por Renato Epifânio (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC – Casa da Cidadania, nem das Associações que a compõem).
No século XX, Fidelino de Figueiredo foi uma das personalidades que nos legou uma das mais relevantes obras, ao longo de mais de meia centúria; entre outros títulos:
O espirito historico: Introducção à Bibliotheca.- Noções preliminares (1910; 3º Edição de 1920); A critica litteraria como sciencia (1912; 3ª Edição de 1920); Historia da litteratura romantica portuguesa: 1825-1870 (1913); Portugal nas guerras europêas: subsidios para a comprehensão dum problema de politica contemporanea (1914); Historia da litteratura realista: 1871-1900 (1914); Antologia geral de literatura portuguesa: 1189-1900 (1917); Como dirigi a Bibliotheca Nacional: Fevereiro de 1918 a Fevereiro de 1919 (1919); Literatura contemporanea: O sr. Júlio Dantas (1919); Historia da litteratura classica (3 volumes, 1917-1922); Torre de Babel (1924); História de um ‘Vencido da Vida’ – sobre Oliveira Martins (1930); As duas Espanhas (1932); Problemas da ética do pensamento: o dever dos intelectuais (1935); Alguns elementos portugueses na obra de Lope de Vega (1938); Últimas aventuras (1941); A luta pela expressão: prolegómenos para uma Filosofia da Literatura (1944); Estudos de literatura (5 volumes, 1915-1951); Ainda a épica portuguesa: nótulas de auto-crítica (1952); Símbolos & mitos (1964); Paixão e ressurreição do homem (1967).
Foi, para além disso, alguém que estabeleceu pontes: não apenas entre diversas áreas da cultura (como a literatura, a história e filosofia), como ainda, em particular, entre as culturas portuguesa e brasileira. Como escreveu Cleonice Berardinelli, uma das suas mais insignes discípulas:
“Chegou ele [Fidelino de Figueiredo] a São Paulo em 1938, para assumir a cadeira de Literatura Portuguesa, precedido da fama de uma obra já realizada e de uma vida que se poderia dizer ‘pelo mundo em pedaços repartida’, perseguido por um regime político a que não podia submeter-se dada a forma como respeitava o homem e o direito à livre expressão […]. Sua imensa cultura, sua extraordinária sensibilidade, sua reflexão profunda foram-nos rasgando horizontes que desvendavam um novo mundo de conhecimentos em que podíamos penetrar por sua mão. Era este o segredo do nosso destemor em acompanhá-lo: a mão em que nos apoiávamos confiantes, mão de amigo, mão de pai. Porque nos adoptara como filhos”. (Cf. “Mestre dos Mestres”, in A Missão portuguesa, São Paulo, UNESP, 2003).
Não obstante tudo isso, a sua relevantíssima obra – em termos quantitativos e, sobretudo, qualitativos – permanece ainda pouco estudada, como se o seu nome continuasse a ser o de um autor maldito. Razões para tal? Se relermos o seu livro Problemas da ética do pensamento: o dever dos intelectuais (1935), podemos talvez encontrar a razão. Entre considerações sobre a “brutalidade reanimalizadora” dos germânicos (recordamos que estávamos na segunda metade da década de 30) e as “elites cultas e esgotadas” da restante Europa, escreve a certa altura, sobre a emergência de uma nova “Elite”:
“A filosofia alemã do século XIX, principalmente com as doutrinas irracionalistas mais modernas, deu a preparação doutrinária […]. Essa ‘Elite’, que se há-de destacar da turba, nada tem de comum com a velha aristocracia de sangue, exausta há séculos, nem com a plutocracia do século XIX […]. Tem de ser uma selecção dos melhores, biologicamente considerados, dos melhores que as normas científicas da eugenesia, da biotipologia e da orientação profissional ajudarão a destacar da massa cinzenta.”
Caso para concluir: em Portugal, de facto, nada se esquece; daí tantos autores (ainda) condenados ao “esquecimento”, como é o caso de Fidelino de Figueiredo.