500 ANOS APÓS A MORTE DE AFONSO DE ALBUQUERQUE – O TRIBUTO QUE SE IMPUNHA: entrevista a Renato Epifânio, Presidente do MIL, uma Associação PASC – Casa da Cidadania.

Entrevista realizada por Joaquim Magalhães de Castro para o jornal O Clarim de Macau e publicada a 8 de janeiro de 2016.

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No rescaldo do Colóquio que, em Lisboa, no passado mês de Dezembro de 2015, assinalou os 500 anos do desaparecimento físico de Afonso de Albuquerque, O Clarim foi ouvir Renato Epifânio, presidente do MIL – Movimento Internacional Lusófono, entidade que, em parceria com o Arquivo da Torre do Tombo, a Biblioteca Nacional e a Sociedade Histórica da Independência de Portugal, organizou o evento.

Renato Epifânio começa por lembrar que o Estado português, «por norma», não assinala devidamente este tipo de efemérides, porque insiste «em manter uma relação complexada com a sua história», e, se o fizesse, «certamente haveria muita gente a apontar-lhe o dedo, acusando-o de ser saudosista, eventualmente neocolonialista, quando tudo isso é completamente absurdo». E como o MIL – Movimento Internacional Lusófono não tem esses complexos, deu rosto à iniciativa em parceria com as entidades acima indicadas, nomeadamente a Biblioteca Nacional, que cedeu a sala onde foram apresentados os diferentes painéis.

«Tudo que seja promover a nossa história parece-nos positivo», afirma Epifânio, em jeito de balanço. Mesmo que tal implique situações polémicas, como a que foi gerada pela intervenção do historiador Nuno Teotónio de Souza, português de Goa, que comparou a acção de Albuquerque aos actos terroristas da Al Qaeda, algo «simplesmente absurdo», no entender de Renato Epifânio, «até porque essa organização só tem cabimento na época actual», pois surge devido a uma situação geopolítica muito peculiar. «Conheço razoavelmente bem o professor Teotónio, e acho que ele quis provocar, embora não me pareça que fosse o local e momento adequados para o fazer», comenta.

O personagem Afonso de Albuquerque, é sabido, gera «sinais de simpatia, mas também, inevitavelmente, sinais de antipatia», sobretudo por parte de outros povos. Mas não é o único. Epifânio aponta o exemplo de Afonso Henriques, «aparentemente uma figura consensual», mas que na Galiza, «por razões que nada têm a ver com o anti-portuguesismo, antes pelo contrário», é muito mal vista pelos galegos pró lusófonos, «que almejam de corpo e alma a integração na comunidade lusófona». E porquê, perguntamos todos nós, atónitos? Simplesmente porque Afonso Henriques, em termos históricos, foi o responsável pela cisão de Portugal com a Galiza. Renato Epifânio confessa sentir essa ambivalência: «Por um lado, respeito-o, enquanto fundador de Portugal. Por outro lado, vejo-o como alguém que, porventura, tomou uma decisão errada».

No caso do dito “César do Oriente” há que recuar mentalmente (e moralmente) uns séculos «e é escusado fazer juízos anacrónicos». É claro que, «à luz da nossa grelha de valores, figuras como Afonso de Albuquerque não são enquadráveis». É preciso situá-lo no contexto da sua época, «sem qualquer propósito restauracionista», ressalva o nosso entrevistado. «A acção das pessoas só faz sentido à luz do seu tempo e é à luz da mentalidade do século XVI que queremos (e devemos) avaliar o legado de Afonso de Albuquerque». E sempre numa perspectiva virada para o futuro, «debruçando-nos sobre aquilo que hoje podemos fazer para preservar a língua portuguesa e todas as culturas lusófonas». São de sobra os exemplos e denúncias do muito que há a fazer, «como lembrou a Luísa Timóteo da Associação Cultural Coração em Malaca»1, uma das oradoras do Colóquio, que contou ainda com as participações de Rui Manuel Loureiro e Miguel Castelo Branco, entre outros conhecidos investigadores.

Habituado a organizar múltiplos eventos – «nos últimos dois meses foram seis colóquios» – a Renato Epifânio não lhe surpreende o pouco público. «Nesse domínio, as minhas expectativas são sempre baixas». Aponta como exemplo um Congresso realizado na Invicta, sobre Sampaio Bruno, «filho da cidade e pai da filosofia portuguesa», que não teve qualquer envolvimento por parte da população portuense, nem mesmo a dita classe intelectual. «A certa altura tornou-se quase anedótico», confessa. Em contraponto, o MIL – Movimento Internacional Lusófono foi premiado com agradáveis experiências. Foi o caso da Primeira Edição do Festival Literário de Fátima, no passado mês de Novembro de 2015. Aí, pelo contrário, houve um enorme envolvimento, sobretudo dos jovens. «Graças a um esforçado trabalho de mobilização da classe estudantil, tivemos audiências com mais de 200 pessoas», informa Epifânio.

O colóquio sobre o “Leão do Mares”, figura hoje ignorada e até vilipendiada, ficou-se pelo meio-termo. «Teve uma audiência razoável, e sobretudo gente interessada e participativa, no espaço para debate que reservámos», resume o presidente do MIL – Movimento Internacional Lusófono. O balanço é, portanto, positivo. E ainda mais positivo é se atendermos à qualidade das intervenções. «Penso que conseguimos congregar pessoas muito qualificadas para falar», conclui.

Como tem sido hábito em eventos do género, a Comunicação Social primou pela ausência. O ténue impacto mediático deveu-se à iniciativa do próprio Renato Epifânio, colaborador nalguns jornais, nomeadamente o Público, onde assina crónicas semanais. Também a RDP Internacional, por iniciativa do jornalista Samuel Ornelas de Castro, sempre atento às questões da Lusofonia, deu destaque ao entrevistar Renato Epifânio. Como o próprio diz, «se não formos nós a fazer o caminho, os jornalistas raramente tomam a iniciativa». E porque não? Voltamos aqui «à velha e complexa questão dos melindres». Fala-se em figuras do gabarito de Afonso de Albuquerque, e logo ficam incomodadas umas quantas luminárias da intelligentsia nacional. «Mais uma vez o Estado Português perdeu o comboio», desabafa Epifânio. Mas sem desânimo. Até porque «a sociedade civil pode suprir a falha», essa continuada ausência institucional, traço característico de um Portugal que continua por cumprir.


  1. Luísa Timóteo, da Associação Cultural Coração em Malaca, escreveu em resposta a este artigo:

    A Sociedade Civil organizada muito tem contribuído para dar à Lusofonia janela de oportunidades para a construção de um mundo de fraternidade. / Todos somos poucos para consolidar e engrandecer o MIL – Movimento Internacional Lusófono. Neste movimento da sociedade civil, sempre crescente, encontramos pessoas de todos os países e comunidades lusos que ao longo dos séculos partilham laços de afetos que estão vivos e teimam em não deixar morrer. Só é possível compreender estes laços e comunicação se conhecermos o passado, compreendermos o presente e desejarmos com verdade construir um mundo melhor, passando pela lucidez de que as “Pessoas” são o maior bem do universo. Por isso devem ser amadas, respeitadas, dando a todos as mesmas oportunidades dos consagrados direitos humanos. / Muito me apraz, como cidadã comum e honrada presidente de uma Associação da Sociedade Civil, toda a polémica levantada em volta de Afonso de Albuquerque e a Expansão Portuguesa que marcou o início de uma nova era na História Universal. / Polémica que nos vai dando a conhecer o outro lado dos que vivem com pesadelos e preocupações, atacando Portugal no capítulo mais glorioso da nossa História. / Não devemos deixar passar o recente livro editado pela Faber & Faber, assinado pelo britânico Roger Crowley, que apresenta os portugueses como uns terroristas sedentos de sangue. / Polémica que o O Diabo, edição de 19 de Janeiro de 2016, nos alerta nas 1ª página, 12 e 13. Parabéns à comunicação social que não deixa passar tamanhas ofensas e aberrações. Obrigada ao seu diretor Duarte Branquinho e a todos os colaboradores. / Um abraço lusofono.

PARA ALÉM DO FIM HISTÓRICO DE PORTUGAL: um artigo de Renato Epifânio, Presidente do MIL, uma Associação PASC – Casa da Cidadania.

por Renato Epifânio (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC – Casa da Cidadania, nem das Associações que a compõem).

I

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No Prólogo à sua obra O Fim Histórico de Portugal (Ed. Nova Arrancada, 2000), Amorim de Carvalho assume, de forma eloquente, a sua desilusão com Portugal – nas suas palavras iniciais:

“Voluntariamente exilado da minha pátria, perfeitamente desiludido, desenganado, como é que pude escrever um livro como este?”.

Não se reconhecendo nem na situação nem na oposição –

“sentia-me entre dois muros que me pareciam inultrapassáveis: o regime político a vigorar em Portugal e o totalitarismo comunista” (ibid., p. 15) –

Amorim de Carvalho acabou por sair do país ainda na década de sessenta, permanecendo em França até 1976, ano da sua morte.

No primeiro capítulo desta sua obra, começa por definir alguns conceitos fundamentais, desde logo o da

“dualidade massa-elite como uma dualidade existindo em cada homem” (ibid., p 19) –

ainda nas suas palavras:

“Se a condição elíptica não existisse, o ‘homem’ não seria senão o mais inteligente dos animais: entre o homo faber e o animal faber […] não haveria, fundamentalmente, senão uma diferença quantitativa do ponto de vista intelectual” (ibid., p. 20).

Por outro lado, como logo de seguida acrescenta:

“Se a condição humana fosse inteiramente elíptica, isto é, se a condição animal original do homem tivesse desaparecido, a sua vida social seria inteiramente espiritual e a sociedade uma realização de santidade sem problemas de conflitos sociais, ou os conflitos se limitariam a um movimento regular de forças e valores espirituais. Ora os factos desmentem uma e outra hipótese, determinando uma espécie de dialéctica psicológica, em que o factor massa (subdeterminante) e o facto elite (superdeterminante) estarão em conflito, o primeiro podendo predominar sobre o segundo, ou vice-versa”.

Da sobre-determinação ou predominância do factor elite sobre o factor massa, emerge, de resto, para Amorim de Carvalho, a “cultura”, marca distintiva do humano em relação ao meramente animal – ainda nas suas palavras:

“Quando o ‘homem’ pôde reflectir na sua situação, na sua significação e no seu destino no mundo, ultrapassando os interesses materiais da condição biológica e animal, e da sua condição económica onde aquela se prolonga, o ‘homem’, então, realizou a cultura, e com esta ele surge verdadeiramente como homem” (ibid., p. 21).

Daí, enfim, a discordância que de seguida expressa relativamente a Ortega y Gasset:

“a dualidade massa-elite, em cada homem, tornou possível uma progressiva culturalização, isto é, elitização das massas. O que me obriga a não aceitar a tese de Ortega y Gasset, é que ele considera a distinção entre o homem-massa e o homem-elite como sendo dois casos completamente diferentes e separados: a maioria dos homens é massa e somente massa; a minoria é elite e somente elite, – o que nos impede de claramente explicar o fenómeno da comunicação entre a maioria e a minoria, e os movimentos sociais em que as duas forças do homem concreto, real, se indeterminam, um delas funcionando como a subdeterminação e a outra como a superdeterminação”.

II

Portugal - 'O FIM HISTÓRICO DE PORTUGAL', de Amorim Carvalho (Ed Nova Arrancada - L 2000) 01

No segundo capítulo da sua obra, Amorim de Carvalho usa esta grelha dual (massa-elite) para explicar a própria génese de Portugal:

“A fundação de Portugal como nacionalidade foi um dos casos mais flagrantes do que se acaba de dizer; foi a obra da vontade firme de indivíduos de elite” (ibid., p. 26).

No caso do nosso país, com efeito, a explicação meramente material ou geográfica não parece, de todo, suficiente – como logo de seguida acrescenta Amorim de Carvalho:

“A separação entre a França e a Espanha é geograficamente explicável (ainda que ameaçada pelos árabes até à batalha de Poitiers), mas já não se poderá dizer o mesmo em relação à separação entre Portugal e Espanha, – o que levou Sanchez-Albornoz a falar do carácter fortuito da nacionalidade portuguesa”.

Entenda-se aqui fortuito como não condicionado por qualquer factor de ordem material: geográfico ou outro. Como nos é reiterado:

“sem uma economia auto-suficiente, sem um sentimento da nacionalidade das massas, sem uma geografia apresentando fronteiras naturais, Portugal tornou-se uma nação apenas pela vontade superdeterminante de uma elite” (ibid., p. 29).

Para as massas, com efeito, não parecia fazer diferença a fundação de Portugal:

“Politicamente, o povo cristão em território português era, sem dúvida, indiferente a que Portugal se tornasse independente ou ficasse sob o poder de Afonso VI de Leão, mantendo-se no entanto fiel ao cristianismo. Uma vez mais, a história política, e, por conseguinte, social, foi conduzida pelas elites” (ibid., p. 30);

“As massas […] eram indiferentes a que as suas terras pertencessem a um ou a outro Estado: Portugal ou Leão-Castela. Elas já não o serão mais tarde, quando Portugal for já uma nação bem construída pela aristocracia.” (ibid., p.32.).

Eis, precisamente, a tese que Amorim de Carvalho vai desenvolver no capítulo seguinte da sua obra:

“No momento da fundação de Portugal, não existia, nas massas (os vilãos e os servos da gleba), um verdadeiro sentimento de pátria; apenas existia, verdadeiramente, o sentimento económico ou, para empregar expressão mais forte, biológico, da ligação à terra que trabalhava. / Nas elites (a aristocracia) as coisas passavam-se, no começo, duma maneira bem diferente; elas tinham o sentimento do seu domínio público sobre o território com o qual se confundia a massa popular” (ibid., p. 34).

O mesmo, de resto, se verifica em 1580, quando, como se sabe, perdemos a nossa independência – ainda segundo as incisivas palavras do próprio Autor d’O fim histórico de Portugal:

“O comportamento das massas ficou pelo nível primário de desordens deploráveis criando um clima de terror que fazia com que as ‘classes mais elevadas’ vissem no espanhol a libertação. E durante a anexação de Portugal à Espanha, as desordens populares são mais desordens de fome do que de fim patriótico, sendo, aliás, facilmente esmagadas. As elites tiram a lição: seria preciso que elas fizessem o golpe de estado, fora da intervenção das massas – e, uma vez mais, Portugal recobra a sua independência pela vontade das suas elites (1640)” (ibid., p. 41.)

III

Ainda no terceiro capítulo desta sua obra, salienta bem Amorim de Carvalho o quanto a independência de Portugal se alicerçou na sua dimensão ultramarina:

“Mas esta retomada da independência não teria qualquer validez histórica, não teria qualquer razão de ser, se Portugal não recuperasse a maior parte do seu domínio colonial. Esta recuperação não foi proeza menos importante do que a dos Descobrimentos: teve que se fazer face a Estados militarmente mais fortes, tais como a Inglaterra, a Holanda e a França, que, durante a anexação de Portugal à Espanha, atacaram e mesmo conquistaram vários territórios portugueses do Ultramar. Tudo se fez, graças a esforços diplomáticos, militares e materiais extremamente difíceis, muitas vezes contras as massas populares.” (ibid., pp. 41-42).

Eis, ainda segundo Amorim de Carvalho, a motivação maior da revolta de 31 de Janeiro de 1891 e do nosso envolvimento na Primeira Guerra Mundial:

“A tentativa revolucionária, militar e republicana, de 31 de Janeiro de 1891, teve a sua origem imediata na fraqueza do governo monárquico em face do ultimatum dirigido a Portugal pela Inglaterra, que pilhou os territórios africanos compreendidos entre o Niassa e a Zambézia” (ibid., p. 42);

“A participação militar de Portugal na guerra europeia de 1914-1918 foi, ainda, um meio, para o regime republicano instaurado em 1910, de defender o nosso Ultramar, contra a avidez evidente da Inglaterra. Pouco antes, a Inglaterra e a Alemanha tinham previsto, por acordo secreto, a partilha, entre elas, dos territórios portugueses de África” (ibid., 43).

Toda essa motivação maior da nossa política externa acabou, como se sabe, por soçobrar na Revolução de 25 de Abril de 1974, facto que Amorim de Carvalho lamenta da forma mais violenta, falando inclusive de “traição”:

“Tendo perdido o seu Ultramar, pela própria traição do seu exército encarregado de o defender, Portugal é hoje um Estado sem significação no conjunto das nações. Transformado, senão de direito, pelo menos de facto, numa província da Península Ibérica, Portugal não beneficia (até onde?) senão de uma independência política que é ainda a herança moral do seu passado histórico. / A lição que se deve tirar, é que Portugal é uma pátria que a vontade dos portugueses dignos deste nome (verdadeiras elites) construiu e sustentou, e que a vontade de uma outra raça moral de portugueses (falsas elites) demoliu” (ibid., 44).

Eis, em suma, a tese que Amorim de Carvalho irá desenvolver nos últimos capítulos da sua obra e que justifica o próprio título da mesma.

CARTA ABERTA A LULA DA SILVA: um artigo de Renato Epifânio, Presidente do MIL, uma Associação PASC – Casa da Cidadania.

por Renato Epifânio (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC – Casa da Cidadania, nem das Associações que a compõem).

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Excelentíssimo Senhor Luiz Inácio Lula da Silva,

Cada vez mais digo: já nada me espanta, mas ainda há coisas que me surpreendem.

A última das quais foi a declaração de Vossa Excelência, que, numa recente Conferência em Madrid, organizada pelo jornal El País, resolveu comparar as colonizações portuguesa e espanhola no continente americano, fazendo o seguinte balanço:

“Eu sei que isto não agrada aos portugueses, mas Cristóvão Colombo chegou a Santo Domingo [actual República Dominicana] em 1492 e em 1507 já ali tinha sido criada a Universidade. No Peru em 1550, na Bolívia em 1624. No Brasil a primeira universidade surgiu apenas em 1922.”

Muito para além das incorrecções factuais – logo a partir de 1559, e durante dois séculos, os Jesuítas fundaram no Brasil uma série de Colégios com uma qualidade de ensino equiparável a qualquer Universidade (basta dizer, para o atestar, que foi num desses Colégios que, em Salvador, o Padre António Vieira se formou) – e da deselegância diplomática – fazer uma declaração destas em Madrid é, por si só, um tratado de anti-diplomacia –, o que mais surpreende nesta declaração é a atitude.

Só faltou a Vossa Excelência ter culpado igualmente a colonização portuguesa por toda a corrupção que mina o sistema partidário brasileiro.

Quase duzentos anos depois da descolonização (1822), convenhamos que insistir nesta ladainha é mais do que ridículo.

Será por acaso esta a estratégia de defesa da cúpula do Partido de Vossa Excelência perante todas as acusações de corrupção?! Se for, começarei a acreditar que o PT – Partido dos Trabalhadores é mesmo o Partido da corrupção e não – como (ainda) considero – que a corrupção é algo que mina todo o sistema partidário brasileiro, por diversas razões – desde logo, devido um sistema eleitoral que promove uma excessiva fragmentação parlamentar.

Mas adiante. Numa próxima conferência em Madrid, espero que Vossa Excelência tenha a oportunidade de dissertar sobre a seguinte questão:

Por que será que todo o espaço colonizado por Espanha na América Latina se fragmentou em mais de uma dezena de países e que todo o espaço colonizado por Portugal – equiparável em termos geográficos – se manteve unido até hoje?

Será que Vossa Excelência alguma vez pensou nesta questão? Se nunca pensou nisso, sugiro-lhe que pense. Decerto, vai descobrir, para sua surpresa, alguns méritos na colonização portuguesa. E concluir que, tivesse sido a colonização espanhola, o Brasil já não existiria há muito. O que (não apenas) para o seu currículo teria sido lamentável.

Por último, uma adivinha. Numa entrevista publicada no jornal Diário de Notícias (20 de Julho de 1986), Agostinho da Silva faz uma muito sugestiva referência a um Presidente brasileiro – nos seguintes termos:

«O Presidente […], numa entrevista que deu, quando lhe perguntaram se ele censurava alguma coisa na colonização portuguesa (esta palavra colonização é perigosa, quando se trata do Brasil; eu acho que não houve colonização!), mas quando lhe perguntaram o que é que ele censurava na colonização portuguesa, […] disse: “Censuro que eles não tenham subido os Andes, descido do outro lado e tomado conta do Pacífico!”. E eu estou inteiramente de acordo!».

Sabe Vossa Excelência o nome desse Presidente do Brasil? Uma ajuda: não se chamava Luiz Inácio Lula da Silva.

MIL VOTOS PARA 2016: um artigo de Renato Epifânio, Presidente do MIL, uma Associação PASC – Casa da Cidadania.

por Renato Epifânio (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC – Casa da Cidadania, nem das Associações que a compõem).

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Tal como para o mundo em geral, não foi um bom ano para a Lusofonia, o de 2015.

Quase sem excepção, dir-se-ia que todos os países de língua portuguesa estiveram demasiado reféns dos seus problemas endógenos para terem conseguido aprofundar o caminho de convergência entre si: o Brasil, depois de um período de euforia económica, parece agora paralisado por uma crise política de contornos indefinidos; Angola continua sem parecer conseguir dar o salto qualitativo para se tornar num verdadeiro Estado de Direito; Moçambique ameaça regressar à sua guerra civil e Portugal retornou, pelo menos ao nível da retórica política, aos tempos do PREC (Processo Revolucionário em Curso, pós 25 de Abril de 1974).

Só dos pequenos países (Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste; da Guiné-Bissau nem vale a pena falar) vieram, de vez em quando, (pequenas) boas notícias. Mas insuficientes, por si só, para mudar o horizonte.

Como corolário de tudo isto, o ano de 2015 findou com o incêndio do Museu de Língua Portuguesa, em São Paulo – decerto, um das instituições que melhor simbolizava o espírito lusófono –, onde estivemos, há cerca de um ano, para apresentar o projecto do MIL – Movimento Internacional Lusófono e da Nova Águia – Revista de Cultura para o Século XXI.

Tendo sido um ano negativo para a Lusofonia, acabou por ser um ano relativamente positivo para este nosso projecto: cinco anos após a sua formalização jurídica, o MIL – Movimento Internacional Lusófono consolidou ainda mais o seu caminho de coerência e (por isso) de credibilização; a Nova Águia – Revista de Cultura para o Século XXI ultrapassou a fasquia da dezena e meia de números, o que é inédito no universo deste tipo de publicações culturais.

Não que isso nos console, de todo. Um ano mau para a Lusofonia nunca poderá ser um ano bom para nós.

Daí que, em 2016, esperemos muito mais do que a reconstrução, já prometida, do Museu de Língua Portuguesa. Esperamos passos coerentes e consequentes para uma real convergência entre todos os países e regiões do espaço lusófono – nos planos cultural, social, económico e político. Como não nos cansamos de defender, a Lusofonia cumprir-se-á em todos esses planos ou não se cumprirá de todo.

Pela nossa parte, continuaremos a pugnar por esse horizonte. Daí, desde logo, o IV Congresso da Cidadania Lusófona, a realizar-se em Março, onde iremos alargar ainda mais a PALUS – Plataforma de Associações Lusófonas da Sociedade Civil que, de ano a ano, se têm reunido nestes Congressos, fazendo o balanço que falta fazer da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Vinte anos após a sua criação, é (mais do que) tempo de a CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa ter um papel (muito) mais forte em prol da convergência lusófona. Assim haja Vontade e Visão para tanto.1


  1. Artigo originalmente publicado aqui

DOIS AFONSOS, MAIS DO QUE UMA VISÃO, VÁRIAS VISÕES: um artigo de Renato Epifânio, Presidente do MIL, uma Associação PASC – Casa da Cidadania.

por Renato Epifânio (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC – Casa da Cidadania, nem das Associações que a compõem).

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Não sou, de todo, dado a subjectivismos pós-modernos. Acredito mesmo que existe uma coisa que dá pelo nome de “realidade”. Ainda assim, sei bem, por experiência própria, o quanto, perante a mesma realidade – e mesmo não havendo divergência quanto aos factos –, as interpretações podem ser divergentes, até mesmo antitéticas.

A mais recente prova viva disso decorreu no Colóquio “Afonso de Albuquerque: 500 anos depois”, promovido, em meados de Dezembro de 2015, pelo MIL – Movimento Internacional Lusófono, em parceria com a Biblioteca Nacional, o Arquivo Nacional da Torre do Tombo e a Sociedade Histórica da Independência de Portugal.

Perante os mesmos factos relativos à vida de Afonso de Albuquerque, as interpretações foram, com efeito, nalguns casos, bastante divergentes. O que não me surpreendeu. Para quem, desde logo, tem, no plano geral, orgulho da nossa expansão marítima, Afonso de Albuquerque tende a ser visto de forma positiva e mesmo algumas das suas acções mais questionáveis tendem a ser relativizadas: se estas não seriam aceitáveis nos tempos de hoje (o que ninguém contesta), à luz do seu tempo o mesmo não se poderá dizer.

Mas nem todos, obviamente, têm essa posição de partida, esse orgulho no plano geral da nossa expansão marítima. Para quem, desde logo, assume uma posição de partida diversa desta, Afonso de Albuquerque tenderá a ser visto sobretudo como um “agressor”. Nada menos do que isso. Ou até mesmo – conforme alguém sugeriu durante o Colóquio – como um “terrorista”.

Desdramatizando esse “conflito de interpretações”, dei, durante o Colóquio, um outro exemplo, ainda mais eloquente, sobre um outro Afonso da nossa história: o próprio Afonso Henriques. Enquanto fundador da nossa nacionalidade, só os portugueses que lamentam a existência de Portugal tenderão a ter dele uma visão negativa. O que não é, de todo, o meu caso. Acredito até que se Afonso Henriques renascesse, morreria de espanto – e de orgulho – por tudo aquilo que Portugal fez, sobretudo nos primeiros cinco séculos da sua história, para mais tendo em conta que tudo começou com um pequeno Condado…

Nas minhas regulares idas à Galiza, enquanto Presidente do MIL – Movimento Internacional Lusófono e Director da Revista Nova Águia, tenho, porém, verificado que muitos galegos olham para Afonso Henriques de outra forma. E falo dos (muitos) galegos pró-portugueses, mais do que isso, pró-lusófonos. Para estes, com efeito, Afonso Henriques foi o principal responsável pela cisão histórica entre a Galiza e Portugal. Enquanto português que também lamenta essa cisão, não deixo de ser sensível a essa visão mais negativa de Afonso Henriques. Mesmo sabendo que, sem essa cisão, muito provavelmente Portugal não teria sido tão grande quanto foi.1

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  1. Artigo originalmente publicado aqui e aqui

A LUSOFONIA: ALGO DE “ELITISTA”?: um artigo de Renato Epifânio, Presidente do MIL, uma Associação PASC – Casa da Cidadania.

por Renato Epifânio (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC – Casa da Cidadania, nem das Associações que a compõem).

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No final do mês de Novembro de 2015, fui convidado, enquanto Presidente do MIL – Movimento Internacional Lusófono e Director da Nova Águia – Revista de Cultura para o Século XXI, para participar no Congresso *“Ensino Superior e Lusofonia”, promovido pelo Instituto Universitário da Maia, em que participaram, igualmente, representantes das mais diversas Universidades do Espaço Lusófono.

Para além dessa reflexão conjunta sobre o assaz diverso panorama do Ensino Superior em cada um dos países do Espaço Lusófono, houve ainda lugar para outras intervenções, desde logo ao nível da cooperação humanitária. Uma delas foi particularmente impressiva: deu conta do muito meritório trabalho de uma Organização Não Governamental portuguesa no interior da Guiné-Bissau, em zonas de grande penúria, onde, como se salientou, não se fala, de todo, a língua portuguesa.

No debate que se seguiu à sessão, houve quem quisesse concluir que, face a essas realidades, a Lusofonia era algo de “elitista”, ou seja, algo de confinado às grandes cidades, ou nem sequer isso: algo apenas confinado a algumas classes sociais mais urbanas. Essa é, de resto, falamos pela nossa experiência, uma das estratégias mais recorrentes de desqualificação da Lusofonia e que, dado o seu cariz demagógico (como se matar a fome fosse uma função da língua…), consegue sempre ter algum efeito. Nestes nossos tempos, nada como usar o epíteto “elitista” como arma de arremesso para conseguir a concordância da(s) assistência(s).

Tal arma é porém, como já se disse, particularmente demagógica. É verdade que na Guiné-Bissau, como noutros países de língua portuguesa – não só em África: refira-se o exemplo de Timor-Leste –, a língua portuguesa é ainda apenas falada realmente por uma minoria da população. Isso deve-se a várias razões: no caso de Timor-Leste, houve uma tentativa de genocídio linguístico e cultural por parte da Indonésia; no caso de alguns Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, isso é desde logo explicável pelas várias guerras civis, que atrasaram a criação de redes de ensino.

Mais do que para as realidades – que todos conhecemos –, deveremos porém olhar para as tendências. E, quanto a estas, é insofismável que o ensino da língua portuguesa se está a alargar em todos esses países. E não, saliente-se, por vontade de Portugal, que pouco, de resto, tem feito por isso. São os próprios Governos de todos esses países que têm feito essa aposta estratégica. Por razões internas e externas. Internamente, por compreenderem que a língua portuguesa será, cada vez mais, um dos maiores factores de coesão nacional. Externamente, por entenderem que a Lusofonia é a melhor forma de inserção de todos esses países numa plataforma global. Eis o que, a este respeito, mais importa salientar.1

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  1. Artigo originalmente publicado aqui

PORQUÊ ALBUQUERQUE: sobre um colóquio realizado pelo MIL, uma Associação PASC – Casa da Cidadania.

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por Renato Epifânio (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC – Casa da Cidadania, nem das Associações que a compõem).

Conseguimos entender (entender, não aceitar) alguns argumentos que levam o nosso Governo a não se envolver nalgumas efemérides – neste ano, por exemplo, falamos dos 600 anos da tomada de Ceuta e do 500º Aniversário da morte de Afonso de Albuquerque.

A Sociedade Civil, porém, pode e deve suprir esses “esquecimentos” oficiais. Este Colóquio1, promovido pelo MIL – Movimento Internacional Lusófono, em colaboração com a Biblioteca Nacional de Portugal, o Arquivo Nacional da Torre do Tombo e a Sociedade Histórica da Independência de Portugal, é pois um bom exemplo do papel que a nossa sociedade civil pode e deve desempenhar.

Perguntar-se-á por que o MIL tomou esta iniciativa. Se fosse sensível aos argumentos mais politicamente correctos, não o deveria ter feito. Amiúde, o MIL é acusado de ser “neo-colonialista”. Ao promover um Colóquio sobre uma das figuras maiores da nossa expansão marítima, até parece que estamos a dar razão a esse tipo de acusações.

Em geral, como Presidente do MIL, nem sequer me dou ao trabalho de rebatê-las. Talvez de forma ingénua, acredito que qualquer pessoa minimamente lúcida concluirá que uma acusação como essa é ridícula, não merecendo por isso qualquer esforço de contra-argumentação. É que a questão não se põe sobretudo no plano das intenções. Mesmo que, por absurdo, quiséssemos ser “neo-colonialistas”, haveria um abissal óbice a tal desiderato: nada menos do que a própria realidade.

E este é o ponto. Alguém acredita que, em pleno século XXI, um país como Portugal poderia recolonizar qualquer outro país? Só por delírio. Se defendemos a convergência entre todos os países e regiões do espaço lusófono – nos planos cultural, social, económico e político – não é pois, de todo, por imposição de Portugal (ou de qualquer outro país), mas porque tal desígnio corresponde aos interesses estratégicos de cada um desses países e regiões. Tal convergência não pode senão cumprir-se numa base de liberdade e fraternidade.

Dirão alguns que tal convergência deriva de uma posição completamente idealista, senão mesmo utópica. Diremos, ao invés, que esta é uma posição maximamente realista: a melhor forma de, realisticamente, garantir o futuro da língua portuguesa e da(s) cultura(s) lusófona(s) é promover essa convergência. E isso passa, desde logo, por não fazermos tábua rasa da nossa história. Não há futuro que se possa erguer sobre o esquecimento ou escamoteamento do passado, por mais violento que tenha sido. Ao evocarmos, quinhentos anos depois da sua morte, a figura de Afonso de Albuquerque, fazemo-lo, pois, nessa perspectiva de futuro. Sem complexos ou recalcamentos.


  1. Colóquio “Afonso de Albuquerque, 500 anos depois: Memória e Materialidade”, Biblioteca Nacional de Portugal/ Palácio da Independência: 16 e 17 de Dezembro de 2015. 

ANTÓNIO COSTA – DO INSTINTO DE SOBREVIVÊNCIA: um artigo de Renato Epifânio, Presidente do MIL, uma Associação PASC – Casa da Cidadania.

por Renato Epifânio (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC – Casa da Cidadania, nem das Associações que a compõem).

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Nunca se deve subestimar o instinto de sobrevivência: o mais sereno gato, quando encurralado, pode tornar-se no mais feroz dos felinos.

António Costa, na noite de 4 de Outubro, era seguramente um político encurralado. Tendo destronado António José Seguro, anterior Secretário-Geral do Partido Socialista, por ter tido, nas Eleições Europeus, uma vitória curta, como poderia ele defender-se após nem isso sequer ter conseguido?

Perante um emergente sussurro que reclamava já a sua demissão, António Costa deu o passo mais arriscado de toda a história política do Partido Socialista, aceitando assumir um Governo refém do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista.

Este Governo, empossado no final de Novembro, é decerto um Governo formalmente legítimo, mas, não menos certamente, é um Governo condenado a cair à primeira contrariedade. A ilusão do fim da austeridade é apenas isso: uma ilusão. Quando a União Europeia a desfizer, como o fez na Grécia, logo a nossa extrema-esquerda, refém da sua própria retórica maximalista, deixará de sustentar o Governo de António Costa.

Entretanto, continua a fazer falta um Novo Centro para a política portuguesa. Nenhum dos novos partidos emergentes conseguiu, por razões diversas, ocupar esse lugar essencial. Talvez já nas próximas eleições, que, decerto, não demorarão quatro anos, alguns desses novos partidos emergentes se possam juntar de modo a ocupar esse lugar cada vez mais vazio no nosso espectro político.

DECLARAÇÃO (PESSOAL) DE APOIO A PAULO MORAIS: um artigo de Renato Epifânio, Presidente do MIL, uma Associação PASC – Casa da Cidadania.

por Renato Epifânio (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC – Casa da Cidadania, nem das Associações que a compõem).

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Defendem os clássicos (a começar por Aristóteles) que os regimes políticos não se distinguem por serem monárquicos, aristocráticos ou democráticos, mas pela forma como conciliam, melhor ou pior, esses três princípios estruturantes de todos os regimes políticos.

No nosso regime, o princípio monárquico está, evidentemente, consubstanciado na figura presidencial, ainda que de forma cada vez menos visível, dado que os Presidentes da República que temos tido têm sido sobretudo representantes dos seus partidos e da partidocracia em geral – não, como deveriam ser, os representantes maiores da Nação. A esse respeito, Aníbal Cavaco Silva não foi melhor nem pior do que os seus mais próximos antecessores.

Por regra, mas não sempre, a degradação do princípio monárquico deriva da degradação do princípio aristocrático. Consubstanciando-se este na nossa classe política, é igualmente óbvia a sua degradação. A classe política que nos tem representado nestas últimas quatro décadas tem sido, de eleição para eleição, cada vez pior.

Se não fosse esse o caso, poderíamos até aceitar um outro modelo de eleição presidencial. Se na nossa classe política estivessem de facto os melhores, o mais adequado, no plano dos princípios, seria que fossem os melhores a escolher “o melhor dos melhores”. Continuando neste registo mais onírico, imaginamos até a situação em que, por exemplo, Adriano Moreira fosse acolhido (mais do que escolhido) e aclamado como “o melhor dos melhores”, como, realmente, o Presidente(-Rei) de todos nós.

Como, infelizmente, a realidade está muito distante desse sonho, importa, ao invés, defender um outro paradigma: o da ruptura democrática com a nossa partidocracia. Por isso, olhando para os vários candidatos – decerto, em número excessivo, o que é igualmente sintoma da degradação da nossa situação política, em que os egos, cada vez mais, prevalecem sobre os ideais (escusado será aqui dar exemplos…) –, a nossa opção é por Paulo Morais1, aquele que nos dá mais garantias de independência em relação à nossa degradada partidocracia.

O percurso de Paulo Morais é, ele próprio, uma garantia: de não pactuar com a corrupção nem de ficar refém da nossa classe política. Pessoalmente, gostaria que o seu discurso fosse mais amplo – como o foi, nos seus melhores momentos, o discurso de Fernando Nobre nas eleições anteriores, em que, por exemplo, o horizonte da lusofonia era muito (e bem) valorizado. Admito, porém, que hoje as prioridades tenham que ser mais imediatistas. Por isso, reitero-o, apoiarei Paulo Morais nas próximas Eleições Presidenciais, salientando que esta é uma posição inteiramente pessoal – nem o MIL – Movimento Internacional Lusófono, a que presido, nem o Nós, Cidadãos!, de que sou um dos Vice-Presidentes, apoiarão qualquer candidato.


  1. Paulo Morais é Vice-Presidente da TIAC – Transparência e Integridade, Associação Cívica, uma Associação aderente da PASC – Casa da Cidadania

SAMPAIO BRUNO, ESQUECIDO?: um artigo de Renato Epifânio, Presidente do MIL, uma Associação PASC – Casa da Cidadania.

por Renato Epifânio (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC – Casa da Cidadania, nem das Associações que a compõem).

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Apenas uma breve nota sobre o texto “Sampaio Bruno, o portuense universal”, de António Valdemar (PÚBLICO, 02/11/2015), onde se lamenta que o centenário do seu falecimento não esteja a ser devidamente assinalado.

Tal não corresponde à verdade.

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Entre os dias 4 e 6 de Novembro de 2015, decorreu um grande Congresso, no Porto e em Lisboa, co-organizado pelo Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, Instituto de Filosofia da Universidade do Porto, Universidade Católica Portuguesa e Biblioteca Pública Municipal do Porto. A Revista Nova Águia, por seu lado, também dedica o seu décimo sexto número, entretanto lançado, a este insigne filósofo lusófono.

Quanto ao cariz do seu pensamento, deixo igualmente esta breve reflexão:

«No entender de José Marinho, um dos seus mais insignes hermeneutas, o que essencialmente caracteriza o pensamento de Sampaio Bruno é a sua heterodoxia. Marinho chegou, aliás, a qualificar a concepção brunina como a “concepção mais heterodoxa da filosofia portuguesa”.


Ainda segundo Marinho, consubstancia-se essa heterodoxia num duplo sentido: “O pensamento de Sampaio Bruno é, como se sabe, essencialmente heterodoxo. Tal deve entender-se em dois sentidos. Heterodoxo é o pensamento de Bruno em relação à ortodoxia católica. Heterodoxa é também a sua teurgia profética em relação à ortodoxia humanista, ou humanitária, que se formou, como irmã inimiga, na sequela da primeira.”


Não se consubstanciou, porém, essa dupla heterodoxia numa mera “carnificina de sistemas”, para retomarmos a já consagrada expressão de Eduardo Lourenço. Segundo o próprio José Marinho, “na sua oposição ao moderno evolucionismo progressista e ao humanismo satisfeito, ele [Bruno] descerrou o segredo profundo daquilo mesmo a que teve de opor-se”, da mesma forma que, na sua oposição à ortodoxia católica, “assegurou melhor o caminho do autêntico, profundo e velado cristianismo do que muitos cristãos de satisfeito saber e formal observância”.


Daí, em suma, para José Marinho e para muitos outros estudiosos da nossa tradição filosófica, toda a importância de Sampaio Bruno para o pensamento português contemporâneo – fazendo jus ao seu apelido, que José Pereira de Sampaio adoptou em homenagem a “um dos filósofos mais revolucionários do Ocidente”, Bruno “antecipa com seu pensar ao mesmo tempo difuso e concentrado algumas das formas mais autênticas da filosofia e dos caminhos da nossa época”.


E por isso o considerou como “o mais profundo dos nossos filósofos críticos e o mais excessivo”, “difícil será encontrar em qualquer parte pensamento mais audacioso e mais original do que o deste homem tímido e embaraçado”, e por isso nos disse ainda, a respeito da sua obra, que ela se constitui como “a mais significativa expressão do drama espiritual do homem moderno no trânsito do século XIX para o presente”, tendo inclusivamente afirmado que “a sua obra só por si vale todo o século XIX, perante ela empalidece tudo quanto a grande geração de Antero ou Oliveira Martins fez”, assumindo-se, nessa medida, como “o ‘juízo final’ do nosso século XIX” e, nessa medida ainda, como uma das pontes para o nosso futuro.».

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