PORTUGAL E A EUROPA: um artigo de Joaquim Moreira.

por Joaquim Moreira (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

Deixando as elaborações “profundas” político-económicas ou de cariz histórico-filosófico para os especialistas do nosso burgo, gostaria de fazer algumas reflexões, que considero terem interesse na avaliação serena desta relação: Portugal e a Europa.

A adesão à UE – União Europeia

Sendo importante conhecer o que aconteceu desde a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), passando pela Comunidade Económica Europeia (CEE), até à atual União Europeia (UE), para entendermos como e porque aderimos à CEE, convém desde logo referir que se tratava de uma inevitabilidade, depois da queda do Estado Novo e do compromisso com um dos desígnios da Terceira República, o terceiro “D” – Desenvolver. Sem prejuízo de outras leituras, os políticos viram nos Fundos de Coesão a forma de se perpetuarem no poder, com ou sem alternância, de tal forma que não viram nenhum interesse em perguntar aos seus cidadãos se também estavam ou não interessados no “negócio”. Confesso que não sei se teria havido alguma alteração ao facto consumado. Não acredito que fôssemos capazes de dizer sim ou não, com base em conhecimento e avaliação das vantagens e dos inconvenientes, penso mesmo que nem os decisores.

A adesão ao Euro

Apesar do longo período da construção europeia, que continua, entrámos e, passado muito pouco tempo (treze anos), aderimos ao Euro. Mais uma vez sem nos perguntarem nada. Não me lembro das elites se revoltarem, apenas de alguns “cépticos” do costume se manifestarem. Curiosamente, muitos dos que se manifestam hoje contra o Euro – nem todos a favor do Escudo – ganharam bastante com a passagem do Escudo para o Euro. Parece óbvio que não preparámos a nossa economia – fraca para ter uma moeda forte – da mesma forma que me parece óbvio que, depois do esforço que já foi feito pelas empresas e pelas famílias – a maioria dos portugueses – só temos um caminho a seguir: em frente. A nossa história comprova que esse é o nosso caminho, não vacilar em momentos difíceis. Não é esta Europa, muito menos o Euro, que nos vai impedir de nos afirmarmos e desenvolvermos, como um parceiro pleno de direitos e de deveres.

O Conceito Estratégico Nacional

Não havendo, como nunca houve, um Conceito Estratégico Nacional (CEN) escrito, temos usado o Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN), que de algum modo infere o CEN. Recentemente, vinte e seis eminentes personalidades, entre as quais algumas por quem tenho grande respeito e consideração, elaboraram e propuseram um novo Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional (CESDN), posteriormente aprovado, com algumas alterações e o desacordo dos proponentes, pelo Governo e pela Assembleia da República, com a designação de CEDN, como no anterior conceito de 2003. Foi com muita surpresa e alguma estupefação que constatei que a proposta apresentada para o CESDN ignora a nossa adesão à UE e ao Euro. O anterior CEDN teve, pelo menos, o cuidado de fazer referência a estas duas realidades, agravadas pela recente assistência financeira internacional. Com todo o respeito pelos autores, tenho muita dificuldade em entender que se elabore, para dez anos, um qualquer CEDN, que não tenha em conta estas duas realidades.

A solidariedade Europeia

Quando ouvimos falar de solidariedade europeia, parece que esta só tem um sentido. A solidariedade europeia deverá ter sempre dois sentidos. É, para mim, difícil de compreender que se ajude um amigo em dificuldades e ao mesmo tempo o nosso amigo não se prive das extravagâncias que o levaram a essa situação. E não me venham com o argumento de que um país não é uma empresa, uma família, ou muito menos um amigo. Nesta comunidade de nações teremos todos que ser solidários, uns e outros. Não deve haver distinção entre ricos e pobres, terá que haver apenas, e só, parceiros que cumprem as regras que livremente decidiram aceitar. Será que já nos esquecemos dos muitos milhares de milhões de euros que recebemos de Fundos Europeus, alguns a fundo perdido? Se isto não é solidariedade, continuamos pobres e mal agradecidos. O que demos em troca: muito dinheiro mal aplicado, que não contribuiu para a coesão pretendida e razão da solidariedade de que tanto se fala. Queremos mais, mas não queremos dar nada em troca. Nem algumas limitações inevitáveis de soberania, como é o caso do controlo da moeda e das contas públicas, com vantagem para quem não gosta de ser enganado. (Por exemplo, no caso da moeda própria, como acontece quando os governantes a desvalorizam. Empobrecemos, mas não parece, porque apesar de se aumentarem os vencimentos a funcionários públicos e, por sua vez, as empresas os salários dos seus trabalhadores, ficamos com mais dinheiro no bolso, mas com menos poder de compra. Enganados, mas “felizes”.)

Uma Europa de Estados-Nação

Sendo a União Europeia um conjunto de nações, algumas com milhares de anos de História, fácil será compreender a dificuldade da sua construção. Difícil será atingir o Federalismo quando ainda existem muitos problemas de Nacionalismos em nações que aceitaram pertencer a esta União. Não consigo compreender os que acham que, sem resolver ou ajudar a resolver problemas “comezinhos” – como são as questões de igualdade de condições de concorrência interna, as taxas sobre as empresas e os custos do dinheiro – partem logo para a defesa de um Governo Federal que, a acontecer, terá que ser o resultado de um esforço colectivo das nações e das suas gentes e não, mais uma vez, o resultado de decisões das tais “elites” iluminadas. Julgo haver vantagem em que a construção da Europa se faça à velocidade a que as pessoas sejam capazes de compreender os seus governantes e estes a capacidade para os convencerem do interesse em serem membros de uma União Europeia que, no século XXI, se pretende forte, porque culta, rica e solidária, interna e externamente. Uma Europa onde se continue a viver em paz e com qualidade de vida.

A dimensão variável da União Europeia

Criar um Governo Federal numa União Europeia que ainda não conhece as suas fronteiras – continua a haver países a pedir a sua adesão e outros a equacionar a sua saída – não me parece uma visão inteligente, o que não significa que a situação atual seja a solução ideal. É a solução possível, se considerarmos que uma qualquer decisão pressupõe a concordância de muitos e diferentes povos, social, cultural e economicamente. A criação do novo “Estado-Nação”, qualquer que seja o seu modo de governança, será sempre um processo lento, se quisermos que seja consistente e duradouro. Os erros do passado, se apreendidos, poderão ser uma vantagem para evitar sacrifícios ou dificuldades no presente. Deve-se pois evitar que a UE cresça à custa de novos membros, sem que estes antes conheçam as vantagens e os inconvenientes da sua entrada, preparando-se adequadamente. O facto de, apesar de já sermos vinte e oito, continuar a haver candidatos, deve dizer-nos algo sobre a importância do Projeto Europeu, mas também sobre a dificuldade de gerir a sua dimensão, ainda para mais variável.

A Governação da União Europeia

Por tudo isto, considero que a solução atual, com o Parlamento, a Comissão, o Conselho, o Banco Central Europeu e o Tribunal Europeu, sendo de difícil governo, se adequa à dificuldade que é e continuará a ser a construção europeia, sem prejuízo de constantes melhoramentos. Espero assim que, com avanços e recuos, seja possível continuar este projeto, que tem todas as características para ter sucesso, ao contrário do que dizem os ainda “velhos do Restelo”. Mais do que homenagear os fundadores, que sejamos capazes de dar o nosso melhor para que as futuras gerações possam viver numa Europa onde continue a ser bom viver e um exemplo de convivência e prosperidade num Mundo com problemas sociais e humanos de dimensão tal que nos deve encorajar a prosseguir.

Algumas interrogações finais

Enquanto fazia esta reflexão, decorria a campanha para as eleições europeias, que se realizaram no Domingo, dia 25 de Maio. Depois de ouvir alguns comentários, com expressões do tipo: “um terramoto”, “uma catástrofe”, “um caos”, ocorreu-me a pergunta: mas em democracia a voz do povo não é soberana? Ou será que só há democracia quando os outros estão de acordo connosco? Em democracia, o problema é outro: como governar com opiniões tão diferentes? Tudo isto, conduz-me a outra reflexão: os críticos do “Governo Europeu” da União de que falava no parágrafo anterior, por um lado lamentam-se dos resultados da consulta democrática, por outro também se lamentam da falta de democracia; situação, aliás, semelhante à daqueles que apoiam as decisões do Tribunal Constitucional, órgão “não democrático”, contra as decisões de outros órgãos de soberania resultantes de eleições democráticas. Será que os que rejeitam o Projeto Europeu ainda têm saudades do tempo, agora fora de tempo, do “orgulhosamente sós”?
Uma última nota: Apareceu “nas bancas”, na última semana de Maio,  um novo jornal só electrónico, cuja qualidade me anima bastante. Com este jornalismo “explicativo”, acredito numa melhor cidadania futura, desde logo porque pode ajudar à qualidade das nossas elites.

A CLASSE MÉDIA E A CRISE: um artigo de Joaquim Moreira.

por Joaquim Moreira (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

A leitura, na última página do jornal Público de Sábado dia 4 de Maio, de o “Escrito na Pedra”, do artigo de opinião “Eleições” de Vasco Pulido Valente, uma conversa no Domingo seguinte com o Miguel Gonçalves, os discursos do Primeiro-Ministro e do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros nesse mesmo fim de semana, as críticas que se seguiram, levam-me a reflectir sobre este tema, “A classe Média e a Crise”.

“São as circunstâncias que governam os homens, não os homens que governam as circunstâncias” (Heródoto (-484/-425), historiador da Grécia Antiga). Se “o homem é o ser e a sua circunstância”, podemos concluir que a circunstância é complemento do ser, pelo que, sem contrariar Heródoto, o homem pode governar nas circunstâncias.

Estamos tão habituados a ver os governos a claudicar face às circunstâncias que nem percebemos muito bem como é possível governar contra as circunstâncias. Uma das circunstâncias é o voto. Sempre ouvi dizer que os políticos nunca fariam as reformas que a “sociedade acha que deveriam ser feitas”, porque sempre dissemos que “nunca os políticos fazem reformas que possam contribuir para perder votos”.

Quando aparecem políticos que estão dispostos a fazê-lo, afirmando até “que se lixem as eleições”, são desde logo incompetentes, porque “políticos são para ganhar eleições”. Mas como as medidas não são agradáveis, então, mais do que incompetentes, “não têm sensibilidade social”.

Quando a sociedade, já farta de políticos, afirmava que o que precisava era de pessoas competentes, com sentido de Estado, que pusessem o País à frente dos seus interesses pessoais, eis que aparece um ministro que, depois de ser interpelado por uma deputada responde: “mas eu não fui eleito”. Dizem logo os “arautos da democracia”: isso é uma ofensa à democracia.

O artigo do Vasco Pulido Valente termina com a frase “Passos Coelho não vale um suicídio colectivo”, o que numa livre interpretação – que neste caso é a minha – pode levar a concluir, depois de ler todo o artigo, que não temos alternativa a este governo. Mas a inteligência de VPV sabe que não fica bem dizê-lo, pelo que usa aquele eufemismo.

A maioria da elite portuguesa continua nesta senda do “está tudo mal, e o que está bem podia ser melhor”. Mas qual é a solução? “Não sei, mas sei que esta solução não interessa”. Então qual a solução que interessa? “O governo foi eleito para resolver os problemas, não eu”. “Eu sou mais um comentador”, um “político de bancada”, onde todos somos muito bons.

O Miguel Gonçalves, do “Impulso Jovem”, com quem tive a oportunidade e o prazer de conversar alguns minutos e que me habituei a ver como uma pessoa com muitas das características de que o país precisa, como sejam o dinamismo, o combate ao estado de lamuria nacional, a vontade de vencer com mérito próprio e não a qualquer preço, como têm insinuado alguns condes do reino dos instalados, encontrei-o, desmoralizado e abatido com as reacções de que tem sido vítima depois de ter aceite colaborar com o actual governo, com prazer e muita vontade de servir o seu país, mas com a condição de não ser pago, para assim poder manter a sua total independência, coisa que muitos “inteligentes” deste reino não conseguem entender.

Para mim, apenas como observador atento, o discurso do Primeiro-Ministro – que ouvi nas íntegra – foi suficientemente claro. E embora não o tenha ouvido na íntegra, o discurso do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros foi no mesmo sentido, ao contrário do que me querem fazer crer. No mesmo sentido, embora com mais preocupações políticas.

Devo confessar que, para mim e nesta fase, interessa-me mais a substância do que se comunica do que a forma como se o faz. Prefiro a verdade efectiva à verdade declarada, embora compreenda a razão de ser desta última.

A defesa das reformas e dos reformados, bem como a preocupação “com o cisma grisalho”, é louvável, o que aliás, pela parte que me toca, desde já agradeço; mas também representa muitos votos, o que me deixa preocupado.

Sobre a “reforma das reformas” foi muito interessante ouvir comentadores, “senadores”, ex-governantes, políticos, jornalistas, todos no sentido de considerar que não se pode mexer nas reformas, desde logo porque é inconstitucional, um crime de “lesa direitos adquiridos”, o que segundo alguns só pode levar à queda do governo.

Um conhecido constitucionalista, na defesa dos seus próprios argumentos, chega mesmo a afirmar que “nem os trabalhadores das empresas privadas deixam de receber enquanto não são despedidos”.

Enfim, aqui chegado, não posso deixar de dar a minha opinião e enunciar algumas ideias, na qualidade de membro da classe média de que falo.

Todos estes “políticos/pensadores/comentadores” são parte da nossa elite, da nossa classe média que, isoladamente ou através dos diferentes lóbis, ajudou a criar o grave problema com que nos confrontamos, tal é a pressão que sempre exerceu e continua a exercer sobre os decisores políticos.

É preciso muita coragem e determinação dos políticos para resistir ao voto fácil dos grupos de pressão da classe média, como é o caso das recentes manifestações e declarações dos líderes e apoiantes dos reformados.

Se dúvidas houvesse sobre a responsabilidade da classe média no aumento da dívida pública, para não falar da dívida privada, lembrando apenas os empréstimos para fazer férias, julgo que o exemplo anterior bastaria.

Temos que fazer a reforma das reformas pelas razões que me parecem óbvias, a saber: há injustiças no actual sistema, não só entre as reformas do sector público e do sector privado, mas também dentro de cada um, sobretudo no público; reforma essa que, não tendo sido já feita, não podemos adiar mais, sob pena de sacrificarmos a geração dos nossos filhos e netos.

O argumento de que com as reformas os pais estão a ajudar os filhos, sendo muito compreensível e mesmo sensível, não parece justo face à crise.

Mesmo a questão da não retroactividade das medidas, face a “direitos de propriedade”, também me parecem despropositados pela mesma razão.

Injusta e inconstitucional é a situação dos desempregados, que não só não têm emprego como, muito provavelmente, nunca mais terão, enquanto a Constituição, no seu artigo 58º, garante que “todos têm direito ao trabalho” e que “incumbe ao Estado promover”, entre outras medidas, “A execução de políticas de pleno emprego”.

Razão teria um Imperador Romano quando disse, “Este povo nem se governa nem se deixa governar”, que me atrevo a rectificar dizendo: “A elite deste povo nem governa nem deixa governar”.

Se é verdade que em política tudo o que parece é, não é menos verdade que esta nem sempre é o que parece, muito menos a que a política nos faz crer que é. Assim, é tempo de todos, com serenidade, ouvirmos a voz da nossa consciência e agirmos em conformidade.

Se os pobres não têm voz e os ricos “já não pagam a crise”, resta a classe média, que tendo muita gente capaz de discutir e meditar sobre estes temas, pode e deve dar o seu contributo para a solução dos problemas e não, como os políticos que criticamos, simplesmente proclamar boas intenções ou a afirmar que há outras soluções mas sem as fundamentar devidamente.

Tenho a percepção de que nunca nenhum governo da nossa democracia foi tão justo na repartição dos sacrifícios que, afectando todos, naturalmente se fazem notar mais numa classe média com muitos reformados.

Nada do que foi dito deve impedir que se exija a responsabilização de todos os que, directa ou indirectamente, são responsáveis pela delapidação de erário público. Mesmo sabendo que não resolve o nosso grave problema, julgo que certamente muito moralizaria os cidadãos contribuintes.

Antes de terminar gostaria de dar um exemplo de que somos capazes de “dar a volta”. O AICEP e o seu líder, Pedro Reis, que com a sua equipa de funcionários públicos têm feito um trabalho de excelência, publicamente reconhecido, confirma a tese de que com um bom líder as organizações funcionam e funcionam bem. Por isso, o nosso problema também é de lideranças.

É altura de exercemos uma verdadeira cidadania activa, não nos limitando a criticar, mas a propor soluções alternativas, a pensar nas pessoas todas e não apenas em interesses de grupo, muito menos em manobras políticas para ganhar votos ou conseguir qualquer tipo de apoios.

As gerações de hoje e de amanhã merecem muito mais de todos nós. Pela minha parte, tudo farei para apoiar e ajudar quem faz política com o sério risco de perder eleições, com sentido de Estado, que é o mesmo que dizer, a pensar sobretudo em Portugal e nos interesses dos Portugueses.