Conversando com Victor Ângelo sobre a Europa e não só

Victor Angelo

Quem é Victor Ângelo?

Esteve 32 anos ao serviço da Organização das Nações Unidas, onde foi Representante Especial do Secretário-Geral da ONU para Operações de Paz,. É atualmente Conselheiro Internacional Sénior do Geneva Centre for Security Policy (GCSP). É Membro do Conselho de Administração da Fundação PeaceNexus (Suíça) e assessor internacional de Governance, gestão de crises e segurança.

Que visão tem sobre as últimas eleições europeias e o elevado número de abstenções?

De um modo geral, a percentagem de votantes nas eleições europeias aumentou. Esse dado e os resultados globais mostram que os cidadãos perceberam melhor o que estava em jogo e acharam que deviam participar. O apoio ao projeto comum saiu vencedor destas eleições, embora com matizes diversas, o que dá azo a um Parlamento Europeu com uma composição política equilibrada de uma outra forma. Mas, no conjunto, estamos perante uma eleição que reforça a Europa.

Em Portugal, os cabeças de lista, com exceção da candidata do Bloco de Esquerda, tinham tanto carisma como uns troncos de árvores secas. Assim se justifica uma parte importante da abstenção. E também o sucesso relativo do Bloco.

Na política de hoje, feita nas televisões, nos jornais, nas redes sociais, a imagem que o candidato projeta é um factor de decisão fundamental. Uma imagem monótona, sem entusiasmo, sem garra, sem elegância e humanismo, tipo cassete monocórdica, passa mal. Transmite falta de nível, alguém que não está à altura do desafio. E os eleitores não se vão incomodar para ir votar num sorumbático ou num mono.

É preciso compreender as razões que estão por detrás de uma taxa de abstenção eleitoral tão elevada em Portugal como foi a deste domingo. A abstenção é, em grande medida, um acto político. Mesmo quando se trata de indiferença. Por isso, é fundamental olhar para essa questão com seriedade e objectividade. Uma referência ligeira, sem profundidade, apenas crítica, não nos leva muito longe. Não contribui para dar resposta ao problema. E o comentário jocoso é pura parvoíce.

Existem várias pistas que devem ser exploradas. A falta de credibilidade dos dirigentes políticos. A qualidade dos cabeças de lista e dos candidatos em geral. O nível dos debates e a escolha de temas que estão longe das preocupações das pessoas. O sentimento que muitos têm que a sua voz não conta, que os políticos não lhes prestam atenção. A falta de clareza sobre o que significa, para cada um de nós, a União Europeia. Também haverá que ver se as listas eleitorais estão atualizadas.

A democracia constrói-se com todos. A participação é essencial. Quando falha, há que entender os motivos.

Como vê a situação atual e a evolução da União Europeia?

A União Europeia é acima de tudo um projeto político. Muito complexo, na medida em que engloba vários Estados, que têm particularidades próprias, diferentes identidades culturais e um sentimento nacionalista com profundas raízes históricas. Têm, igualmente, níveis de desenvolvimento económico distintos. Mas o projeto político existe e deverá continuar vivo, com o apoio de uma grande parte das populações europeias.

O objectivo fundamental é o de consolidar um espaço comum de segurança, direitos e prosperidade. É nessas três áreas que cabem muitas das iniciativas que têm sido levadas a cabo, ao longo dos tempos. Será, ainda, sobre essas áreas que se tem que dar exemplos do que já foi conseguido e do que se procura fazer no futuro.

Perante a complexidade e ambição do que se pretende construir em conjunto, seria um erro reduzir o discurso político sobre a União Europeia a uma dimensão só. Continua-se, no entanto, a assistir a esse tipo de reduções, que limitam o projeto à Europa Social, ou à Europa do Capital, ou à transferência de poderes das capitais nacionais para as instituições europeias.

Esses discursos só podem ter como explicação uma de duas coisas: ou se trata de uma simplificação ingénua do que é a UE ou estamos perante uma perspectiva de combate ideológico, um ataque que na realidade se destina a minar a prossecução do plano que nos une e faz mais fortes.

Será que a democracia está em risco na Europa?

Nesta altura uma das perguntas que aparece em cima de algumas mesas tem que ver com o significado da democracia. Que queremos dizer, quando se fala na democracia que se pratica nos países europeus?

Para mim, democracia é a procura de inclusão, de consensos entre diferentes correntes de opinião, bem como um processo de construção de equilíbrios entre os interesses de várias camadas sociais. É, ao nível do quotidiano, um exercício permanente de comunicação clara e construtiva.

A democracia deve ser praticada pela positiva. Não se trata de tentar excluir os outros. Não é uma espécie de guerra civil. Não pode ser um concurso de propostas demagógicas. Nem uma campanha de insultos. Quem pratica a política pela negativa tem nos seus genes o embrião comum dos ditadores. E há muitos, em potência, por aí.

Quer-nos dar a sua opinião sobre o Brexit e a recente demissão de Theresa May?

A pressão vinda dos Brexiteiros mais duros, dentro do seu partido, acabou por derrubar a Primeira Ministra. Foram muito ajudados pelos jornais conservadores, que fizeram uma campanha diária contra May.

No fundo, foi uma vitória da ala mais nacionalista, mais idealista e irrealista da classe política conservadora, que pensa que poderá restaurar a Grã-Bretanha do tempo da Rainha Victoria. Uma ilusão irracional que é muito difícil de combater com argumentos racionais, como a Primeira Ministra tentou fazer.

Boris Johnson será provavelmente o próximo líder do governo de Sua Majestade. Boris tem muitas facetas de alienado e pouca profundidade na compreensão dos problemas. É um confuso mental. A sua capacidade de mentir e exagerar é legendária. Mas fala bem, escreve à antiga mas de uma maneira que atrai algum público, é o menino querido da imprensa da direita tradicional. O principal trunfo que tem é ainda mais forte. Muitos membros do partido conservador pensam que Boris é o único líder que conseguirá derrotar Jeremy Corbyn, o dirigente trabalhista, em caso de eleições gerais. Boris irá cultivar essa crença e, por isso, deverá ser eleito chefe do partido. E, consequentemente, tornar-se o sucessor de Theresa May.

Vai também repetir, alto e bom som, que é o único capaz de fazer frente aos dirigentes europeus. Isso dar-lhe-á votos igualmente. Mesmo que se diga e repita que não há nada a que fazer frente, pois as negociações de saída estão terminadas.

Deve ficar claro que a escolha de quem manda na política britânica cabe aos cidadãos do Reino Unido. A Europa sentar-se-á à mesa com quem vier a ser escolhido. Não haja, todavia, ilusões. O lado britânico pode fazer o barulho que entender, mas isso não fará esquecer aos europeus que a saída da União tem regras e que os interesses da UE são a primeira preocupação de quem tem a responsabilidade de conduzir os destinos do projeto comum. Nós tratamos de nós, Boris ou qualquer outro que venha, que trate dos seus, se puder.

Antecipando desde já a Tertúlia da PASC e da APDSI que se vai realizar no próximo dia 11 de Julho em Lisboa sobre “A Nova Geopolítica na Era da Inteligência Artificial”, pode-nos dar uma impressão sumária sobre as relações entre os EUA e a China?

O que está a acontecer entre os Estados Unidos e a China marca um ponto de viragem no sistema das relações internacionais. É o início de uma outra época histórica.

Muitas lições estão a ser tiradas deste conflito. O impacto far-se-á sentir em vários domínios, não apenas no comercial ou bolsista. O paradigma estratégico está a mudar profundamente. Do lado chinês, as decisões americanas não serão esquecidas, mesmo se mais tarde houver um entendimento bilateral na área do comércio. Do lado americano, cabe aos cidadãos e ao Congresso decidir como responder às decisões tomadas pelo Presidente.

Espero que do lado europeu também se reflita sobre o que tudo isto significa e se tenha em conta o princípio que hoje o fogo está na casa do vizinho, mas amanhã poderá chegar à nossa.

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