500 ANOS APÓS A MORTE DE AFONSO DE ALBUQUERQUE – O TRIBUTO QUE SE IMPUNHA: entrevista a Renato Epifânio, Presidente do MIL, uma Associação PASC – Casa da Cidadania.

Entrevista realizada por Joaquim Magalhães de Castro para o jornal O Clarim de Macau e publicada a 8 de janeiro de 2016.

albuquerque

No rescaldo do Colóquio que, em Lisboa, no passado mês de Dezembro de 2015, assinalou os 500 anos do desaparecimento físico de Afonso de Albuquerque, O Clarim foi ouvir Renato Epifânio, presidente do MIL – Movimento Internacional Lusófono, entidade que, em parceria com o Arquivo da Torre do Tombo, a Biblioteca Nacional e a Sociedade Histórica da Independência de Portugal, organizou o evento.

Renato Epifânio começa por lembrar que o Estado português, «por norma», não assinala devidamente este tipo de efemérides, porque insiste «em manter uma relação complexada com a sua história», e, se o fizesse, «certamente haveria muita gente a apontar-lhe o dedo, acusando-o de ser saudosista, eventualmente neocolonialista, quando tudo isso é completamente absurdo». E como o MIL – Movimento Internacional Lusófono não tem esses complexos, deu rosto à iniciativa em parceria com as entidades acima indicadas, nomeadamente a Biblioteca Nacional, que cedeu a sala onde foram apresentados os diferentes painéis.

«Tudo que seja promover a nossa história parece-nos positivo», afirma Epifânio, em jeito de balanço. Mesmo que tal implique situações polémicas, como a que foi gerada pela intervenção do historiador Nuno Teotónio de Souza, português de Goa, que comparou a acção de Albuquerque aos actos terroristas da Al Qaeda, algo «simplesmente absurdo», no entender de Renato Epifânio, «até porque essa organização só tem cabimento na época actual», pois surge devido a uma situação geopolítica muito peculiar. «Conheço razoavelmente bem o professor Teotónio, e acho que ele quis provocar, embora não me pareça que fosse o local e momento adequados para o fazer», comenta.

O personagem Afonso de Albuquerque, é sabido, gera «sinais de simpatia, mas também, inevitavelmente, sinais de antipatia», sobretudo por parte de outros povos. Mas não é o único. Epifânio aponta o exemplo de Afonso Henriques, «aparentemente uma figura consensual», mas que na Galiza, «por razões que nada têm a ver com o anti-portuguesismo, antes pelo contrário», é muito mal vista pelos galegos pró lusófonos, «que almejam de corpo e alma a integração na comunidade lusófona». E porquê, perguntamos todos nós, atónitos? Simplesmente porque Afonso Henriques, em termos históricos, foi o responsável pela cisão de Portugal com a Galiza. Renato Epifânio confessa sentir essa ambivalência: «Por um lado, respeito-o, enquanto fundador de Portugal. Por outro lado, vejo-o como alguém que, porventura, tomou uma decisão errada».

No caso do dito “César do Oriente” há que recuar mentalmente (e moralmente) uns séculos «e é escusado fazer juízos anacrónicos». É claro que, «à luz da nossa grelha de valores, figuras como Afonso de Albuquerque não são enquadráveis». É preciso situá-lo no contexto da sua época, «sem qualquer propósito restauracionista», ressalva o nosso entrevistado. «A acção das pessoas só faz sentido à luz do seu tempo e é à luz da mentalidade do século XVI que queremos (e devemos) avaliar o legado de Afonso de Albuquerque». E sempre numa perspectiva virada para o futuro, «debruçando-nos sobre aquilo que hoje podemos fazer para preservar a língua portuguesa e todas as culturas lusófonas». São de sobra os exemplos e denúncias do muito que há a fazer, «como lembrou a Luísa Timóteo da Associação Cultural Coração em Malaca»1, uma das oradoras do Colóquio, que contou ainda com as participações de Rui Manuel Loureiro e Miguel Castelo Branco, entre outros conhecidos investigadores.

Habituado a organizar múltiplos eventos – «nos últimos dois meses foram seis colóquios» – a Renato Epifânio não lhe surpreende o pouco público. «Nesse domínio, as minhas expectativas são sempre baixas». Aponta como exemplo um Congresso realizado na Invicta, sobre Sampaio Bruno, «filho da cidade e pai da filosofia portuguesa», que não teve qualquer envolvimento por parte da população portuense, nem mesmo a dita classe intelectual. «A certa altura tornou-se quase anedótico», confessa. Em contraponto, o MIL – Movimento Internacional Lusófono foi premiado com agradáveis experiências. Foi o caso da Primeira Edição do Festival Literário de Fátima, no passado mês de Novembro de 2015. Aí, pelo contrário, houve um enorme envolvimento, sobretudo dos jovens. «Graças a um esforçado trabalho de mobilização da classe estudantil, tivemos audiências com mais de 200 pessoas», informa Epifânio.

O colóquio sobre o “Leão do Mares”, figura hoje ignorada e até vilipendiada, ficou-se pelo meio-termo. «Teve uma audiência razoável, e sobretudo gente interessada e participativa, no espaço para debate que reservámos», resume o presidente do MIL – Movimento Internacional Lusófono. O balanço é, portanto, positivo. E ainda mais positivo é se atendermos à qualidade das intervenções. «Penso que conseguimos congregar pessoas muito qualificadas para falar», conclui.

Como tem sido hábito em eventos do género, a Comunicação Social primou pela ausência. O ténue impacto mediático deveu-se à iniciativa do próprio Renato Epifânio, colaborador nalguns jornais, nomeadamente o Público, onde assina crónicas semanais. Também a RDP Internacional, por iniciativa do jornalista Samuel Ornelas de Castro, sempre atento às questões da Lusofonia, deu destaque ao entrevistar Renato Epifânio. Como o próprio diz, «se não formos nós a fazer o caminho, os jornalistas raramente tomam a iniciativa». E porque não? Voltamos aqui «à velha e complexa questão dos melindres». Fala-se em figuras do gabarito de Afonso de Albuquerque, e logo ficam incomodadas umas quantas luminárias da intelligentsia nacional. «Mais uma vez o Estado Português perdeu o comboio», desabafa Epifânio. Mas sem desânimo. Até porque «a sociedade civil pode suprir a falha», essa continuada ausência institucional, traço característico de um Portugal que continua por cumprir.


  1. Luísa Timóteo, da Associação Cultural Coração em Malaca, escreveu em resposta a este artigo:

    A Sociedade Civil organizada muito tem contribuído para dar à Lusofonia janela de oportunidades para a construção de um mundo de fraternidade. / Todos somos poucos para consolidar e engrandecer o MIL – Movimento Internacional Lusófono. Neste movimento da sociedade civil, sempre crescente, encontramos pessoas de todos os países e comunidades lusos que ao longo dos séculos partilham laços de afetos que estão vivos e teimam em não deixar morrer. Só é possível compreender estes laços e comunicação se conhecermos o passado, compreendermos o presente e desejarmos com verdade construir um mundo melhor, passando pela lucidez de que as “Pessoas” são o maior bem do universo. Por isso devem ser amadas, respeitadas, dando a todos as mesmas oportunidades dos consagrados direitos humanos. / Muito me apraz, como cidadã comum e honrada presidente de uma Associação da Sociedade Civil, toda a polémica levantada em volta de Afonso de Albuquerque e a Expansão Portuguesa que marcou o início de uma nova era na História Universal. / Polémica que nos vai dando a conhecer o outro lado dos que vivem com pesadelos e preocupações, atacando Portugal no capítulo mais glorioso da nossa História. / Não devemos deixar passar o recente livro editado pela Faber & Faber, assinado pelo britânico Roger Crowley, que apresenta os portugueses como uns terroristas sedentos de sangue. / Polémica que o O Diabo, edição de 19 de Janeiro de 2016, nos alerta nas 1ª página, 12 e 13. Parabéns à comunicação social que não deixa passar tamanhas ofensas e aberrações. Obrigada ao seu diretor Duarte Branquinho e a todos os colaboradores. / Um abraço lusofono.

III Congresso da Cidadania Lusófona · A Importância das Diásporas · 31 de Março – 1 de Abril · 2015 · Reportagem Vídeo · 2º dia.

Intervenção de Carlos Mariano Manuel, da Liga Africana.

Sobre a Diáspora, um apontamento de Abel de Lacerda Botelho, da Fundação Lusíada.

Intervenção de Zeferino Boal, da Casa de Angola.

Intervenção de Renata Baracat, do Conselho de Representantes de Brasileiros no Exterior.

Intervenção de José Mário Botelho, da Academia Brasileira de Filologia.

Intervenção de Mário de Carvalho, da Associação Caboverdeana.

Intervenção de Maria Dovigo, da Associação Pró-Academia Galega da Língua Portuguesa.

Intervenção de Maria Virgínia Brás Gomes, da Casa de Goa.

Intervenção de Djarga Seidi, da Associação Balodiren, da Guiné Bissau.

Intervenção de Manuel Pechirra, da Associação Fernando Pó, pela Guiné-Equatorial.

Intervenção de Sílvio Santos, da Associação Fernando Pó, pela Guiné-Equatorial.

Intervenção de José Ângelo Lobo do Amaral, do Instituto Internacional de Macau.

Intervenção de Luísa Timóteo, da Associação Coração de Malaca.

Intervenção de Delmar Gonçalves, Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora.

Intervenção de Guilherme d’Oliveira Martins.

Intervenção de Ivónia Nahak Borges, de Timor. em representação do MIL Timor-Leste e do SAPO Timor-Leste.

Intervenção de Danilo Salvaterra, da Casa Internacional de São Tomé e Príncipe.

Intervenção final de Renato Epifânio, Presidente do MIL – Movimento Internacional Lusófono.

Intervenção de António Gentil Martins, em representação da PASC – Casa da Cidadania.

Intervenção de José Eduardo Garcia Leandro, em representação da PASC -Casa da Cidadania.

Intervenção de Mendo Henriques, em representação da PASC – Casa da Cidadania.

Intervenção de Maria Perpétua Rocha, Coordenadora da PASC – Casa da Cidadania, na Sessão de Encerramento do III Congresso de Cidadania Lusófona.