por Maria Perpétua Rocha (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).
Os cidadãos europeus e dentre eles nós portugueses, embevecidos pela possibilidade de saciar a ambição natural de Ter mais e melhor, fomos estimulados a mergulhar num ciclo de Ter/Poder tornando-nos cada vez mais individualistas e egoístas mas simultaneamente mais frágeis e menos livres.
A solidariedade está fragilizada, os regimes democráticos em risco, o estado social em colapso, e nós temos vindo a adoptar, insidiosamente, um individualismo crescente, terreno fértil para o ressurgimento das ameaças com que a Europa se confrontou na primeira metade do século XX.
Sem nos apercebermos, as sociedades enveredaram por um sistema de comportamentos inerentes ao ilusório, fictício e desregulado mercado especulativo de capitais.
A Europa, inacabada na sua construção política, social e económica, parece recuar quase diariamente perante a agressividade da especulação financeira, esquecendo-se da economia real e de como esta, nas raízes profundas da democracia europeia, deveria ter como objectos últimos o desenvolvimento e o bem estar social.
A Europa encontra-se num estado de esgotamento histórico, paralisada perante o paradoxo de cenários crescentes de privação, sob o espectro de uma fronteira da miséria que se desloca cada vez mais para norte.
A Europa, “Berço da Democracia”, tem vindo a desvalorizar a Justiça e a Verdade, a por em causa Direitos Fundamentais e assim sendo atentando contra a dignidade e o patamar civilizacional que atingiu.
A crise europeia está a transformar-se numa crise civilizacional em que os valores que guiaram o seu desenvolvimento se encontram cada vez mais ignorados.
E nós, portugueses, que desvalorizámos sistematicamente o nosso legado histórico, a nossa cultura universalista e a nossa privilegiada posição geoestratégica, colocámo-nos perigosamente na linha da frente dos mais frágeis nessa enfraquecida Europa.
É na consciência desta nova realidade que o magistério da inquietação, o magistério da palavra dita e escrita, ganham nova importância pois é fundamental acordarmos da letargia sonâmbula e da inércia, refúgios traiçoeiros da impotência perante a crueza de um futuro que, de forma agigantada, nos esmaga.
Nós, cidadãos europeus, mas sobretudo portugueses, com a responsabilidade histórica de termos ligado o mundo naquele que foi o início da aproximação dos Povos, não nos podemos alhear desta realidade.
É fundamental que procuremos colectivamente formas eficazes de, não só de dizer basta, mas também, encontrar novas soluções a que não sejam alheias uma Filosofia de Cultura e o primado do Ser, retomando a caminhada em direcção à Justiça, à Paz e ao Desenvolvimento Cultural e Social.
Lembrando Manuel Antunes e o seu “Repensar Portugal”, este mantém a actualidade do momento em que foi escrito.
Considero, por isso, fundamental que nós portugueses retomemos o Caminho em direcção a:
- Uma Sociedade que não maximize o lucro e não sacralize o poder de circunstância;
- Uma Sociedade em que a liturgia do Ser vá eliminando a do ter e a do parecer;
- Uma Sociedade em que a política não se encontre desvinculada da ética;
- Uma Sociedade em que a economia tenha uma dimensão ética e uma dinâmica solidária;
- Uma Sociedade que não se encontre cindida entre a miséria e o consumo;
- Uma Sociedade em que o Homem não seja reduzido a um número de série, a um contributo anónimo de uma qualquer estatística de desemprego;
- Uma Sociedade em que a memória, o nascer, o amor e a morte não sejam apenas scripts de uma qualquer série televisiva substituta do que nos é alienado na vida real;
- Uma Sociedade que não transforme em áreas de negócio obrigações sociais que são por essência de natureza pública, porque de Direitos Fundamentais se trata;
- Uma Sociedade consciente da humanidade de todos os homens cuja riqueza máxima é a heterodoxia de cada um dos que a compõem.
É necessário que nós, Cidadãos, nos empenhemos e exijamos a criação de novas formas de Solidariedade, tais como:
- Uma “Solidariedade de Resistência” tendo como objecto a Justiça social;
- Uma “Solidariedade Cosmopolita”, tendo em atenção a coexistência das diferenças étnicas, religiosas e geracionais nas grandes Metrópoles;
- Uma “Solidariedade Ecológica”, tendo como objecto a salvaguarda do Planeta;
- Uma “Solidariedade Cultural”, instrumento fundamental de aproximação dos Povos;
- Uma “Solidariedade Social”, que tenha em conta a necessidade de criar formas de desenvolvimento que combatam o desemprego e a miséria nos seus diferentes contornos.
É necessário que contrariemos colectivamente o determinismo que estamos a viver, o que pressupõe sermos capazes de introduzir uma alteração radical do paradigma para que nos empurram. Organizados, em torno da mudança de rumo necessária, nós Cidadãos criaremos as sinergias sociais e políticas para que tal aconteça.
Nós, cidadãos portugueses, temos a responsabilidade de fazer com que a primazia política se recentre de novo em garantir o primado dos Valores do Homem e da Vida.
Parabens pelo artigo. Esta apologia a uma sociedade norteada por valores é o rumo que teremos de seguir.A ideia de me preocupar exclusivamente com o meu bem-estar, e quanto ao resto, o Estado deve resolver, conduziu ao triunfo do vale tudo.Quando as élites politicas não têm tal tipo de consciência,o descalabro social é inevitável.
Um abraço.
josé Ferreira
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