ACABAR COM A INCERTEZA: tomada de posição da SEDES – Outubro de 2013.

 

A SEDES – Associação para o Desenvolvimento Económico e Social, uma das Associações fundadoras da PASC – Plataforma Activa da Sociedade Civil – que actualmente integra 37 Associações – tornou pública uma tomada de posição sobre o estado actual do país, que reproduzimos abaixo.

Introdução 

A incerteza está a minar a confiança dos portugueses, com consequências muito graves para a economia e para o bem-estar da sociedade e dos cidadãos. 
Quaisquer decisões, das mais simples, como jantar fora ou mudar de carro, até às mais complexas, como investir num projecto empresarial ou decidir ter um filho, são sistematicamente adiadas. 
Esta incerteza é insustentável, tanto do ponto de vista social como económico. 

Uma situação dramática 

A situação social e económica é dramática, como quase todos reconhecem. A crise financeira do Estado espoletou uma crise económica e social de proporções inesperadas até pelos mais pessimistas. As suas origens estão nas políticas adoptadas nos últimos 10 anos, agravadas pelo caminho seguido nos últimos anos. 
A falta de visão inicial levou a uma crise financeira do Estado apenas comparável à de 1892; a resposta à crise foi, no mínimo, desastrada, casuística e sem rumo perceptível tanto por nossa responsabilidade como das instituições europeias. 
As políticas seguidas, em particular entre 2008 e 2010, conduziram o Estado a ficar, possivelmente, a dias de cessar pagamentos. O acordo com a troika, longe de ser perfeito, evitou o pior. Mas esse acordo só era relevante para evitar essa cessação de pagamentos, o que já não era pouco. A ideia de que o Estado está falido e, como tal, tudo é aceitável é, e tem sido, um erro grave: o acordo com a troika fez-se exactamente para evitar essa falência
Entretanto, por erros de comunicação, políticas erráticas e decisões fora de tempo, criou-se uma incerteza absolutamente desnecessária e um ambiente de desconfiança em relação ao Estado de Direito incompatível com a recuperação da economia, do investimento e do emprego. 
Ninguém confia em quase nada que seja prometido pelo governo: isso é incompatível com uma saudável vivência democrática. 

A incerteza 

Qualquer decisão de investimento é precedida de um estudo de viabilidade económica. Isso implica ter uma ideia minimamente estável do IRC, do IRS, do IMI, das futuras leis do trabalho, da TSU, etc. Sem uma perspectiva razoável sobre a evolução das políticas, não é possível fazer um plano de negócio; consequentemente, não há investimento. Mas sem investimento não há crescimento nem emprego. 
O argumento do mercado interno estar deprimido não colhe, pois as empresas exportadoras têm tido um excelente desempenho e algumas estão a trabalhar em plena capacidade. Mesmo assim, o investimento não surge e não há criação de emprego. 
Todas as semanas escutamos anúncios de medidas que abrem novas frentes e criam medo e incerteza, como aconteceu recentemente com a questão das pensões de sobrevivência. Sem discutir se a política em causa é boa ou má, contesta-se sim a errância das decisões, a confusão dos conceitos, a impreparação das soluções, a intermitência dos anúncios, a contradição dos agentes (ministros, secretários de estado, consultores, oposição). 
Parece não haver uma verdadeira ideia do que se pretende conseguir com cada medida e das suas consequências. Ouvir, analisar e pensar antes de decidir e de anunciar parece trivial. Actualmente, é tudo menos isso. 
A recuperação da economia e do emprego passa, num primeiro momento, pelas exportações. Este primeiro passo foi dado, porque os empresários perceberam desde cedo que no mercado externo estava a sua sobrevivência. Sem desvalorização cambial e sem alteração da TSU os resultados na frente externa foram rápidos e surpreenderam muitos economistas (mas não todos). 
O segundo passo para a retoma económica é o crescimento do investimento que, como vimos, tarda. Sem ele não há mais emprego nem crescimento do consumo privado, que tipicamente surge num terceiro momento. 
A recuperação do investimento passa antes de mais por políticas estáveis e previsíveis. O problema não é, neste momento, a falta de financiamento ou de incentivos, mas de credibilidade e estabilidade política e das políticas. 
Episódios de crise governamental, como os do verão passado, põem a estabilidade seriamente em causa, com elevados custos para o País: não se podem repetir! 

Segurança social 

Merece particular destaque o que tem sido anunciado sobre o sistema de pensões e reformas. O parecer do FMI de há uns meses sobre a suposta reforma do Estado é particularmente enganador pois não analisa correctamente o problema, sendo sobretudo criador de ruído – fez parte do problema e não da solução; talvez por isso, já ninguém se lembre dele. 
Neste momento, o Governo descredibilizou e retirou certeza jurídica ao sistema de pensões sem proceder a qualquer reforma visível. É de salientar que a reforma de 2007 do sistema de pensões, que foi profunda, teve particular cuidado em salvaguardar o Estado de Direito, e as garantias constitucionais e a sustentabilidade do sistema. 
Qualquer pensão é um contrato entre o Estado e o Cidadão. Estamos todos conscientes de que a demografia tem colocado em particular stress o sistema, mas são precisas soluções globais e de longo prazo. O problema não se resolve com ameaças e, muito menos, descredibilizando o sistema de pensões e reformas. 
A ideia de que a geração em idade contributiva não terá pensões gera uma revolta contra o facto de se pagar hoje para nada se receber amanhã. Alimentá-la encoraja todo o tipo de fugas à contribuição, agravando o exacto problema que visava resolver. 
Escamoteia-se além disso que as pensões dos reformados de há 20 anos foram pagas pelas contribuições dos actuais reformados. E cria-se uma incerteza fundamental (mais uma!) sobre o longo prazo, gerando infelicidade, mal-estar, comportamentos anormais de aforro e de aversão ao risco acima do necessário e causadores de desemprego já hoje. 
É muito grave a destruição da confiança nos segundo e terceiro pilares da segurança social: os fundos de pensões privados, embriões do segundo pilar, e o investimento em sistemas de reforma complementares, integralmente voluntários e privados. Para essa destruição contribui, relativamente aos fundos, a sua “nacionalização”, e quanto aos programas complementares a inadmissível sujeição do seu rendimento à Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES). 
Argumenta-se por vezes que o sistema de pensões deve promover a redistribuição do rendimento – isso é fundamentalmente errado. A redistribuição do rendimento e a justiça social são realizadas, em primeiro lugar, pelo IRS, tributando os altos rendimentos; e em segundo lugar pela despesa pública, através do apoio às famílias mais carenciadas. O regime contributivo das pensões de reforma configura um seguro de velhice imposto (e, supostamente, garantido) pelo Estado. 
Se o sistema de pensões servir (e tem servido indevidamente) para redistribuir o rendimento, então a TSU deixa de ser uma “taxa” para ser um “imposto” especial sobre o rendimento, tornando-se necessariamente inconstitucional, tanto em Portugal como em qualquer Estado de Direito. O mesmo se passa com a CES, já objecto de “aviso” por parte do Tribunal Constitucional e passível de condenação a prazo, caso perca o seu carácter “excepcional”. 
Nesta visão em que o sistema de pensões é um contrato entre o Estado e o Cidadão (contrato, aliás, imposto unilateralmente pelo Estado), não se entende a campanha sobre uma suposta insustentabilidade do sistema, pois essa mesma exigência se poderia aplicar às PPP´s rodoviárias ou aos apoios a energias renováveis, por exemplo, que são contratos muito mais susceptíveis de serem postos em causa. A única diferença é que se o Estado alterar unilateralmente (como outros países já fizeram) as condições daqueles contratos com grandes empresas, terá provavelmente processos em tribunal de empresas fortes, apoiadas em bons advogados e com tempo para esperar. 
No caso das pensões, o Estado tem pela frente pessoas frágeis e que já não têm o tempo necessário para esperar por decisões tardias de tribunais. Mas o Estado existe, ou devia existir, para proteger os fracos em relação aos fortes, mesmo que este seja o próprio Estado. 
Neste aspecto, a Troika e o FMI não ajudaram nem perceberam que o descrédito no sistema de pensões e reformas tem consequências enormes para o desempenho da economia já hoje; causa mal estar generalizado em novos e velhos com consequências políticas e sociais muito gravosas, embora difíceis de avaliar em toda a sua extensão. Fomentar a “luta” entre gerações é uma injustiça, é perigoso e é politicamente irresponsável. 
Em conclusão, nas políticas seguidas sobre pensões o argumento meramente contabilístico ou financeiro de curto prazo, não teve em conta as consequências sociais e económicas muito negativas para muitos e muitos anos. A SEDES não nega a necessidade da reforma com vista à sustentabilidade do sistema, nega justamente a não existência de uma reforma mas de um conjunto avulso de medidas, circunstancial e ditado pela conjuntura, que mina um pilar fundamental da vida social – a confiança – agravando a insegurança. 

Consolidação orçamental e austeridade 

Face ao descalabro que as contas públicas atingiram em 2009 e 2010, ninguém imagina que a estabilização financeira poderia evitar uma drástica austeridade. Mas há várias austeridades possíveis e várias formas de fazer uma política de austeridade. 
A opção imediata deveria passar por reduzir a despesa, o que apenas agora está a ser seriamente ponderado em situação de desespero e sem rumo. Para cortar na despesa do Estado é necessário saber onde se encontra o desperdício, a redundância e o excesso de burocracia. Tal tarefa é necessariamente demorada. É exactamente por a redução da despesa levar tempo que ela deveria ter sido pensada desde o início. 
Cortes “horizontais” são pouco eficazes e podem mesmo ser prejudiciais, porque penalizam os organismos que trabalham eficientemente e não perturbam os que têm excesso de recursos. Os cortes mais eficazes são os “verticais”, mas esses exigem uma avaliação de desempenho dos organismos, das pessoas, de reavaliação de processos… Mas fazê-la repartição a repartição, instituto a instituto, leva tempo e pressupõe visão e competência políticas. Uma vez mais, deveria ter sido iniciada há anos. 
A carga fiscal, em larga medida a primeira opção adoptada por este governo, pela sua dimensão e natureza, asfixia a economia e as pessoas. E é também mais uma fonte da incerteza desnecessária que impossibilita o investimento. 

O sistema político e a reforma do Estado 

Em toda esta situação é clara a crescente necessidade de reformar o sistema político do nosso país. A insegurança que referimos é, em parte substancial, resultado da enorme distância a que os políticos e os partidos, as instituições e os agentes do sistema se encontram dos cidadãos; o fosso tem aliás aumentado de dimensão. 
Esta é uma situação profundamente preocupante, pois põe em causa os próprios alicerces da democracia. Não há democracia sem partidos políticos. 
Nesta tomada de posição, a SEDES aponta a insegurança como agente causal da degradação a que chegou o contrato social que tem regido a nossa sociedade. Inverter a situação implica repor a confiança. 
Para isso, contudo, é necessário, é indispensável e é urgente proceder a uma verdadeira reforma do sistema político. Para tal a alteração do sistema eleitoral e do financiamento dos partidos são pilares fundamentais. 

Conclusão 

O estudo apresentado pela SEDES já há um ano – O Impacto da Crise no Bem-estar dos Portugueses – ilustrou o impacto no bem-estar dos portugueses da incerteza que vivemos. Mostrou como esse mal-estar leva a comportamentos com consequências negativas para a economia e o emprego. A incerteza nas medidas de austeridade, onde cada dia parecem nascer intenções de política nunca concretizadas mas que ficam a pairar como ameaça velada, são criadoras de stress e infelicidade. 
Seja a incerteza sobre as pensões actuais e futuras, sejam as alterações bruscas de impostos, sejam as dúvidas sobre a simples data de pagamento de subsídio de férias, são inaceitáveis. A violação do Estado de Direito e a inconstitucionalidade das medidas potenciam sem necessidade essa incerteza. 
Que fazer? Em geral, todos podemos concordar com a importância do combate ao défice público como prioridade, suportado no Estado de Direito e, sobretudo, na confiança entre instituições, cidadãos e empresas. 
Mais do que a austeridade, que todos sabíamos que seria dura e prolongada, tem sido a incerteza e a violação de Estado de Direito a afundar a economia e a acarretar um nível de desemprego politicamente inaceitável, socialmente perigoso e pessoalmente injusto. 
É URGENTE REFORMAR O ESTADO, REFORMAR O SISTEMA POLÍTICO, REFORMAR A FORMA DE FAZER POLÍTICA, DE GIZAR, CONCEBER, APRESENTAR E EXECUTAR AS POLÍTICAS PÚBLICAS. É FUNDAMENTAL ACABAR DE VEZ COM A INCERTEZA DESNECESSÁRIA QUE MINA A CONFIANÇA DOS CIDADÃOS EM SI MESMOS, NA ECONOMIA E EM QUEM OS REPRESENTA E POR SI DECIDE. É VITAL REFORMAR O SISTEMA POLÍTICO E MELHORAR A DEMOCRACIA. A SEDES CONTINUA ATENTA COMO HÁ MAIS DE 40 ANOS. 


O Conselho Coordenador da SEDES 

Catarina Valença Gonçalves 
Cristina Azevedo 
Henrique Neto 
Luís Barata 
Luís Campos e Cunha (Presidente) 
Manuel Alves Monteiro 
Maria Perpétua Rocha 
Pedro Magalhães 
Paulo Sande

TRÊS REFEIÇÕES POR DIA: um artigo de José Eduardo Garcia Leandro.

por José Eduardo Garcia Leandro (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

Depois da implosão da URSS em 1991, o período conturbado que se viveu nos seus antigos territórios foi muito grave, levando a que grandes cientistas tivessem necessidade de sair da nova Rússia para sobreviver. Nesses anos, o LNETI, dirigido pelo Prof. Carvalho Rodrigues, também procurou trazer alguns deles para Portugal. Depois do acerto de vontades, foi-lhes enviado um contrato para assinatura; ocorreu, nalguns casos, que havendo concordância no contrato, foi pedido ao LNETI que juntasse nova cláusula: “Ter direito a três refeições diárias”. Trágico!
 
Que significado tem isto?

Significa que todas as sociedades têm um ponto de rotura, o que também pode ocorrer em Portugal. A Rússia demorou 10 anos para estabilizar e mais 10 no longo caminho de regresso a grande potência, mas tem uma enorme massa crítica de espaço, reservas de energia e minérios, produção agrícola, etc., o que aqui não acontece.

Mas há algumas semelhanças. Ainda nos anos 50 do século passado tínhamos pessoas que não tinham três refeições diárias e estamos a voltar a tal situação e também o facto de licenciados bem preparados serem obrigados a emigrar para conseguirem emprego, o que é incentivado pelo Governo.

Está fora de causa a necesidade de termos as contas certas e avançar com as reformas de há muito atrasadas. Nisso o Primeiro Ministro tem razão e o povo português tem mostrado toda a compreensão.

Mas têm de existir equilíbrios e actuação simultânea em várias áreas como:

  • Capacidade para recuperar o sistema produtivo;
  • Capacidade para atraír novos investimentos e criar mais empregos;
  • Voltar a uma exploração moderna do mar;
  • Reformar o Sistema Judicial;
 
Apenas quatro casos cuja concretização é muito demorada, fugindo a falar na situação demográfica e na importação de combustíveis e de bens alimentares, praticamente sem solução.

O Governo conhece melhor do que eu a situação e a sua gravidade, mas tem áreas onde pode actuar:

  • Conhecer bem a situação internacional (prospectiva e cenários alternativos) para além da União Europeia e actuar rapidamente sobre alvos de interesse, o que tem sido feito, nalguns casos, com êxito;
  • Ter no Executivo gente respeitada; se assim não fôr o fallhanço e o ridículo são inevitáveis; há Ministérios onde os responsáveis não têm conceitos e não percebem o que devem fazer e há alguém que já perdeu toda a credibilidade para poder impor quaisquer medidas;
  • Actuar com equidade na fiscalidade, o que não tem acontecido;
  • Os ainda muito ricos podem ajudar a evitar a situação da falta de três refeições diárias, o que está a ser feito um pouco por todo o mundo; Mas a situação é tão difícil que Portugal pode desaparecer com autonomia e influência neste novo mundo em que tudo está a mudar e a um ritmo sem precedentes; ainda podem vir dias piores.

Para que ultrapassemos esta crise é indispensável que o Acordo com a Troika seja renegociado, melhor sendo que fosse por iniciativa desta. Neste reduzido espaço não posso ir mais longe, mas fica o alerta. Podemos ter as contas certas num Pais sem gente, sem emprego e com fome. E tudo podia ter sido evitado; fica apenas como paradigma do disparate as obras em 10 estádios de futebol para o Euro 2004. E a lista é quase interminável!

Lisboa, 22 de Agosto de 2012.

A TROIKA DEVIA TER OUVIDO O PESSOA: um artigo de Jorge Marques.

 

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

 

É verdade, a Troika devia ter-se deslocado aos Jerónimos e ter ouvido o Fernando Pessoa. Já vou explicar porquê!

A Troika comportou-se em Portugal como qualquer consultor, chegou com ar dinâmico, envolvida em expectativa, ouviu o que precisava ouvir e deve ter perguntado:

– Então quais são os principais problemas?

E as pessoas consultadas lá foram respondendo! E depois, perguntaram ainda:

– E para esses problemas, quais são as melhores soluções?

E as mesmas pessoas lá foram debitando as soluções. No final, com tudo o que ouviram, elaboraram o relatório que nós conhecemos.

Não estarei muito longe da verdade, porque afinal naquele relatório não vi nada que já não tivesse sido falado entre nós, vezes sem conta. Sinceramente, não há uma única ideia que me tenha surpreendido.

É evidente que a Troika ouviu o formal, as Instituições, os mesmos de sempre, daí que este relatório seja pobre, porque se tivesse ouvido a inteligência e a alma deste país, se tivesse ido falar com o Pessoa, como eu disse, o relatório teria sido bem diferente e os papéis teriam sido completamente invertidos.

Pessoalmente, considero que Porter disse-nos coisas bem mais importantes e que tinham a ver com o investir naquilo em que éramos bons, este relatório diz-nos exactamente o contrário, vem confrontar-nos com aquilo em que somos manifestamente fracos e quando se investe nas fraquezas, só podemos esperar a mediania.

Vejamos o que diz Pessoa num ensaio a que chama “Como organizar Portugal”:

«[…] o problema da organização divide-se em três partes, uma das quais compete ao teórico, e as duas outras ao prático. Temos, primeiro, a determinação do plano ou norma, segundo o qual se vai organizar; temos depois, a colocação, nos lugares que lhe competem, dos homens competentes que hão-de efectivar, na prática, essa organização; temos por último, a coordenação dinâmica dos esforços desses homens, a maneira de pôr a organização em marcha. A primeira é de pura teoria; a segunda e a terceira pertencem já à prática. Para a primeira não há senão regras; para a segunda e a terceira não há outra regra senão a realidade, nem outra norma, na segunda parte, senão a intuição na escolha dos homens, e, na terceira, o espírito prático de coordenação de esforços. Não nos interessa- escusado é dizê-lo- senão aquela parte que é teoria […]»

O nosso real problema nunca foi ao nível das ideias, do diagnóstico, nisso somos do melhor que há no mundo e poderemos até prestar bons serviços ao FMI, ao BCE ou à União Europeia. O nosso problema é a capacidade de organizar e fazer, é nisto que se tem perdido a nossa capacidade e inteligência, os nossos modelos de gestão tem-se mostrado completamente incapazes de realizar. Mas Pessoa acrescenta ainda mais:

«[…] Quem estuda um problema para o compreender não tem diante do seu espírito senão esse problema; quem estuda um problema para o resolver e o aplicar tem diante do seu espírito duas coisas – o problema e a realidade a que há-de ser aplicada a sua solução […]»

Prescindimos da autoria do famoso relatório da Troika, isto é, estudar para compreender e ficámos apenas com o papel de o aplicar. Há aqui um enorme paradoxo relativamente ao nosso talento. Teria sido preferível assumir apenas a teoria e deixar a execução à Troika, seria até inovador, sermos apenas a parte criativa e entregar em outsourcing a execução.

Quem sabe se com outros líderes, pelo menos temporariamente, nós não daríamos um salto qualitativo enorme? Para terminar com mais uma citação de Pessoa, ele diz:

«[…] no equilíbrio das forças do progresso e de resistência ao progresso reside a vitalidade de uma nação […]»