; em português: “Glória à Ucrânia!”), que foi muito usada na Guerra de Independência da Ucrânia de 1917 a 1921 e que, a partir de 2018 se tornou na saudação oficial das Forças Armadas da Ucrânia e é, actualmente, num símbolo de resistência durante a Invasão russa. O termo “Slava” foi reunido a “Salva” numa operação que visava o duplo objetivo de prestar apoio em regime de voluntariado aos refugiados do centro de refugiados da Modlińska 6d Expo levando também roupa de verão, livros em inglês, fraldas e brinquedos (para além das 24 caixas) e entregar a uma associação de enfermeiros material médico que, nos dias seguintes, seguiu para a Ucrânia. Havia um plano mais difuso de entrar na Ucrânia e, mais especificamente em Lviv ou em Kyiv, mas não se criaram condições de segurança nem garantia de entrada e saída num prazo tão curto como aquele que tínhamos calendarizado.

O material enviado foi recolhido por duas vias: por doações em espécie entregues nas empresas (como as Páginas Amarelas e outras) onde foram recolhidos estes bens e por doações em dinheiro feitas através de uma campanha de crowdfunding e através de empresas nacionais. A verba assim reunida serviu para adquirir o material médico de venda livre que seria enviado para a Ucrânia. Outros materiais não-médicos foram entregues directamente no centro de refugiados. Foi procurado um apoio junto de um órgão de comunicação social para facilitar o acesso à Ucrânia para estabelecer contactos com ONGs locais mas este não teve efeitos. Vários apelos de doações enviados às grandes redes de distribuição nacionais não tiveram qualquer resposta (nem automática). Paralelamente o apoio pedido à TAP Air Portugal enquadrado no programa “EMBRACING UKRAINE” para transporte de voluntários e carga requerido sob o patrocínio da PASC.pt foi bem acolhido e revelou-se absolutamente essencial para o cumprimento dos dois objectivos principais da missão: Obrigado TAP!

As caixas usadas para o envio do material médico foram doadas por uma empresa e os artigos identificados após contactos com médicos que trabalharam no hospital pediátrico de Kyiv. Os artigos foram entregues numa associação de enfermeiros mas existem várias organizações alternativas que seriam activadas caso a entrega inicial não tivesse sido bem sucedida. Os contactos com as várias associações ucranianas em Portugal no sentido de identificar canais de distribuição e artigos a enviar não tiveram sucesso: das três contactadas nenhuma respondeu. Contactos estabelecidos com farmácias também não tiveram grande sucesso mas num caso foi possível clarificar o tipo de materiais que poderiam ser enviados no contexto da oferta de carga da TAP. Outras farmácias nem responderam a um pedido de cotações, outras só fizeram após insistência e fornecedores de materiais médicos nem se dignaram a enviar uma resposta automática. O contacto com a embaixada da Ucrânia foi frutuoso e respondido mas nunca houve qualquer resposta por parte da embaixada portuguesa na Ucrânia. A campanha de crowdfunding não teve sucesso no sentido em que não logrou aproximar-se, sequer, do objectivo, mas permitiu, juntamente com doações feitas por trabalhadores de empresas que apoiaram o projecto reunir perto de 800 euros que foram gastos em adquirir material médico. Contactos estabelecidos com várias Juntas de Freguesia de Lisboa no sentido de participarem na recolha de material também não tiveram qualquer eco. Os alojamentos foram tratados e financiados pelos próprios voluntários, tendo existido um auxílio parcial aos custos suportados pelos voluntários por parte da ONG Together International. Os custos de alimentação durante a semana de voluntariado no centro foram também essencialmente suportados pelos próprios voluntários.

A experiência de permanência no próprio centro de refugiados em Varsóvia foi extraordinária no que respeita aos próprios refugiados, quase todos mulheres e crianças, alguns muito jovens e quase todos sem pais, esposos, maridos e tios, impedidos de saírem da Ucrânia pela guerra. A comunicação não foi fácil porque o uso do inglês entre os ucranianos é raro, e o conhecimento do português e do francês praticamente nulo. No centro encontram-se cerca de 3 mil refugiados: a maioria ucranianos mas também alguns egípcios e paquistaneses que se encontravam na Ucrânia quando começou a invasão russa. Os perto de cem voluntários são quase todos polacos existindo enquanto lá estivemos uma pequena equipa de norte-americanos e nos últimos meses já aqui estiveram voluntários espanhóis e sul-coreanos. Claramente o centro precisa de mais ajuda e de mais voluntariado e há muito que pode ser aqui feito por outros países da União Europeia para ajudarem a Polónia neste apoio humanitário.

As palavras de polaco (língua próxima do ucraniano e do mesmo ramo do grupo ocidental eslavo) eram as mais usadas no centro nomedamente palavras soltas de polaco e russo, assim como o essencial papel dos voluntários que dominavam o inglês e o russo assim como o uso das ferramentas de tradução da Google.

Ao longo dos dias (passados na área de distribuição de roupa, apoio à zona das crianças e na zona de apoio às refeições entre almoço e jantar) várias histórias comoventes foram ouvidas e aprendidas: desde a criança que nos mostrava os cadernos com desenhos de Anime e que usava o Google Translator para reclamar de um fumador junto aos jogadores de basquete, à família que ajudei a levar as malas e que estava a sair do centro e que só sabia dizer em inglês “un moment”, aos quatro americanos dos quais um tinha tido um avô que tinha vindo clandestino num barco para Nova Iorque e que tinha Almeida no nome,;ao rebuçado de uma marca “Bim Bom” ucraniana dado por uma refugiada em agradecimento ao nosso serviço e que ainda conservo; à constante referência à nossa nacionalidade e ao sentimento de que estávamos a servir como “embaixadores informais” de Portugal; ao pequeno bando de miúdos que pediam insistentemente “Malina” (uma marca de massas desidratadas muito populares na Ucrânia) e que trocavam de camisa e colocavam as máscaras (raríssimas na Polónia) para tornarem a pedir “Malina” ou doces e chocolates como se fossem miúdos diferentes; passando pelo ucraniano que falava um português quase perfeito e que há 14 anos tinha trabalhado em Portugal e que – esperava ser operado na Alemanha – deixara na Ucrânia a sua oficina por causa dos bombardeamentos no seu bairro. Aliás, o uso do português foi raríssimo sendo apenas excepcional como, por exemplo, naquela voluntária polaca que reconheceu a nossa língua porque tinha trabalhado a fazer voluntariado no Brasil e que confirmava que a sonoriedade da língua de Portugal era mais “agreste” e, nesse respeito, mais semelhante ao polaco; a mãe que sonhava em levar os filhos para o Reino Unido. Não me esqueço também da jovem voluntária polaca que se espanta com o conhecimento de que tínhamos da História da Polónia; nem do egípcio que lamentava o fim e o resultado da Primavera Árabe; nem tão pouco as crianças que pediam Sprite e Cola e os militares polacos que prepavam pão de leite enquanto não chegavam mais voluntários.

Esta primeira missão humanitária da PASC.pt pode ter sido pequena na quantidade de voluntários enviados e no auxílio material reunido mas foi grande enquanto intenção de fazer a diferença, de cumprir cidadania dentro e fora das nossas fronteiras e na esperança de que tenhamos feito – nem que apenas um pouco – a diferença no sofrimento destas pessoas que a loucura homicida da guerra levou a deixar as suas casas e a separar as suas famílias.

Rui Martins

Antecedentes

Segue hoje dia 5 de junho de 2022, para o Centro de Refugiados da Polónia, a equipa de 4 voluntários dirigida por Rui Martins, coordenador do projeto SALVA UKRAINI da PASC, de recolha de donativos para a compra de medicamentos e material médico de apoio às vítimas da Guerra na Ucrânia.

Amanhã dia 6 de junho a carga de medicamentos e material médico segue por via aérea para a Ucrânia 

O transporte aéreo tem o apoio da TAP Air Portugal

Somos um grupo de voluntários, membros de organizações que integram a PASC.pt que, perante a escala da tragédia que está a acontecer na Ucrânia, acreditaram que podiam fazer a diferença enviado material médico.

Estamos a recolher:

  • materiais de primeiros socorros
  • paracetamol
  • ibuprofeno
  • vitaminas
  • antissépticos
  • ligaduras
  • toalhetes estéreis
  • compressas
  • pensos
  • soro
  • agulhas
  • seringas
  • (e outros idênticos)