ESTÃO OS PRINCÍPIOS BÁSICOS E FUNDAMENTAIS DA DEMOCRACIA PORTUGUESA EM RISCO? : um artigo de Maria Perpétua Rocha, Coordenadora da PASC.

por Maria Perpétua Rocha (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

É tempo da Sociedade Civil ter respostas.

A Democracia Portuguesa assenta em Princípios, todos eles, baseados no primado dos Direitos Humanos.

Assim, compete-nos questionar e responsabilizar, enquanto parte integrante da Sociedade Civil Portuguesa que em 1974 escolheu viver em Democracia e adoptar esses mesmos Princípios, se poderemos considerar que os Poderes Políticos têm utilizado a legitimidade de representação que lhes conferimos, para respeitar e reforçar, como consequência natural do processo de amadurecimento de uma Democracia, esses mesmos Princípios.
Por isso, é tempo da Sociedade Civil exigir respostas claras a algumas questões de interesse nacional.

Questões como as que enuncio abaixo não podem apenas ser objecto de análise por parte de muitos dos comentadores que hoje pululam no espaço dos media. A Sociedade Civil tem o direito de obter respostas claras e o compromisso político que as mesmas representam por parte de todas as Instituições Políticas que compõem o Estado Português e que directamente elegemos.

  • Que resposta podem dar as Instituições Políticas relativamente ao Princípio da Soberania Nacional, sem a qual o Estado nem sequer existe?
  • Quais as responsabilidades dos diferentes Governos e dos seus Agentes pela deterioração Financeira e Económica do País a que os Portugueses assistem desde o início dos anos noventa?
  • É ainda possível considerar que o Princípio da Separação dos Poderes Legislativo, Executivo e Judicial está a ser respeitado?
  • Porque é que o Princípio de Igual Submissão perante a Lei não é aplicado de forma célere e consistente?
  • Tem o Princípio de Consentimento Fiscal sido respeitado?
  • Como tem sido tratado o Princípio da Responsabilidade dos Agentes Públicos perante a Nação?
  • Podemos considerar que o Parlamento, com a sua actual composição e disciplina partidária de voto, assegura o Princípio da Representatividade dos Cidadãos e do País?
  • Qual o grau de respeito pelos Princípios Constitucionais que garantem os Direitos e Liberdades Fundamentais dos Cidadãos?
  • É a responsabilidade política suficiente para avaliar e responsabilizar a actuação danosa de agentes políticos?
É tempo de nos consciencializarmos todos, enquanto membros da Sociedade Civil Portuguesa, que ao elegermos directamente, em Processo Democrático, as Instituições Políticas que compõem o actual Estado Português, o que fizemos foi validar Programas Políticos que nos foram apresentados.
Consequentemente, delegámos e responsabilizámos os que elegemos pela execução dos Programas aprovados e que tinham subjacentes os Princípios Fundamentais do Regime Democrático que escolhemos.
É por isso que em Democracia, todos os eleitos, sem excepção, são responsabilizáveis perante todos os Portugueses, pelas respostas a estas e muitas outras questões que justificam a actual Crise Portuguesa e que claramente resultam de vários anos de ausência de visão, ausência de estratégia, ineficácia na execução, desperdício e mesmo gestão danosa pelos agentes políticos.
Se a Sociedade Civil não for capaz de exigir Ética e Sentido de Estado aos que aceitam cargos governativos, exigir clareza na gestão e execução de processos e impor a responsabilização civil e criminal dos agentes políticos, então está a contribuir para a rápida erosão que o Sistema Democrático Português está a sofrer.

O divórcio entre governantes e governados é uma evidência; a actuação cada vez mais errática dos diferentes actores políticos que arrastam o minar da credibilidade interna e externa do País são disso evidência; o crescendo das múltiplas manifestações, greves e movimentos da sociedade são disso evidência.
Menosprezar estas evidências, menosprezar a Sociedade Civil, é menosprezar a própria Democracia.

VERDADES E MENTIRAS DA REFORMA DO ESTADO: um artigo de Jorge Marques.

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

  

Ensinaram-me desde muito cedo que na árvore de análise e decisão de qualquer problema, a primeira questão a clarificar era o problema que se queria resolver, não fosse a distracção de uns ou a má-fé de outros desviar-nos a atenção do que era verdadeiramente importante.
É estranho, por isso mesmo, que falando-se da Reforma do Estado existam tantas e tão diferentes versões quantos os agentes envolvidos nesta discussão. O Governo tem uma versão, Cavaco tem outra, cada um dos partidos a sua, os sindicatos e trabalhadores outra, as associações patronais também, as Academias a que mais lhes convém, a Troika tem a sua cábula, os comentadores televisivos têm tantas quantos os interesses que defendem e, de uma maneira geral, cada português tem a sua opinião de treinador de bancada.
Percebe-se, pelo andar da carruagem, que este é mesmo o primeiro problema a resolver, dizer exactamente o que se entende por Estado, o que se quer dele e quais as missões e organização que o vão suportar, o que é que precisamos mudar e porquê.
É que, quando falamos de Estado, estamos a falar de todos os órgãos de soberania, tais como o PR, o Governo, a Assembleia, os Tribunais e, naturalmente, da Administração Pública que suporta todos os serviços do Estado, como sejam o SNS, a Escola Pública e as Forças Armadas. Estamos a falar do exercício do poder executivo, legislativo e judicial, estamos a falar de funções políticas, económicas e sociais, estamos a falar de elementos como população, território e soberania.
No meio de todo este panorama, percebe-se a complexidade do assunto e acreditamos que com esta ainda recente, mas suficiente experiência de regime democrático, seria importante uma reforma de todo o Estado, questionando tudo desde a cabeça aos pés, ou seja, desde Presidência da República, Governo, Assembleia, Administração Pública e até o comportamento da sociedade e dos cidadãos. Percebe-se facilmente que isto é verdade porque temos consciência de que quase tudo funciona mal.
Admitindo a impossibilidade de tratar de tudo ao mesmo tempo, o que seria possível se houvesse vontade política, vejamos as prioridades e as interdependências entre as reformas nos diferentes sectores do Estado.
O essencial, e que provoca as maiores disfunções no país e em todos os outros sistemas, tem a ver com a nossa quase ingovernabilidade. As relações no sistema político são destrutivas e nisso inclui-se a acção do próprio PR. A separação entre poderes não existe e com isso bloqueia-se todo o tipo de acção e responsabilidades. Um dos problemas mais graves e que impede a nossa competitividade tem a ver com este tipo de disfunções, tem a ver com o mau funcionamento dos sistemas da justiça, da fiscalidade, da falta de eficácia da administração pública, do ensino, da saúde. É isto que precisa de reforma urgente, mas no entanto parece que tudo se resume a um problema da contabilidade dos custos com os funcionários e onde a solução é reduzir. É que se a solução for apenas a da redução de pessoas, os problemas continuarão e eventualmente até podem ser agravados, como já parece estar a acontecer. É a não reforma!
É verdade que se não nascem crianças não precisamos de tantas maternidades, se há um fosso demográfico, então existirão menos alunos a entrar nos sucessivos graus de ensino e precisaremos de menos escolas e menos professores, se as condições de vida se degradam precisamos de mais cuidados de saúde, de mais polícias, de mais tribunais, prisões, de mais creches, mais sopa dos pobres, mais subsídios de sobrevivência.
Resta saber, e essas contas continuam por fazer, o que é mais caro, se o custo de criar confiança e investir, se o custo da desconfiança e reduzir, controlar e punir.
É isto que se reforma e não os números nos quadros contabilísticos, as reduções que servem para continuar a alimentar o desperdício e os negócios escuros.
Reformar é para fazer mais, melhor e a menores custos.
Ninguém rejeita a Reforma do Estado, mas todos entendem também que são exagerados os custos e gastos do PR, dos governantes, dos deputados e dos subsídios aos partidos.
A mentira pesada começa quando se fala com leveza neste tipo de reformas, como se a sua finalidade e pressa fosse apresentar à Troika um documento das medidas a tomar ou tão só quanto se vai reduzir nos custos do Estado. É que quando existirem essas medidas, ainda que sejam as mais adequadas, estamos a falar de um princípio de reforma e não do seu fim, aí apenas começará o trabalho difícil, portanto o papel não é o objectivo.
É que esta pressa e esta inconsciência são reveladores de uma grande ignorância ou má-fé, porque se aproveitam dos vícios de culturas como as do direito onde a elaboração das leis é um fim em si mesmo, independentemente dessas leis nunca virem a ser cumpridas.
E tão mau quanto este desvio é também a cultura dos brilhantes académicos que se habituaram a produzir papéis que só alimentam vaidades e não contribuem em nada para mudar a realidade.
O País, se quer reformas de fundo, precisa de um banho de fazedores, de empreendedores, de líderes, de gente que saiba e seja capaz de fazer acontecer e não de escritórios de advogados que complicam ainda mais os sistemas ou de académicos que confundem o país com o grupo dos seus amigos.
Mentira é também esta bipolarização entre a eficácia privada e a incapacidade pública, como se não existissem bons e maus exemplos dos dois lados, como se se quisesse ignorar que uma boa parte dos serviços do Estado não pudesse ser assegurada pela sociedade organizada, por organizações da sociedade civil dotadas de competências para esse efeito e com excelentes ajudas ao nível do voluntariado.
Mas agora foi-se ainda mais longe, os interesses privados instalaram-se directamente no próprio Governo, passou-se da reforma do Estado para a cartelização do Estado.
Existiram e existem por todo o mundo boas e más experiências na reforma de estados, governos e grandes organizações. Os casos que mais falharam tiveram sempre um denominador comum, é que mesmo quando a estratégia de mudança era brilhante e tinha tudo para dar certo, essa estratégia não foi bem passada e bem integrada por aqueles que a iam executar, foi aí que tudo ou quase tudo falhou. O que se está a passar entre nós é que nem a estratégia é brilhante e todos os intervenientes foram ignorados, desprezados e alguns até violentados no mais básico dos seus direitos e da sua dignidade profissional.
Esta reforma nunca pode dar certo porque passamos de uma nobre causa que é o de cuidar do bem comum, para o negócio de mais uns quantos!

O ESTADO PORTUGUÊS E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE: um artigo de Maria Perpétua Rocha, Coordenadora da PASC.

por Maria Perpétua Rocha (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

Maria Perpétua Rocha

Recentemente, recebi um convite de Medina Carreira para participar no seu programa, Olhos nos Olhos, de 1 de Julho de 2013, convite honrosos que adveio, penso, quer da minha vivência profissional alargada em Portugal e não só, enquanto médica e gestora, quer, em meu entender, sobretudo enquanto cidadã que ao longo de 30 anos tem pugnado por uma participação activa dos cidadãos na definição das grandes Políticas Públicas que definem um Estado, a sua afirmação e a sua evolução, em particular no Sector da Saúde.

O tempo disponível e, sobretudo, as características de convidado único por programa, impõem limitações naturais a um debate com uma visão enriquecedora de outros profissionais.

No entanto, enquanto cidadã e profissional, gostaria de sublinhar alguns aspectos que considero essenciais sobre as Políticas de Saúde:

  • As grandes opções em termos de Saúde e Políticas que as sirvam têm que ser enquadradas numa Visão Estratégica para o País, a curto, médio e longo prazo;
    • O debate respectivo deve ser centrado no que estas representam para o Cidadão, para os interesses do Estado e do País;
    • As identificação, adopção e execução das políticas de saúde devem ter uma ampla participação da Sociedade Civil. Não é possível fazer reformas estruturais neste sector sem ouvir os cidadãos. Importa identificar como;
    • Esta participação tem que ter em conta o papel das Associações da Sociedade Civil – de doentes, de familiares, de amigos dos Hospitais e outras – que traduzirão as necessidades, os anseios e as potencialidades a nível nacional, regional e local;
    • Importa igualmente reforçar que a Reforma do Sector da Saúde só será efectiva com a colaboração de todos os Profissionais de Saúde;
  • O Debate sobre a Saúde tem sido conservador, redutor e centrado nos custos do Sector Curativo, o que é um erro profundo em termos estratégicos para o País;
    • As opções em termos de Saúde não podem ser reactivas a políticas orçamentais restritivas de curto prazo. Se assim fôr, as consequências serão gravosas e arrastar-se-ão no tempo. A falta de Saúde dos Portugueses, de qualquer grupo etário, é muito mais cara para o País que o investimento na medicina preventiva e mesmo na curativa;
    • O debate sobre a Saúde deve posicionar-se no Conceito de Investimento. O factor humano – os Portugueses – é o maior potencial estratégico para Portugal. A grande componente do custo em Saúde resulta da doença que afecta a produtividade;
      • O verdadeiro custo é o que resulta do absentismo por doença, bem como os inerentes custos sociais e produtivos, e igualmente o impacto de um aumento de mortalidade precoce, particularmente num País em involução demográfica (e.g., mortalidade por doenças infecto-contagiosas ou cancro);
  • No momento que o País atravessa, com uma economia frágil, num cenário de desemprego que rondará os 20% antes do final do ano, com a população a envelhecer e zonas do Pais em processo de desertificação é fundamental manter e reforçar um SNS de grande qualidade, não discriminatório, que aumente a sua capacidade de resposta e tenha em conta o factor proximidade;
    • A crise actual, pela insegurança e ansiedade, está a levar a um aumento de casos de depressão, suicídio, comportamentos agressivos e aumento de comportamentos de risco;
    • A fome, a subnutrição, a toxicodependência, o alcoolismo, a prostituição, são condicionantes de patologias graves e atrasos no desenvolvimento;
    • As implicações dos custos ocultos que estes factores acarretam para a Saúde e Bem–Estar dos Portugueses e consequentemente para a Economia têm que ser contabilizados. O seu alienamento só ampliará as consequências;
  • O Estado tem que assegurar a sustentabilidade de um Serviço de Prestação de Cuidados de Saúde que não seja fragilizado ou dependente de empresas privadas cujo objectivo, lícito, é o lucro. Por isso, a prestação de Cuidados de Saúde não pode ser tratada pelo Estado na perspectiva do negócio;
    • No entanto, na resposta global para a Saúde, os Parceiros Privados e o Terceiro Sector são fundamentais;
      • Os Parceiros Privados, cuja competitividade passa pela capacidade de inovar ao nível dos modelos de gestão e pela qualidade dos serviços, introduzem praticas que se forem adoptadas progressivamente pelo SNS terão impacto significativo nos custos do sector, reduzindo desde logo o desperdício (e o tema desperdício está longe de estar esgotado quer no Sector da Saúde quer nos diferentes Sectores do Estado…);
        • Apesar do ambiente recessivo do País o sector privado de prestação de serviços de saúde cresceu significativamente na última década;
        • O crescimento do sector privado veio, entre outros, mostrar a importância da adopção de modelos de gestão baseados em engenharia de processos, como instrumentos de racionalização de recursos, de promoção de qualidade e de responsabilização técnica dos diferentes actores desta “cadeia de produção”, cujo produto final é um acto médico;
        • Estas unidades têm fins lucrativos, sendo que o Estado é o seu principal financiador. O Estado tem por isso que assegurar que a qualidade dos serviços prestada está de acordo com as convenções ou parcerias assinadas. A transparência na contratualização e relacionamento entre o Estado e os operadores privados é uma área que deveria ser possível de auditar facilmente por parte dos cidadãos;

O Estado deverá ser responsabilizado nestas opções se falhar o seu papel de Auditor de Qualidade, uma vez que é ao Estado que cabe o Dever de assegurar os Direitos dos Cidadãos, em particular em matéria de Saúde;

      • Em Portugal, o contributo para a área da saúde do Terceiro Sector está muito abaixo da média europeia. Sendo constituído por ONGs sem fins lucrativos e com forte participação de voluntariado, pode ser potenciador do SNS, sobretudo nas respostas necessárias a nível regional e local. A sua inserção nas comunidades introduz desde logo o envolvimento próximo dos cidadãos nessas mesmas respostas. As Misericórdias e a Cruz Vermelha são bons exemplos do potencial deste Terceiro Sector;
  • A Medicina Preventiva tem sido o parente pobre das Políticas de Saúde em Portugal;
    • Tendo potencial imediato para o desenvolvimento de acções de baixo custo com impacto a curto, médio e longo prazo, envolvendo um conjunto de agentes – profissionais de saúde, professores, assistentes sociais, autarquias, freguesias, serviço cívico – na redução da procura da Medicina Curativa (e nos custos inerentes);
    • Uma Medicina Preventiva estruturada e eficaz apresenta a médio e longo prazo um impacto positivo na redução da morbilidade (e consequentemente no absentismo) e da mortalidade precoce;
    • A Medicina Preventiva é igualmente um instrumento de consciencialização e corresponsabilização do indivíduo e da comunidade no consumo dos bens de saúde. A análise dos modelos implementados, sobretudo nos Países nórdicos, assim o prova;
    • Os media e as novas tecnologias deverão ser cada vez mais parceiros fundamentais numa estratégia nacional de medicina preventiva;

Por último, e nesta reflexão inicial sobre saúde, é importante sublinhar que a Saúde, tal como as Economias Criativas, corresponde a sectores fundamentais enquanto criadora de riqueza no século XXI. Neste caso, corresponde a um dos Sectores de Negócio com maior potencial de crescimento sustentável no século XXI quer se considere o Mercado Interno, quer o Mercado Externo.

Mas a este Tema voltarei em outra reflexão.

SOBRE A MOÇÃO DE CONFIANÇA: um artigo de Jorge Marques.

 

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

Que valor acrescenta esta moção de confiança?

Toda a definição sobre confiança apresenta-nos sempre os dois lados duma equação e pressupõe um sentimento de auto-estima e determinação que queremos fazer chegar a outros e com a respectiva aceitação.

Na Confiança temos absoluta segurança na nossa honestidade e na dos outros.

Tudo isto vem a propósito da moção de confiança que este governo apresenta esta semana e cuja validade se discute tanto. Na verdade, se quisermos ser honestos, o que se vai passar é apenas a primeira parte do processo de confiança, aquela em que apenas os próprios proclamam confiança em si mesmos, ou seja, a Auto-Confiança. Mas mesmo isso, apenas se tal auto-confiança for genuína, e então será sempre um princípio e nunca um fim.

Podemos dizer que neste tipo de democracia é mesmo assim e que os partidos fazem os seus jogos, a que pomposamente chamam táctica política, e que quem não entende é porque é estúpido. Mas creio também que esta leitura é um puro engano, uma vez que são conhecidos os dados da não confiança nas instituições partidárias por parte da Sociedade Civil, nomeadamente nos partidos do Governo, que agora se vão propor à confiança dos seus iguais.

O que se vai passar afinal e que tem tanto sentido para uns, nomeadamente para o Presidente da República, e tão pouco sentido para os outros?

Convém lembrar que quando se fala na necessidade de confiança não é por acaso. É que os custos da desconfiança estão a provocar a nível interno o maior desperdício e atraso da nossa história em tempo, energia, recursos, talento e muito dinheiro. E a nível externo, de que mais se fala, essas perdas vêm aparecendo sistemática e dramaticamente nos media. Até na austeridade desperdiçamos e disso é exemplo o último mês.

Mas pode a Confiança resolver-se por decreto ou com uma moção de confiança?
Naturalmente que não, o problema não está nas questões formais da democracia, mas nos seus grandes equívocos, nas mentiras anteriores, nas falsas promessas, nos erros graves de comunicação que tendem para a manipulação, nas pequenas e baixas habilidades, nos jogos de interesse.

Verdadeiramente interessante seria saber como o povo português referendaria esta moção de confiança!

A realidade desta democracia partidária pode já não ser a realidade do país, deste povo.

Resta-nos perguntar se é afinal isto que queremos e porque é que deixámos de confiar neste tipo de governos…

Começa tudo numa falsa separação dos poderes legislativo e executivo, uma vez que até a eleição é a mesma. Quer dizer que aqueles que fazem são os mesmos que controlam e que avaliam. Quer dizer que a eleição que deveria eleger os representantes do povo elege apenas os representantes dos partidos e estes são de legitimidade real duvidosa. Depois o governo não é sequer eleito pelo povo, muito menos os arranjos e jogos de interesses que fazem nomear os ministros e os negócios das coligações, do que resultam sempre uma enorme falta de qualidade de quem nos governa.

Todos temos consciência de que o melhor de Portugal não está no governo, nem mesmo o Presidente da República se dá ao trabalho de questionar esse tipo de mérito.

Percebe-se também que a estrutura ministerial, recusada e logo aceite pelo Presidente da República, não está construída tendo por objectivo a eficácia ou a credibilidade governativa de que o país precisa mas tão só representa o arranjo possível de um conjunto de intervenientes escolhidos em função dos interesses e do papel que lhes foi distribuído pelas chefias partidárias.

E por fim, o jogo das palavras está a fazer perder o próprio sentido dessas palavras, uma vez que elas são usadas num sentido e no seu contrário com a mesma facilidade e falta de vergonha. E com essas palavras, ditas de preferência nos jornais televisivos das 20 horas, os governos passam-nos verdadeiros atestados de estupidez e parece que nós aceitamos o insulto.

Claro que durante algum tempo poderemos continuar assim, sem aparente crise política, mas ela está lá e com o país num percurso intolerável de definhamento, talvez sem regresso histórico. Um caminho que foi fabricado na falta de sentido de Estado e no desconhecimento da história e onde nós, cidadãos, temos sido considerados actores secundários, úteis para a legitimação de um sistema dito democrático mas espectadores nos períodos intercalares das eleições.

Podemos continuar a fazer de conta que vivemos numa democracia, que a verdade e a realidade são aquelas que nos vendem e não a que conhecemos e sentimos em todos os portugueses, cada vez mais privados dos seus direitos e da sua dignidade?

Quanto tempo poderemos ainda continuar a fazer de conta? 

Portas dizia que o chumbo da moção de censura era ao mesmo tempo um voto de confiança. Agora, o voto de confiança será também uma moção de desconfiança ou, se quisermos, um voto de auto-desconfiança? Será que esta moção é só para o PSD e PP saberem se podem confiar um no outro e ficarem amarrados, como eles dizem?

Este é um triste espectáculo e nós não podemos dizer que não ouvimos e vimos… e agora?

CIDADANIA ATIVA: um artigo de Luís Antunes.

 

por Luís Antunes (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

 

O Sr. João tem os elevadores do seu prédio com avarias e, por isso, convoca uma reunião de condóminos. Na reunião, dois outros proprietários, dos andares mais baixos, não querem mandar reparar os elevadores pois dizem que o dinheiro deve ser empregue na melhoria do jardim frontal. Mesmo assim, convence a maioria a mandar fazer a reparação e oferece-se para ajudar, com o seu trabalho, no tratamento do jardim. Isto é Cidadania Ativa? Não! É apenas cuidar da propriedade privada.
Mas o exemplo é útil se atendermos ao seguinte: como cidadãos todos pagamos impostos para um dado “fundo comum”, que é o orçamento de manutenção ou despesas do Estado ou das Autarquias. Não o fazemos para que os nossos elevadores funcionem mas para que existam hospitais, escolas, estradas, tratamento de esgotos, policiamento, justiça, etc.. Em contrapartida, exigimos que quem gere esta “coisa pública” nos proporcione uma forma de vida que seja aceitável para a sociedade no seu todo. E estes “gestores” governam em representação dos que lhes conferiram esse papel através do voto. No entanto, votar não é Cidadania Ativa: é um Sr. João que, pelo simples facto de ter comprado um andar, se tornou em condómino. Então, em que ficamos?
O Sr. João conhece os seus direitos, sabe que têm um valor (a quotização anual), está atento ao que se passa e preocupa-se em agir por forma a garantir o usufruto dos mesmos. O cidadão comum julga que basta votar e alguém tomará conta de “reparar o elevador e cuidar do jardim”. O cidadão comum não convoca ou vai a Assembleias para apresentar problemas, exigir soluções e fiscalizar a atuação das administrações como faz um condómino responsável. Mas o cidadão comum pode e deve comportar-se como um condómino. E aí, deixa de ser apenas “votante passivo” e passa a ser Cidadão Ativo.
A Cidadania Ativa implica que as pessoas cuidem de fiscalizar os atos e o trabalho de quem pediu, livremente, o seu voto para realizar um determinado projeto para o bem comum. E isto não é um direito, é um dever que as beneficia a elas e a toda a sociedade.

O problema, caro cidadão, é que você não sabe se o presidente da sua freguesia é homem ou mulher (quanto muito, saberá que pertence ao partido X), se há assembleias mensais, trimestrais ou anuais, se o orçamento é de dez mil ou um milhão, se a construção da rotunda ao pé do seu prédio deixou a Junta sem dinheiro para a construção do ginásio ou para as refeições da Escola, etc.. Admita-o: você não sabe, sequer, se o “elevador funciona ou não ou se existe um jardim comum”. Mas um dia, acorda espantado, porque o Sr. Administrador lhe enviou uma carta a dizer que deve entregar mais dinheiro ao condomínio por causa das elevadas dívidas contraídas na manutenção do seu belo prédio, se não…

OS SONS QUE VÊM DA RUA: um artigo de Jorge Marques.

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

ENTRE A ONU E A TROIKA: Um artigo de Jorge Marques.Os sons da rua começaram por ser expressões musicais que levámos para o Brasil e deram lugar à serenata ou seresta, modinhas, pregões, bandas de coreto, gafieiras e ao forró. Morreram por cá, com excepção da serenata de Coimbra, continuam vivos e de boa saúde por lá. Quer-me parecer que um dia, não muito distante, teremos que viajar para o Brasil para saber como era o Portugal original, as igrejas barrocas ou o português à solta, como dizia Agostinho da Silva. E quem diz estas coisas, diz também aprender como manifestar a indignação.

Claro que tudo isto vem a propósito das manifestações que aconteceram no Brasil, tem a ver com esses sons da rua a que a Presidente se apressou a dizer que tinham que ser ouvidos, porque são mesmo para se ouvir e não para meter o nariz na areia, como cá. São para ouvir e não para discutir quem ganhou ou quem perdeu, se a manifestação de hoje é maior do que a de ontem. Não são as horas de avião que nos separam; as causas do que aconteceu lá são as mesmas que fazem não acontecer cá. Quando um dia falei de corrupção no Brasil, alguém me lembrou que isso tinha sido aprendido, faz muito tempo, com os portugueses, que eram grandes mestres dessa arte. Estamos ligados também no pior. Reparem:

  • O Brasil, tal como nós, produziu uma geração com elevada escolaridade, mas enquanto eles dizem que querem ficar no Brasil e ajudar a construir uma nova cultura política, nós simplesmente partimos. Não critico os portugueses que saem, mas há aqui uma diferença de atitude. São esses jovens que no Brasil produzem agora esses novos sons da rua e que são recebidos pela Presidente, são eles que lutam pelo seu futuro colectivo;
  • O Brasil, tal como nós, reclama da sua classe política, dos partidos, daquela dança de cadeiras entre a Assembleia, o Governo e as Empresas; reclama contra os interesses instalados e os governantes que não são eleitos pelo povo. E dizem que um secretário de estado dos transportes, como exemplo, não é eleito mas movimenta bastante mais dinheiro que um deputado. Estão contra, tal como nós, que os eleitos sejam apenas escolhidos pelos partidos e dizem que não têm legitimidade nem representatividade. Representatividade, no mínimo, é ser aceite por aqueles que representa, mas devia ser também por escolha. Não acontece nem uma coisa nem outra;
  • O Brasil, tal como nós, está contra a degradação dos serviços públicos, nomeadamente nos transportes, saúde e educação. Entre nós, as mesmas coisas degradam-se dia a dia, mas os seus autores são elogiados pela poupança. Eliminar desperdício é uma coisa, degradar a qualidade dos serviços é outra;
  • No Brasil, tal como cá, estão fartos dos políticos, dizem que um professor vale mais que um Neymar (vedeta de futebol). Eles que são o país do futebol, gritam contra o escândalo da construção daqueles estádios e nós ficámos calados com o mesmo no Euro. Estão fartos da corrupção na política e entre nós basta ouvir o Paulo Morais, mas nada acontece. Dizem que corrupção também é vandalismo;
  • No Brasil, tal como cá, estão contra o financiamento dos partidos, das campanhas e das obras de fachada, estão contra a violência do Estado;
  • No Brasil, tal como cá, querem um Orçamento Participativo onde as grandes obras e investimentos sejam discutidos. Entre nós os partidos só criticam as grandes obras quando estão na oposição. Porque será?

A rua é um lugar de comunicação por excelência – por isso lhe chamamos via de comunicação – mas parece que temos medo da rua, não ouvimos e não aprendemos com os sons da rua, entendemos que a democracia é uma arte de salão e que só se passa nos vários Conselhos e em ambientes muito restritos e com testemunhas comprometidas. Governo e deputados deviam andar sistematicamente na rua, mas não, fogem dela! Até dos referendos têm medo e esses não fazem barulho, nem param o trânsito e são em dia de descanso. Tornámos aquilo a que chamamos democracia representativa numa espécie de democracia clandestina, onde deputados e governantes são escolhidos pelos partidos no maior segredo e em segredo fazem política.

É tudo um problema de comunicação? É verdade que sim, além de outros, mas isso é porque o povo não grita suficientemente alto os sons da rua ou porque os governos e o poder político em geral estão surdos? O Presidente da República tem um discurso que nos devia envergonhar a todos, sobretudo quando fala de crise política, quando parece querer apenas garantir a tranquilidade da sua reforma antecipada. A política quer-se inquieta e em crise, pela simples razão que lida com a realidade instável e nessa tensão tem que gerar sempre mais, melhor e diferente. A política nunca está realizada, nem pode estar em estabilidade! O que está a acontecer? Porque não sabemos gerir essa crise da realidade; porque nos escondemos na leitura formal dos acontecimentos políticos e sociais; porque não sabemos para onde ir; porque decidir dói, então estamos parados, em perfeita harmonia com o sono da morte de um país, mas sem crise política. Será a política o lugar dos mortos-vivos?
Em Portugal precisamos urgentemente de recriar novos sons da rua e de fazer com que sejam ouvidos. Talvez isso ajude os nossos governantes, porque de outra forma continuarão a dizer que os portugueses os entendem e estão de acordo com esta sua tão má obra. Que portugueses andarão eles a ouvir?
Mas para manifestar a sua grande preocupação com a comunicação, o governo vem agora confundir comunicação com propaganda e passa as suas mensagens diárias e matinais aos media dizendo-lhes simplesmente, ide e anunciai a palavra do governo. Tudo errado uma vez mais, o governo esquece que todo o espaço público foi tomado pelos partidos e que toda a opinião pública foi tomada pelos media. Se o Governo quer falar com a Sociedade Civil, com os cidadãos, então terá que o fazer na rua, é o único espaço que ficou livre e o único meio de comunicação disponível. Não é a rua que tem que ouvir os ruídos do governo em segunda mão, para isso já basta o apito dos automóveis e todos os outros ruídos manipulatórios vindos de uma multidão de comentadores partidários, é o governo que tem que ouvir a rua e responder-lhe depois. Está enganado o governo quando pensa que a solução é a mudança de discurso, porque é isso e sobretudo uma mudança para práticas que inspirem confiança.
O sentimento de anti-política não nasce por geração espontânea, é a resposta a uma total ausência de política dos governos, que adoptaram em exclusividade a linguagem contabilística.
E de tanta propaganda, manipulação e má representação, o governo esqueceu-se de comunicar consigo próprio e um dia o palácio ficou vazio, ainda quis ir à rua, mas já só ouviu…o Rei vai nú!

A FALTA DE SENTIDO DESTE TIPO DE GOVERNAÇÃO ou A PIOR DAS PPP: um artigo de Jorge Marques.

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

Eu sei que os políticos não gostam deste tipo de comparação mas, também não é por acaso, os políticos não gostam que se compare governação com a gestão das empresas porque não resistiriam a um tipo de avaliação e responsabilização objectiva, civil e criminal. Preferem, naturalmente, aquela a que chamam de responsabilidade política, o que quer dizer na linguagem comum, irresponsabilidade total. O estado a que o país chegou, tem como causa principal, esta pequena variante sobre a responsabilidade!
Imaginem, só a título de exemplo, a administração de empresas como a EDP, Galp ou BCP! São eleitas em Assembleia Geral de accionistas e comprometem-se com um conjunto de recursos, pessoas, objectivos e resultados. Pensem agora o que aconteceria se uma semana depois da eleição, essa administração comunicasse aos seus accionistas que tinha outras ideias para a empresa, exactamente contrárias ao aprovado e que a partir daquele momento não tinha mais nada que explicar aos accionistas, a não ser quando acabasse o mandato? Não resistiriam ao primeiro orçamento, isto se não fosse convocada uma Assembleia Geral extraordinária para os demitir, a menos que, os resultados fossem tão extraordinários que fizessem pasmar os accionistas e estes trocassem a ofensa pelo lucro, beneficiando o infractor.
Imaginem agora que num país como o nosso, de facto, os seus accionistas são os que pagam os impostos, ou seja, pessoas, empresas e todos aqueles com direito de voto. O primeiro espanto acontece logo na impossibilidade dos eleitores/accionistas escolherem um governo/administração, sendo que apenas se podem candidatar os partidos políticos, que funcionam aqui como verdadeiras empresas de outsourcing para a governação. Ou seja, os eleitores/ accionistas ficam apenas com o direito de escolher uma das várias empresas em concurso, sendo que elas escolherão a administração/governo da forma e com quem muito bem entenderem. Ficam ainda essas organizações/partidos prestadoras do serviço de governação, com o direito de se substituírem aos eleitores/accionistas, nomeando os seus próprios fiscais e avaliadores, mas pior que isso, criarem as suas próprias leis.
Quer isto dizer que, durante quatro anos, se esses fiscais não se desentenderem, os eleitores/accionistas não podem fazer nada, mesmo que anualmente os resultados sejam desastrosos e toda a política seja contrária àquela para que foram eleitos. Em resultado dessas más governações, o accionista/eleitor apenas paga esses desmandos, paga sempre, sem hipótese de reclamar sequer, paga a bem ou a mal.
Digam-me se isto faz algum sentido, mas foi por toda esta falta de sentido que chegámos aqui e daqui não conseguimos sair. Mas há outra agravante, o Presidente da Assembleia Geral/República, que foi mandatado pelos eleitores/accionistas, recusa-se a tomar qualquer iniciativa, a convocar a Assembleia Geral e acha que tudo se passa normalmente e dentro das regras acordadas.
Temos assim, verdadeiramente, a mais desastrosa PPP, onde reinam e beneficiam apenas os partidos e onde tudo se passa exclusivamente entre eles. Estas organizações partidárias expropriaram completamente os accionistas/eleitores do seu poder de participação, decisão e incapacitam-nos de qualquer tipo de mudança do sistema.
O caricato da situação é que, se tudo se passasse numa empresa, os tribunais e a polícia encarregavam-se do assunto e de expulsar os abusadores da confiança dos accionistas, mas neste caso é o contrário, protegem-se os incumpridores dos compromissos e resultados assumidos e expulsam-se aqueles que querem reaver o seu capital e devolver a legitimidade à governação.
Parece uma brincadeira, mas é mesmo assim! A pior das PPP foi esta que o povo português estabeleceu com os partidos políticos (Parceria Partidos Políticos) e que precisa urgentemente de uma renegociação, porque é aí que está a fonte de todos os outros vícios, de todas as outras PPP e desta abreviatura de democracia. Tal como nas outras PPP, parece que só os concessionários/partidos é que ganham e o povo paga!

A LIÇÃO DA GREVE DOS PROFESSORES: um artigo de Jorge Marques.

 

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

 

A greve, qualquer que ela seja, nunca é vitória de nenhum dos lados. A acontecer, significa que as duas partes não conseguiram fazer-se entender e os argumentos que podiam ser de concordância são de discordância. Significa que não há nada de importante e de comum que possa ser percebido e partilhado pelos dois lados.
A guerra dos professores e governo não fugiu à regra e, em matéria de greve propriamente dita, não foi nenhuma lição que nos possa servir, pelo contrário, ficámos a perceber que professores e governo, que deveriam ter em comum o futuro dos alunos, a criação de capital humano, de talento, afinal tem outros pontos de divergência mais importantes do que aquilo que deveria ser a sua missão principal. A guerra dos números, das adesões e não adesões, também não fugiu ao habitual, cada um dá os números que mais lhe convém e com isso tenta manipular a opinião pública. E como todas as guerras sem sentido, esta também começou uns dias antes, com o governo a produzir todo o tipo de ameaças e de razões e os sindicatos a tentarem desmontar esses argumentos e a criar outros. Quer dizer, todos os mecanismos preparatórios, que deveriam ser cautelosos e uma tentativa de conciliar as duas partes, são desde logo verdadeiras declarações de guerra, que a partir de certa altura, não tem recuo possível. Em minha opinião, os dois lados desejavam que a greve acontecesse, ambos queriam a derrota do outro, ambos queriam que o outro fosse ao tapete.
Nesta matéria, não aconteceu nada de novo, infelizmente, porque se desejaria que dos professores e doutores, envolvidos nos dois lados, o país pudesse aprender alguma coisa.
Nos países que estão à frente na qualidade dos seus estudantes – são eles Hong Kong, Finlândia, Coreia do Sul, Japão e Canadá – os professores são escolhidos entre aqueles que obtém as melhores qualificações, exigem-lhes formação e capacitação contínua e remuneram-nos de forma competitiva, seja em comparação com o sector público ou privado. É o que diz a OCDE. Era isto que governo e sindicatos deveriam discutir e exigir de parte a parte.
Mas se em termos de gestão de conflitos não aprendemos nada, ficou-nos uma matéria muito importante para reflexão, uma matéria que tem que fazer pensar e agir toda a Sociedade Civil.
Nos seus preparativos de guerra, o governo fazia apelo aos professores directamente, insinuando que as direcções sindicais, os representantes que por eles tinham sido eleitos, eram mandatados pelos partidos políticos e que tudo aquilo era política partidária e não defesa dos interesses da profissão. Para isso, convocou-os até directamente, para que estivessem presentes no dia da greve.
Quer tudo isto dizer, que o nosso governo, representante vivo de um tipo de democracia representativa, afirma claramente que aqueles que são eleitos não representam mais do que interesses partidários e que nada tem a ver com os interesses do país e dos cidadãos. O governo assume-se assim como uma entidade que não representa nem os eleitores nem sequer aqueles que nele votaram, mas apenas uns interesses partidários muito restritos. E tudo isto dá que pensar!
Quer tudo isto dizer que os próprios partidos políticos, as organizações patronais, empresariais, sindicais, associações da sociedade civil, não representam senão as suas direcções, porque todos os seus membros que os elegeram, estão fora. Votaram, elegeram, mas isso não os compromete com as acções dos seus dirigentes!
Quer tudo isto dizer, que no entender deste governo, aquilo que nós pensávamos serem os militantes dos partidos e representariam cerca de 3% do eleitorado, afinal são muito menos do que isso e não passarão de poucas centenas de pessoas. Ou seja, o país estará a ser governado por um grupo muito restrito, dezenas, uma centena de pessoas, e não representarão mais do que isso, nem os próprios partidos que os elegeram. Portugal entra numa espécie de oligarquia dos senhores eleitos, ou nem isso, porque Gaspar até dizia que não tinha sido eleito por ninguém e se calhar tinha razão.
Ficamos por vezes perplexos quando ouvimos que em Portugal a crise não é económica, já nem sequer do sistema político, mas uma crise de regime, mas o que está a acontecer é que são os próprios governantes que já não acreditam na democracia representativa, que já não acreditam nos representantes, que já não acreditam em si próprios.
A grande lição da greve dos professores acaba por ser esta: fica decretado pelo Ministro da Educação que os representantes dos grupos sociais não representam aqueles que os elegeram, que o governo é o senhor poderoso e não deve explicações a ninguém, que se a lei não serve, que se mude a lei, se a Constituição atrapalha, altere-se, se os professores fazem greve, demitam-nos, se os portugueses se manifestam, matem-nos de fome…
E deste decreto do Ministro da Educação, esperamos apenas que seja homologado pelo Gaspar e este nos apareça a dizer, tomem nota, hoje é um dia muito importante, hoje acabou a democracia representativa…até quando esta Sociedade Civil fica parada e aceita todo este absurdo?

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: um artigo de Jorge Marques.

 

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

 

E esta Administração Pública é obra de quem?

Durante três anos dei aulas no INA – Instituto Nacional da Administração, durante a presidência de Valadares Tavares, que penso seja talvez um dos homens com melhor visão da Administração Pública. Ensinei Gestão de Recursos Humanos e Liderança e ao longo desse tempo conheci alguns milhares de dirigentes de todo o país e, entre eles, gente ao melhor nível do sector privado.

Recordo-me que começava a abertura da primeira aula referindo que a Administração Pública só tinha dois problemas! O primeiro era o de transformar os chefes em líderes, o segundo era o de resolver o problema do desamor com o seu patrão, ou seja, os governos.

No primeiro caso era preciso transformar um perfil que, genericamente, se caracterizava por um chefe burocrático, cumpridor de normas paradoxais, mouro de trabalho sem sentido, defensor das suas equipas disfuncionais ao ponto de fazer o trabalho todo, na maior parte dos casos sem atitude de liderança, quase sempre bom técnico e muito conhecedor dos meandros da burocracia e das leis. O sistema tinha promovido bons técnicos a chefias e com isso tinha ganho maus chefes e perdido os melhores técnicos.

O pecado maior destas chefias, a maior parte das quais foi empurrada para essas funções, foi o de durante anos e anos andarem a avaliar a sua gente dizendo que todos eles eram excelentes. Isto não era nem podia ser verdade e, no mesmo saco, foram metidos os “malandros” que não trabalhavam, os que se esforçavam e justificavam o salário e os outros que eram mesmo excelentes. Impressionava-me a justificação dessas avaliações que se resumiam na pura e simples ideia de não quererem prejudicar ninguém, quando na verdade se estavam a prejudicar seriamente aqueles que mais se esforçavam, aqueles que superavam os objectivos e trabalhavam ao melhor nível dos privados.

Nessa altura, um dos grandes objectivos do INA era preparar um outro perfil de lideranças.

Se esse projecto tivesse sido concluído e daí tivessem saído verdadeiros líderes, talvez hoje fosse fácil identificar quem não merecia estar na administração pública; talvez não se tivesse chegado aqui e aquilo a que chamam um enorme custo fosse criação de valor; talvez as pessoas não permitissem que a sua dignidade e competência estivessem sempre a ser postas em causa. E por fim, talvez tivessem aprendido a lição de Peter Drucker, quando este dizia que os desafios do futuro eram só dois, um era o de ser capaz de ter influência mesmo sem autoridade e o outro era ser capaz de mandar nos patrões.

No segundo problema, temos certamente um caso do foro psicanalítico! Não se entende que sendo o governo e os governantes os supremos dirigentes da administração pública e esta seja a sua obra, possam criticá-la como se não tivessem a totalidade da responsabilidade pela sua qualidade ou falta dela. O estado da nossa administração pública é mais uma das obras, cujos responsáveis são os governantes e os partidos políticos, quando confundiram Governo e Estado.

A incompetência repetida dos sucessivos governos, que deveriam governar segundo um programa e com uma visão e objectivos estratégicos de mandato, tem acabado quase sempre, salvaguardando raras excepções de alguns ministros, em transformar ministros em Directores Gerais dos Ministérios, substituindo-os, mas com muito piores desempenhos. Os ministros adoram ser os poderosos dos seus ministérios e, como passam lá muito tempo, levam “bandos” de amigos que só fazem asneiras e colocam a administração pública em colapso.

Claro que a relação entre governo e administração pública está toda errada, claro que não faz sentido que o ministro das finanças seja o gestor dos funcionários públicos, porque depois acontece, como é hoje o caso, um Gaspar que pura e simplesmente ignora e não gosta de pessoas.

Os funcionários públicos não podem ser um custo, tem que ser activos e criar valor para a sociedade! Se não são, a responsabilidade é da incapacidade dos sucessivos governos.

Os governos não gostam da administração pública, porque a maior parte dos governantes vem daí e quase sempre vêm carregados de pequenos ódios para com as suas antigas chefias.

Só há mesmo uma solução, que pode ter diferentes modelos, afastem os governos da administração pública e coloquem esta como verdadeira prestadora dos serviços do estado, seja aos órgãos de soberania, governo, seja aos cidadãos e às empresas.

Percebemos com facilidade, que um governo que não consegue coordenar a actividade de uma dúzia de ministros, não pode ser capaz de fazer a gestão dos milhares de funcionários públicos.

É este sistema político baseado exclusivamente nos partidos, que tem que reduzir o seu peso; que tem que deixar de viver acima das suas possibilidades económicas e que nós pagamos; que tem que deixar de mandar para além do poder que lhe foi conferido e que tão maus resultados tem produzido para o país. A solução passa por mais democracia, mais cidadania e mais meritocracia para todos.

O tempo de atribuir a responsabilidade aos trabalhadores, aos funcionários públicos, aos cidadãos, aos eleitores e aos adeptos do futebol, acabou, é passado! A responsabilidade é dos líderes em quem confiámos. No entanto e infelizmente, essa responsabilidade só acontece no futebol, o treinador é o primeiro a ter que assumir os maus resultados.

Aprenda-se ao menos com o futebol…

A CLASSE MÉDIA E A CRISE: um artigo de Joaquim Moreira.

por Joaquim Moreira (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

A leitura, na última página do jornal Público de Sábado dia 4 de Maio, de o “Escrito na Pedra”, do artigo de opinião “Eleições” de Vasco Pulido Valente, uma conversa no Domingo seguinte com o Miguel Gonçalves, os discursos do Primeiro-Ministro e do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros nesse mesmo fim de semana, as críticas que se seguiram, levam-me a reflectir sobre este tema, “A classe Média e a Crise”.

“São as circunstâncias que governam os homens, não os homens que governam as circunstâncias” (Heródoto (-484/-425), historiador da Grécia Antiga). Se “o homem é o ser e a sua circunstância”, podemos concluir que a circunstância é complemento do ser, pelo que, sem contrariar Heródoto, o homem pode governar nas circunstâncias.

Estamos tão habituados a ver os governos a claudicar face às circunstâncias que nem percebemos muito bem como é possível governar contra as circunstâncias. Uma das circunstâncias é o voto. Sempre ouvi dizer que os políticos nunca fariam as reformas que a “sociedade acha que deveriam ser feitas”, porque sempre dissemos que “nunca os políticos fazem reformas que possam contribuir para perder votos”.

Quando aparecem políticos que estão dispostos a fazê-lo, afirmando até “que se lixem as eleições”, são desde logo incompetentes, porque “políticos são para ganhar eleições”. Mas como as medidas não são agradáveis, então, mais do que incompetentes, “não têm sensibilidade social”.

Quando a sociedade, já farta de políticos, afirmava que o que precisava era de pessoas competentes, com sentido de Estado, que pusessem o País à frente dos seus interesses pessoais, eis que aparece um ministro que, depois de ser interpelado por uma deputada responde: “mas eu não fui eleito”. Dizem logo os “arautos da democracia”: isso é uma ofensa à democracia.

O artigo do Vasco Pulido Valente termina com a frase “Passos Coelho não vale um suicídio colectivo”, o que numa livre interpretação – que neste caso é a minha – pode levar a concluir, depois de ler todo o artigo, que não temos alternativa a este governo. Mas a inteligência de VPV sabe que não fica bem dizê-lo, pelo que usa aquele eufemismo.

A maioria da elite portuguesa continua nesta senda do “está tudo mal, e o que está bem podia ser melhor”. Mas qual é a solução? “Não sei, mas sei que esta solução não interessa”. Então qual a solução que interessa? “O governo foi eleito para resolver os problemas, não eu”. “Eu sou mais um comentador”, um “político de bancada”, onde todos somos muito bons.

O Miguel Gonçalves, do “Impulso Jovem”, com quem tive a oportunidade e o prazer de conversar alguns minutos e que me habituei a ver como uma pessoa com muitas das características de que o país precisa, como sejam o dinamismo, o combate ao estado de lamuria nacional, a vontade de vencer com mérito próprio e não a qualquer preço, como têm insinuado alguns condes do reino dos instalados, encontrei-o, desmoralizado e abatido com as reacções de que tem sido vítima depois de ter aceite colaborar com o actual governo, com prazer e muita vontade de servir o seu país, mas com a condição de não ser pago, para assim poder manter a sua total independência, coisa que muitos “inteligentes” deste reino não conseguem entender.

Para mim, apenas como observador atento, o discurso do Primeiro-Ministro – que ouvi nas íntegra – foi suficientemente claro. E embora não o tenha ouvido na íntegra, o discurso do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros foi no mesmo sentido, ao contrário do que me querem fazer crer. No mesmo sentido, embora com mais preocupações políticas.

Devo confessar que, para mim e nesta fase, interessa-me mais a substância do que se comunica do que a forma como se o faz. Prefiro a verdade efectiva à verdade declarada, embora compreenda a razão de ser desta última.

A defesa das reformas e dos reformados, bem como a preocupação “com o cisma grisalho”, é louvável, o que aliás, pela parte que me toca, desde já agradeço; mas também representa muitos votos, o que me deixa preocupado.

Sobre a “reforma das reformas” foi muito interessante ouvir comentadores, “senadores”, ex-governantes, políticos, jornalistas, todos no sentido de considerar que não se pode mexer nas reformas, desde logo porque é inconstitucional, um crime de “lesa direitos adquiridos”, o que segundo alguns só pode levar à queda do governo.

Um conhecido constitucionalista, na defesa dos seus próprios argumentos, chega mesmo a afirmar que “nem os trabalhadores das empresas privadas deixam de receber enquanto não são despedidos”.

Enfim, aqui chegado, não posso deixar de dar a minha opinião e enunciar algumas ideias, na qualidade de membro da classe média de que falo.

Todos estes “políticos/pensadores/comentadores” são parte da nossa elite, da nossa classe média que, isoladamente ou através dos diferentes lóbis, ajudou a criar o grave problema com que nos confrontamos, tal é a pressão que sempre exerceu e continua a exercer sobre os decisores políticos.

É preciso muita coragem e determinação dos políticos para resistir ao voto fácil dos grupos de pressão da classe média, como é o caso das recentes manifestações e declarações dos líderes e apoiantes dos reformados.

Se dúvidas houvesse sobre a responsabilidade da classe média no aumento da dívida pública, para não falar da dívida privada, lembrando apenas os empréstimos para fazer férias, julgo que o exemplo anterior bastaria.

Temos que fazer a reforma das reformas pelas razões que me parecem óbvias, a saber: há injustiças no actual sistema, não só entre as reformas do sector público e do sector privado, mas também dentro de cada um, sobretudo no público; reforma essa que, não tendo sido já feita, não podemos adiar mais, sob pena de sacrificarmos a geração dos nossos filhos e netos.

O argumento de que com as reformas os pais estão a ajudar os filhos, sendo muito compreensível e mesmo sensível, não parece justo face à crise.

Mesmo a questão da não retroactividade das medidas, face a “direitos de propriedade”, também me parecem despropositados pela mesma razão.

Injusta e inconstitucional é a situação dos desempregados, que não só não têm emprego como, muito provavelmente, nunca mais terão, enquanto a Constituição, no seu artigo 58º, garante que “todos têm direito ao trabalho” e que “incumbe ao Estado promover”, entre outras medidas, “A execução de políticas de pleno emprego”.

Razão teria um Imperador Romano quando disse, “Este povo nem se governa nem se deixa governar”, que me atrevo a rectificar dizendo: “A elite deste povo nem governa nem deixa governar”.

Se é verdade que em política tudo o que parece é, não é menos verdade que esta nem sempre é o que parece, muito menos a que a política nos faz crer que é. Assim, é tempo de todos, com serenidade, ouvirmos a voz da nossa consciência e agirmos em conformidade.

Se os pobres não têm voz e os ricos “já não pagam a crise”, resta a classe média, que tendo muita gente capaz de discutir e meditar sobre estes temas, pode e deve dar o seu contributo para a solução dos problemas e não, como os políticos que criticamos, simplesmente proclamar boas intenções ou a afirmar que há outras soluções mas sem as fundamentar devidamente.

Tenho a percepção de que nunca nenhum governo da nossa democracia foi tão justo na repartição dos sacrifícios que, afectando todos, naturalmente se fazem notar mais numa classe média com muitos reformados.

Nada do que foi dito deve impedir que se exija a responsabilização de todos os que, directa ou indirectamente, são responsáveis pela delapidação de erário público. Mesmo sabendo que não resolve o nosso grave problema, julgo que certamente muito moralizaria os cidadãos contribuintes.

Antes de terminar gostaria de dar um exemplo de que somos capazes de “dar a volta”. O AICEP e o seu líder, Pedro Reis, que com a sua equipa de funcionários públicos têm feito um trabalho de excelência, publicamente reconhecido, confirma a tese de que com um bom líder as organizações funcionam e funcionam bem. Por isso, o nosso problema também é de lideranças.

É altura de exercemos uma verdadeira cidadania activa, não nos limitando a criticar, mas a propor soluções alternativas, a pensar nas pessoas todas e não apenas em interesses de grupo, muito menos em manobras políticas para ganhar votos ou conseguir qualquer tipo de apoios.

As gerações de hoje e de amanhã merecem muito mais de todos nós. Pela minha parte, tudo farei para apoiar e ajudar quem faz política com o sério risco de perder eleições, com sentido de Estado, que é o mesmo que dizer, a pensar sobretudo em Portugal e nos interesses dos Portugueses.

O CONCEITO DO "TOO BIG TO FAIL": um artigo de Luís Antunes.

 

por Luís Antunes (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

Na economia e na política portuguesas encontramos muitas peculiaridades que criam a ilusão do “too big”. É o caso dos PIN – Projetos de Potencial Interesse Nacional – que mais não são do que projetos empresariais que envolvem um montante elevado de investimento, ou a criação de grande volume de emprego, ou forte incorporação de produtos nacionais, etc. Não interessa aqui discutir critérios de admissibilidade, mas antes denunciar a perversidade de tais políticas económicas. Porque introduzem a desigualdade de tratamento, isto é, se o projeto da empresa “A” é classificado como PIN e o projeto da concorrente “B” não, isto, aparentemente, significa que a empresa “A” está a aportar uma mais-valia extraordinária para a Sociedade, quando comparada com a empresa “B”. Nestas circunstâncias, se algo correr mal com a empresa “A”, a Sociedade tem o ónus de prover, com os seus impostos, uma almofada financeira para evitar a falência de “A”. Não estou a teorizar, porque, em recentes anos, muitas empresas PIN foram subvencionadas pelo Estado Português (sem obtenção de melhoria da situação), que o mesmo é dizer que o contribuinte pagou parte do investimento.

Naturalmente que colaboradores e, em especial, a governança societária de uma PIN são conhecedores deste facto e tendem a utilizar este paraquedas ou vantagem competitiva em proveito próprio, pisando, muitas vezes, a linha do risco moral da organização, recorrendo à chantagem (se não nos ajudam, procederemos ao “layoff” ou despedimento generalizado). Na prática, os PINs são projetos políticos que servem interesses partidários e figuras bem relacionadas. Desviam crédito e fundos de empresas capazes e com provas dadas para projetos que não conseguem desenvolver-se por si próprios ou para “empresários” que não querem arriscar o seu próprio dinheiro, procurando o dinheiro da banca e dos fundos estatais ou comunitários.

Outra arma utilizada por empresas ou grupos empresariais portugueses que é tolerada e, por vezes, encorajada e favorecida pelos nossos governantes, é o da criação do emprego. Isto pode ser observado nos grandes grupos de distribuição, retalho e em muitas atividades de trabalho intensivo. Como resultado desta pressão, muitos projetos de negócio são favorecidos perante o Estado apenas pelo facto de gerarem emprego. Ora, isto mais não é do que desigualdade de tratamento, favorecimento de cartelização, desprezo pela concorrência e gera, por vezes, fenómenos de compadrio ou corrupção. Ninguém cria uma empresa com a missão ou objetivo de gerar postos de trabalho. Sendo esta uma verdade universal, não se descortina qual o racional do tratamento diferenciado. E, mais uma vez, a experiência tem-nos provado que, mal os ventos económicos mudam, muitas dessas empresas favorecidas até em termos de impostos, subsídios à formação, custos de instalação, etc., deslocalizam a sua atividade para paragens onde o crescimento económico lhes proporciona maior volume de vendas e lucros. A Sociedade nada deve a uma empresa que apenas descobre uma oportunidade de negócio. Muitas vezes, até, a oportunidade de negócio não está no mercado, no produto, no tipo do consumidor local, mas apenas no favorecimento das autoridades que, assim, entregam de bandeja, uma vantagem competitiva que a empresa, por si só, é incapaz de gerar.

Outra peculiaridade da política económica portuguesa é a designação de “interesse nacional”, qualificativo muito em voga nos políticos, quando detêm o poder, e que pretende significar que a atuação ou liberdade de decisão de certas empresas deverá estar condicionada a um valor “moral” que só eles próprios entenderão, uma vez que não existe Lei ou Constituição clarificadora deste conceito. Termos como o de “centros de decisão nacional” ou “centros de competências nacionais” também são usuais na terminologia dos nossos políticos. Na prática, tudo isto não passa de “área cinzenta ou pantanosa” em que os interesses políticos se sobrepõem ou aliam a interesses de grupos económicos, também conotados com a expressão “too big to fail”. Claro que, mais uma vez, se distorcem as condições de mercado e quem paga a fatura é o consumidor, quando não o próprio contribuinte.

A função dos governos é estruturar a atuação dos interesses privados de modo a que possam servir interesses públicos, através das suas políticas regulatórias e da criação de incentivos. Por sua vez, as empresas tentam influenciar estas políticas, por exemplo, por via do lobbying, quando não através de meios mais difusos, como o da “compra” de favores, pelo apoio aos partidos. As fronteiras entre o ético e o imoral, quando não o ilegítimo, são ténues.

No nosso conhecido caso do BPN (Banco Português de Negócios), instituição de direito privado, regulada pelo Banco de Portugal, o governo português da época entendeu que se tratava de um caso de “too big to fail”, porque a sua falência poderia gerar condições sistémicas desastrosas sobre a economia. Ora, é preciso levar em linha de conta o histórico da situação que apontava para a necessidade de intervenção atempada do regulador e da Justiça. Nos meses precedentes à iminente derrocada do BPN, nada foi feito no sentido de se evitar o desenlace final que foi o da nacionalização da instituição, com a consequente e pesada fatura para o contribuinte português.

Fique clara a ideia de que Portugal não é um paraíso para investidores mafiosos, bancos cinzentos ou famílias gananciosas. Os casos BPN e BPP são a exceção que confirma a regra, porque o setor privado português é tão ou mais cumpridor do que, por exemplo, é o setor privado espanhol. É falso, portanto, dizer-se que as grandes e médias empresas portuguesas, incluindo-se aqui as financeiras, condicionam o poder político ou tiram proveito, sistematicamente, de uma Justiça inoperante. Os nossos políticos é que não têm sabido ou não têm tido a vontade política de estruturar o setor privado no sentido deste poder servir interesses públicos, através das suas políticas regulatórias e da criação de incentivos. Basta que se olhe para os resultados obtidos pelas diversas entidades reguladoras existentes para se concluir que servem tão só de “tamponamento ou antepara” à responsabilidade dos políticos executivos nos Governos e para albergarem, em muitos casos, “jobs for the boys” ou reformas douradas para senadores da política. E tudo isto funciona à custa do bolso do consumidor e do contribuinte.

PRESIDÊNCIA E PRESIDENTE DA REPÚBLICA: um artigo de Jorge Marques.

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

Sempre que pensamos no nosso sistema político, constatamos que ele parece estar bloqueado e fechado sobre si próprio. Por outro lado, a acreditar na teoria dos sistemas, se ele se tornou um sistema fechado, a entropia vai consumi-lo dentro de algum tempo. Mas por muito que os cidadãos portugueses, uns mais do que os outros, queiram ter essa paciência de esperar pela morte e renascer de tal sistema, o problema que se nos coloca é o da urgência e dos riscos que corremos com este tipo de paralisação. É verdade, por vezes parece que todo o sistema político está numa espécie de greve de zelo, agitam-se, mas improdutivamente.

Quais são as variáveis que entram nas hipóteses de solução para este problema? Em primeiro lugar temos os Homens, os agentes políticos; depois temos o sistema enquanto organização política do Estado, os órgãos de soberania, a Constituição e demais regras da democracia formal; por fim temos o contexto que é o espaço territorial e humano, o país e os cidadãos, os comportamentos e a cultura da sociedade.
Quando se trata da urgência em mudar, rapidamente percebemos que as culturas, o contexto, o comportamento dos cidadãos, apesar de ser o mais profundo, é o caminho que demora mais tempo. No entanto, não se pode desistir dele, investir, mas esperar resultados no longo prazo. Relativamente ao sistema político, já percebemos que não é pacífico, os partidos políticos armadilharam e impedem qualquer tipo de mudança, barricaram-se na Assembleia, em S. Bento, em Belém e nas sedes partidárias. Resta-nos a hipótese de uma mudança através das pessoas, dos agentes políticos, que é igualmente a forma mais rápida de produzir e criar condições para que as outras mudanças necessárias aconteçam.
De todas as eleições democráticas, retirando as do Poder Local, que tem impacto localizado, apenas o Presidente da República é formalmente eleito pelos eleitores/cidadãos, em todas as outras, elegem-se partidos. Digo formalmente, porque na realidade o PR acaba por ser eleito pelo apoio e pelas máquinas partidárias, ficando mais tarde ou mais cedo refém desses compromissos, como é o caso que estamos a viver.
Assim sendo, qualquer esperança de mudança do sistema político, qualquer estratégia para mudar, passa necessariamente pela eleição de um Presidente da República que tenha a coragem de enfrentar o sistema e colocar em primeiro lugar o país e os portugueses, recusando à partida qualquer apoio partidário.
Podemos aqui desenhar alguns traços desse perfil, podemos também enunciar alguns pontos obrigatórios do seu programa.
Relativamente ao perfil: independente dos partidos; curriculum, não de cargos ou títulos, mas de trabalhos e obras específicas realizadas na sociedade civil, no sistema socioeconómico ou no público; ser referenciado e devidamente avaliado quanto ao seu comportamento de serviço ao país, de liderança, de respeito pela democracia, de honestidade intelectual e prática; comunicador, mas não confundir com comentador televisivo e grande negociador; emocional e moralmente inteligente.
Relativamente ao programa: É falsa a ideia das limitações do Presidente, em todo o mundo e cada vez mais, o papel e o poder das lideranças é influenciar, mesmo sem autoridade formal. Por isso este é um programa que requer alguém com essa capacidade e com esse poder pessoal, porque terá sempre o apoio dos cidadãos eleitores e do país. As linhas desse programa seriam: apresentar uma ideia e um projecto para o país; devolver o poder e a participação política-democrática aos cidadãos, decorrente de uma democracia participativa-representativa; dar verdade e coerência ao sistema político; informar com verdade os cidadãos; alterar significativamente o Conselho de Estado, para que ali esteja representada a sociedade civil; promover uma revisão constitucional com os partidos e com os cidadãos; ter a coragem de avaliar e dar apenas mandato aos governantes, tendo em conta as suas capacidades e competências para o efeito; influenciar no sentido de haver referendos, nomeadamente de avaliação à acção do governo e ao cumprimento do seu programa e promessas eleitorais…
A Sociedade Civil portuguesa deve começar desde já este debate, colocá-lo na agenda, porque esta é a única janela de oportunidade para as mudanças de fundo de que Portugal precisa. Dessa forma, podemos então falar seriamente da Reforma do Estado, da Reforma do Sistema Político, da Reforma dos Valores e Cultura da Sociedade.
Esta é a urgência, para que o país possa ter uma luz de esperança no futuro!

TEM O ESTATUTO UMA EXISTÊNCIA REAL?: um artigo de Jorge Marques.

 

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

 

Se existem sérios problemas na Sociedade Portuguesa, este do estatuto é seguramente um deles. E vamos directos ao assunto!
Presidente da República, Primeiro-Ministro, Ministro, Deputado, Médico, Professor, só a título de exemplo, são designações de cargos que reúnem um conjunto de competências, responsabilidades e obrigações, independentemente das pessoas que os exercem. E o simples cargo em si mesmo acaba por ter sempre um peso específico na pirâmide das relações políticas ou sociais. Mas este é apenas um ponto de partida, que ainda não é concreto, tão pouco real!
Quando estes cargos passam a ser desempenhados por pessoas, a expectativa é que essas pessoas estejam à altura do cargo; tenham preparação técnica suficiente para o ocupar; tenham atitudes e comportamentos coerentes com essas responsabilidades, mas acima de tudo, que tenham um desempenho efectivo de acordo com as responsabilidades que assumiram. Ao juntarmos cargo/estatuto com o seu titular, estamos simultaneamente a atribuir direitos e deveres a essa pessoa e não apenas direitos.
Numa sociedade minimamente saudável, o que não é o nosso caso, mas deveria ser, o verdadeiro estatuto, o estatuto por direito moral, deveria apenas acontecer quando a pessoa, no seu desempenho, se mostrasse à altura do seu cargo.
Numa sociedade onde o mérito deveria ter, pelo menos, um pequeno espaço de vida, não devemos igual respeito a quem desempenhe bem o seu cargo ou a quem o desempenhe mal e com isso cause prejuízos graves a quem neles confiou, seja a título individual, numa sociedade ou num país. Ao termos esse comportamento igual, seja para os mais competentes ou para os incompetentes, estamos a ofender seriamente todos aqueles que se esforçam por fazer bem, por se comportarem à altura, por respeitaram a confiança que neles foi depositada, ou seja, cometemos uma grave injustiça. Em minha opinião, a Sociedade deve saber distinguir e deve agir em conformidade.
Naturalmente que temos esta espécie de doença infantil social e acabamos por dar credibilidade não às pessoas, nem aos seus desempenhos, mas aos estatutos, títulos e cargos que exercem, mas que acabam por não exercer. E agora já nem é apenas a credibilidade e o estatuto social ou político, é também o espaço público de opinião nos media, sobretudo nas televisões, como que se o objectivo fosse disseminar os maus exemplos.
Portugal precisará muito de uma Reforma do Estado, precisará ainda mais de uma Reforma Política, mas precisa também de uma profunda reforma cultural e social, onde o valor seja dado aqueles que fazem bem, essa arte do “ bem-fazer”, que foi uma das nossas vantagens competitivas nos Descobrimentos.
Portugal que através dos seus sistemas formais descrimina tudo e quase todos precisa de gerar um outro tipo de descriminação, a discriminação positiva daqueles que contribuem para o bem deste pais e dos portugueses.
Seria de esperar que estatuto e desempenho coincidissem nos mais altos responsáveis políticos deste país, aí haveria existência real para esse estatuto, mas não é assim e essas mesmas pessoas teimam em ficar, indiferentes ao mal que estão a fazer. Quando eles mesmos não se respeitam a si próprios, que respeito podem ter dos outros?
Bento XVI não ficará na história como um excelente Papa, mas porque soube renunciar e dar espaço e oportunidade a uma solução melhor. É isto que distingue os grandes Homens daqueles que o não são, onde quer que estejam!

INSTABILIDADE, MEDO E DESORIENTAÇÃO: artigo do General Garcia Leandro.

 

por Garcia Leandro (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das Associações que a integram).

 

 

[Publicado originalmente na pág. 33 do semanário Expresso de 18 de Maio de 2013.] 

 

Portugal está atualmente a sofrer uma situação de excepção e de muito perigo.

É indiscutível que o atual Governo recebeu do anterior uma situação de pré-bancarrota; sobre isso já escrevi e não há comentários de televisão que possam disfarçar a realidade.

Porém, o atual Governo entrou de peito feito, convencido que tinha modelos e soluções indiscutíveis, o que fez com grande arrogância.

Não conhecia bem o país e a sua economia, não conhecia a máquina do Estado, não quis um Governo de coligação e as soluções aplicadas, de grande sacrifício, saíram sempre falhadas a nível interno.Não soube defender os interesses de Portugal na frente externa na questão dos prazos do acerto financeiro e orçamental (dentro do quadro macro, há sempre questões específicas nacionais que devem ser defendidas com muita garra; as negociações internacionais não são jogos florais e por vezes não podemos ser apenas silenciosos alunos) e o quadro legislativo tem estado sempre a sofrer alterações o que não dá estabilidade aos investidores e aos cidadãos. Acresce que não há regras iguais para todos, pois, para alguns, há sempre excepções (e não são poucos), o que cria naturais sentimentos de injustiça e de revolta.

Privilegiou as Finanças em detrimento da Economia, quando as duas deviam ter andado par a par; ações nas Finanças não deviam ter impedido um grande esforço na Economia.

Acresce que quis fazer rapidamente reformas em todas as áreas sociais e do Estado, o que não é um método de sucesso; sem querer falar em erros de casting, aprende-se na história, na estratégia e nos manuais de administração que não se pode actuar simultaneamente em muitas frentes, pois o risco de descoordenação, desarticulação e de falta de meios é muito grande.

Basta lembrar que o nosso primeiro Rei, Afonso Henriques, quis conquistar a Galiza (foi lá quatro vezes) e o Sul, então mouro. Mas nunca combateu nas duas frentes simultaneamente; se atacava ao Norte, não fazia no Sul e vice-versa. Falhou na Galiza, mas iniciou a reconquista do sul que terminou com Afonso III.

Há a adicionar que o PM, que tem grandes qualidades como cidadão, não consegue dirigir em condições o Governo perante tantas dificuldades, teimosia e erros.

Em consequência existe instabilidade em todo o País, em todas as atividades, em todas as classes e tipos de trabalho, já que ninguém sabe quais são as regras do jogo, sendo que rapidamente o que é hoje verdade, poucos dias depois é alterado.

Nestes moldes, o estado de Direito está em risco por via de uma atuação sempre agravada (e sem resultados) das Finanças. O momento seguinte é o do medo que já está no terreno e completamente generalizado, o que leva todos os cidadãos normais (os que não são quadros superiores da EDP e similares) a reduzirem, cada vez mais, os seus consumos e compras, ajudando a agravar a situação económica. Quando era necessário consumir para ajudar a atividade económica, ocorre o contrário.

Seguidamente vem (já cá está) a desorientação a que o Governo não foge; está mesmo à cabeça dessa tendência.

Mas com um Governo desorientado, o País não consegue ir a nenhum lado.

E no quadro político-partidário não temos alternativas credíveis; resta-nos o Presidente da República que, independentemente do trabalho de bastidores que deve fazer, parece uma esfinge não se conhecendo os resultados de tal atividade.

Só há uma alternativa, a entrada em força da Sociedade Civil, devidamente organizada.

O sistema político-partidário da III República falhou rotundamente e tem de ser substituído; não é um desejo, é uma inevitabilidade; de outro modo iremos desaparecer.

Terminou o período em que a Sociedade Civil deu o benefício da dúvida a estes Partidos Políticos que vivem em conjunto numa cápsula blindada algures na estratosfera, completamente divorciados do País real.

É a altura da Sociedade Civil se assumir de modo integrado. Será capaz?

A PROPÓSITO DE UMA NOVA NARRATIVA: um artigo de Jorge Marques.

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

Pode ou não gostar-se do sujeito Sócrates, mas o homem parecia querer imitar um profeta, falava de tomar a palavra e repetiu mais de duas dezenas de vezes ao longo da primeira entrevista televisiva o conceito de narrativa nova, como se houvesse também uma velha narrativa. De tudo o que disse parece que aquilo que ficou e repetiu nos dias seguintes foi mesmo a ideia de uma Nova Narrativa. Até que ponto esse conceito tem fundamento e um novo significado? Vejamos:

  • O conceito clássico de inteligência, isto é, o ser racional, lógico e analítico, caiu muito nas bolsas de valores. Com a teoria das inteligências múltiplas e outras, ela passou a ser apenas mais uma entre muitas e nem sequer a mais importante. A causa tem a ver com as alterações profundas que se deram quer na sociedade, quer na economia e que passaram da Era da Informação que era linear e lógica para uma Era Conceptual onde domina a criatividade, a empatia e a holística.
  • Com este tipo de mudança, alteraram-se também as competências de base da Sociedade, das quais destaco, porque tem a ver com essa tal ideia da Nova Narrativa, uma que se denomina História e a outra o Sentido. História que é aqui o sinónimo de narrativa, isto é, a capacidade de colocar os factos num contexto, se quisermos, reunir texto e contexto e apresentá-lo com impacto emocional. Esta é a essência da Nova Narrativa, condensar conhecimento, contexto e emoção. O Sentido é depois o orientador dessa narrativa e funciona como verdadeiro propósito. Costuma mesmo dizer-se que nós nascemos para o Sentido e não para o prazer, a menos que este faça sentido. O Sentido, neste caso, tem depois dois tipos de avaliação, um individual e tem a ver com a variante passiva ou activa do Ego de cada um e a outra, que tem a ver com o valor moral social. Em qualquer dos casos, a narrativa só existe quando faz sentido para o próprio e ele fica satisfeito ou quando faz sentido para a sociedade. Mas reparem que estou ainda a falar de narrativa, porque quando queremos falar de Nova Narrativa, então entramos no espaço de uma Era Conceptual e isso passa a ter um outro significado. Neste caso, a narrativa com sentido passa a ser dominada pelo high touch que é uma capacidade de sentir empatia pelos outros, entender a subtileza das relações, encontrar satisfação dentro de si e ajudar os outros a fazer o mesmo, ir para além do comum, da trivialidade e da rotina. Se quisermos, a Nova Narrativa é sobrecarregada com mais valor da Moral Social.
  • Hoje vivemos ainda numa não narrativa, ou seja, num discurso daqueles que nos apresentam factos sobre factos, sem qualquer narrativa ou sentido. É esse o discurso dominante quer dos governos, quer das oposições, uns mais do que os outros. Dá para perceber que a satisfação desta não narrativa esta focalizada sobretudo no Ego Passivo dos seus narradores, isto é, aquele que é dominado pela insegurança, apatia, agressividade, autoritarismo e destruição de valores. Quer ainda dizer que a solução para as nossas crises, dificilmente poderá sair de tal falta de narrativa, precisaríamos no mínimo de um texto coincidente com o contexto, precisaríamos que esse Ego Passivo se fosse tornando Activo, ou seja, criativo, com capacidade de realização e capaz de superar obstáculos. Tudo isto teria que começar na aprendizagem e na prática de uma atitude aparentemente simples e que se chama Humildade, cujo significado é o de uma auto-estima inteligente.
  • É verdade que começamos a ter um esboço de narrativas, umas boas e outra más, algumas bem e outras mal organizadas. Infelizmente a má é a que está organizada, é a narrativa mediática dos partidos políticos que tem imposto aos media os seus mais variados comentadores, como quem diz, vão e contem-lhes histórias. O que está a acontecer é que evoluímos de uma não narrativa para uma narrativa viciada e de histórias incompletas. Tudo isto é pouco sério, porque não tem o contraditório da Sociedade Civil, da realidade maior deste país e em nome da qual todos dizem falar. E porque será que a narrativa da Sociedade Civil não passa nos media? Talvez porque essa seja mesmo Nova e ponha em causa todas as outras que ficariam sem graça, talvez porque resistimos sempre ao Novo e preferimos as imitações.
  • O que faltará então para que se possa falar de uma Nova Narrativa? Em primeiro lugar precisamos construir uma narrativa com sentido e suportada num texto e contexto coerentes. Isto não quer dizer igual, quer dizer que ela é capaz de respeitar toda a diversidade da Sociedade e não apenas a dos partidos políticos. É uma quase narrativa ou uma narrativa viciada, por exemplo, tudo o que opõe os discursos dos governos e oposições, as explicações sobre a boa e má governação, sobre a verdadeira representatividade da Assembleia, sobre a independência do PR, sobre a competência e credibilidade de alguns governantes, sobre as negociações e avaliações da Troika, sobre tudo o que os governos dizem que é para bem do povo;
  • É o começo de uma Nova Narrativa as duas páginas do último Expresso, quando dá um enorme título e mensagem “ A Solução para Portugal está na Sociedade Civil”. Somos naturalmente por uma Nova Narrativa, mas que comece desde logo por ser aquilo que a define…uma história com sentido e, em boa verdade, o nosso Sistema Político perdeu esse sentido!

O PORTUGAL QUE PERDEU AS GRAÇAS DA SUA REALIDADE: um artigo de Jorge Marques.

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

Não tenho nada contra o que já chamam de Nova Ordem dos Comentadores Televisivos, nem contra o direito de expressão de quem quer que seja, bem pelo contrário, as minhas discordâncias tem a ver com a discriminação de que estão a ser alvo todos aqueles que tendo opinião útil e necessária ao país, estão a ficar cada vez mais silenciados e sem possibilidade de comunicar as suas ideias e pelo simples facto de não estarem alinhados com os interesses partidários em voga. Não estou contra a liberdade de uns, mas contra a falta de liberdade dos outros. E quais são os verdadeiros riscos da situação para todos nós?

  • Sabemos, cada vez mais, que a realidade que conhecemos não é a mesma que vivenciamos por nós próprios, mas aquela que nos chega através dos media, sobretudo através da televisão. Aquilo que julgamos saber é em boa verdade veiculado por esses media e por pessoas que nos mostram e dizem aquilo que, para eles, consideram mais importante e mais significativo, mesmo que isso não tenha importância nenhuma para todos os outros. No entanto é isso que passamos a discutir. Quer ainda dizer que a nossa opinião e a nossa realidade são já produtos em segunda mão no caso dos comentadores livres e independentes e em terceira ou quarta mão sempre que esses mesmos comentadores representam ou estão ligados a interesses partidários e outros;
  • Exagero a que estamos a assistir com a quantidade dos comentadores vindos do lado dos interesses partidários, nomeadamente dirigentes, ex-dirigentes, ex-governantes, deputados e outras figuras arcadamente partidárias, está a conduzir-nos para um cenário de uma cada vez maior perda da nossa liberdade de pensar e construir opinião, bem como da perda completa do espaço e opinião públicos da Sociedade Civil. Pior ainda, a realidade desses senhores pouco tem a ver com a realidade da generalidade do país;
  • Poderia pensar-se que estamos a trabalhar no fortalecimento de uma Sociedade Democrática, numa diversidade e respeito pelas diferenças ideológicas, mas para isso seria preciso que os partidos políticos fossem suficientemente representativos, que a sua cobertura abrangesse a maioria da população do país. Todos sabemos que não é assim, as organizações partidárias, em termos de militantes, representam apenas cerca de 3% dos eleitores e em termos de votos cerca de metade. É bom que se perceba que metade do país ou mais, não se revê nos partidos políticos existentes. Por outro lado, conhece-se o sentimento geral relativamente aos partidos políticos, conhecem-se várias e sérias iniciativas. Portugal está em estagnação: agradeçam aos nossos “amigos” europeus da Sociedade Civil por trazerem mais seriedade e coerência ao Sistema Político, conheçam-se os esforços de construção de várias alternativas, tudo isso combatido ou morto pelo silêncio dos media. O que não é mediatizado, pura e simplesmente, não existe;
  • Portugal vive um momento particularmente grave muito para além da crise económica e que tem a ver com estas falhas de visão. Por um lado tenta manter-se um Sistema Politico Partidário tal como existe e a perder cada vez mais a sua representatividade e sem soluções para construir um futuro. Por outro diz-se que com isso estamos a defender a democracia, a evitar uma crise política, quando estamos apenas a preservar uma oligarquia partidária que está, vai, vem…repetidamente a fazer e dizer as mesmas coisas e dependendo apenas se está ou não no poder. A construção de uma realidade nacional com base nesta oligarquia, que confia na fraca memória dos portugueses, é um verdadeiro delito de opinião e uma tremenda falta de respeito por todo o povo português que não tem qualquer hipótese de se exprimir publicamente;
  • Mas fica em aberto a hipótese de que ainda assim esse Sistema Político, com todos os seus defeitos, tem o direito a exprimir-se e a recolher adeptos para as suas ideias. É verdade, mas isso não pode ser feito em regime de monopólio de ideias e de representação, da não divulgação de outras hipóteses que igualmente querem exprimir-se e recolher reconhecimento junto do país, daqueles que querem e tem direito a um futuro diferente. É o cruzamento destas e de outras realidades que liberta um país, que ajuda a reunir traços comuns, é assim que se constrói e se integram as opiniões de todos e não apenas de alguns que representam cada vez menos gente.

Portugal precisa de clarificar esta situação com muita urgência e dizer que tipo de democracia quer, que representatividade quer, com cidadãos independentes e partidos, com mais controlo e exigência dos cidadãos? Portugal precisa de um referendo clarificador e que nos permita sair deste impasse e seguir mais fortes e em frente. Precisamos recuperar a nossa realidade, porque o que ouvimos da Assembleia, do Governo, do Presidente da República e neste tipo de debates parece ter pouco a ver com a vida real dos portugueses.

OS BONS ALUNOS INDIGNADOS: um artigo de Jorge Marques.

 

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

Não me espantaria que um dia destes surgisse o Movimento dos Bons Alunos Indignados (MBA-I) dado o uso e abuso que desse conceito se tem feito na política portuguesa desde Cavaco (incluído) e até aos dias de hoje. Vamos tentar colocar esse título no texto certo.

Não há dúvida de que os Bons Alunos devem ficar ofendidos sempre que se fala do comportamento e atitude do governo português face à Troika como sendo os de um Bom Aluno. Fica-se com a ideia de que ser Bom Aluno é ser um pau mandado; é fazer aquilo que os professores querem; é não ter voz, vontade ou opinião; é ser incapaz de pensar de maneira diferente; é não saber criar nada de novo; é repetir tudo o que o professor diz nas aulas; é elogiar sistematicamente esses mesmos professores com o propósito de obter benefícios em troca; é não ser capaz de apresentar ideias e propostas alternativas; é não ser ninguém, para poder alimentar o Ego do professor; é pensar apenas nos benefícios pessoais que se podem conseguir com tal atitude…

Em boa verdade, todos nós tivemos professores, alguns dos quais por insegurança alimentavam esse tipo de comportamentos nos alunos, mas desses já nem sequer lembramos o seu nome. Os professores de quem nos lembramos mesmo, foram aqueles que se assumiram como Mestres de um conhecimento, aqueles que descobriram e libertaram o nosso potencial, aqueles que tinham consciência de que aquela relação aluno/professor era temporária e que uma outra vida maior se seguiria para cada um dos lados, em resumo, foram aqueles que nos ajudaram e nos deixaram crescer.

Na minha colecção desses Mestres tive até um, de quem me lembro quase todos os dias, que nos dizia: “Quem souber apenas o que lhe ensinei, dou-lhe a nota 10; quem conseguir relacionar isso com outras matérias, tem 14…mas o 16 ou mais, só para quem me contrariar ou criar alguma coisa de novo!”

 
É por tudo isto que é preciso corrigir a ideia de que o governo português não é de facto um Bom Aluno mas apenas um mero capataz da Troika, que se exibe como sendo mais papista que o papa, que decorou apenas a letra de um texto sem contexto, que aspira a uns elogios de ocasião, que espera benefícios para uma carreira futura.

Um Bom Aluno não é nada disso! Esse questiona o professor; obriga-o a preparar muito bem as aulas; obriga-o a ter conhecimento e experiência profundos; faz produzir um crescimento simultâneo de professor e aluno e ambos se desafiam na procura de novas ideias e de novas soluções. O Bom Aluno causa desconforto ao professor, causa-lhe tensão, provoca-o enquanto Mestre e comunga com ele os objectivos de novo conhecimento.

O governo português não está a ser um Bom Aluno no seu relacionamento com a Troika e com a sua atitude, dá de si um péssimo exemplo às novas gerações que querem construir um futuro diferente. São infelizmente também esses valores que são ensinados nas escolas das juventudes partidárias.

Também não nos podemos esquecer de que os Bons Alunos não são um produto de geração espontânea, são o resultado de uma relação com Bons Mestres e esses também não os vemos na Troika ou nos órgãos de decisão da Europa. Portugal é hoje uma pobre vítima de uma escola menor onde o ser Bom Aluno se resume a esta triste caricatura a que todos estamos a assistir.

É porque temos que refundar esta avaliação, que os verdadeiros Bons Alunos e os Bons Mestres têm que se movimentar e contrariar este falso movimento. Se não o fizerem, correm o risco de ficarem metidos no mesmo saco e não terem lugar no Mercado do Futuro…

PORQUE NÃO REAGE O POVO PORTUGUÊS?: um artigo de Jorge Marques.

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

Quando António Damásio demonstrou cientificamente a ligação entre a emoção e a razão, não disse apenas que Descartes estava errado, mas que o seu monopólio tinha chegado ao fim. No entanto, continuamos a fazer muito pouco uso do seu trabalho, apesar de nos ter aberto mais uma porta de oportunidades.

Uma das primeiras dificuldades tem desde logo a ver com a utilização de linguagens que são diferentes, uma vez que na razão temos a palavra e na emoção o sentir, coisa que não nos ensinaram na escola. Isto quer dizer que recebemos o mundo, os acontecimentos, as relações através dos nossos sentidos, sendo por aí que entram as várias realidades.

No entanto este mundo que recebemos tem duas origens diferentes, uma que acontece através daquilo que observamos e vivenciamos directamente, outra através da opinião dos outros, através das várias formas de mediatização e que nos chega em segunda mão. É em resultado do que recebemos do mundo, que geramos aquilo a que chamamos emoções (e-mover) e que quer dizer, mover de dentro para fora.

É verdade que as nossas acções, resultado dessas emoções, deveriam nascer mais da nossa observação directa, do nosso sentir mais genuíno, da nossa autenticidade, maturidade e menos da opinião alheia. Mas não acontece assim porque a pressão cultural, social, mediática e outras, são de tal maneira fortes, que as nossas acções genuínas borregam e passam a ser comandadas pela nossa razão, que aqui funciona como polícia. Dessa mistura de valores, com e sem significado e das opiniões alheias, acaba por nascer o politicamente correcto e o emocionalmente adormecido, a não acção.

Quero dizer que os nossos comportamentos, ditos normais, deveriam ter componentes racionais e emocionais, da mesma maneira que andamos com as duas pernas. E se chamamos deficientes às pessoas que andam com uma só perna, o mesmo deveria acontecer quando utilizamos só a razão ou só a emoção.

E quais são as consequências directas de tudo isto?

Acontece que estamos a perder a relação directa e natural da realidade que se está a passar em Portugal. Essa realidade está apenas a ser sentida pelos que sofrem, pelos que caem na pobreza, pelos esempregados, pelos reformados, pela juventude privada de futuro, pelos que estão a ser humilhados na sua dignidade. Quanto ao resto está criada uma sociedade, uma espécie de mundo em segunda mão, que é aquele que nos é mostrado por intermédio dos outros. Mediatização é isso mesmo, acontece quando alguém nos dá a informação que julga relevante para ele, a notícia que lhe interessa, a sua opinião, comentário ou simples ponto de vista.

E quem produz afinal essa realidade e esse mundo em segunda mão que nos adormece?

Basta estarmos atentos à maioria dos comentadores e analistas da nossa Comunicação Social, que são certamente gente boa, mas que quando falam de pobreza, humilhação, desemprego, dificuldade de se fazer ouvir e outros males sociais nada sente, esse não é um problema seu e mesmo que as suas palavras manifestem grande solidariedade, elas serão sempre racionais e de conveniência.

Esta situação agrava-se ainda mais quando esses comentadores falam de uma reforma dos sistemas político e económico e eles mesmo os alimentaram e são responsáveis pelo estado a que chegámos, são parte do problema.

O povo português não reage porque neste momento vive no meio de uma confusão entre dois mundos, um que é o seu e onde sofre e sente e o outro é aquele que lhe dão através da mediatização de uma realidade feita por gente que de uma maneira geral está bem.

A nova primavera portuguesa vai trazer-nos mais uma onda de comentadores de televisão, todos vindos do sistema político-partidário e que vão abrilhantar os nossos serões,não se percebendo se é para anular a discussão sobre a reforma do sistema político, se para produzir pequenas mudanças e para que tudo fique na mesma.

Quase que nos esquecemos que o problema principal da nossa democracia representativa não está na forma, é sobretudo um problema de falta de qualidade e autenticidade dos nossos representantes. O que nós queremos é que a realidade política se aproxime da realidade do povo português e para isso temos que trazer os autores da nossa vida colectiva e não os actores de uma falsa representação. O nosso problema é a falta de verdade!

"NO TERRENO ABANDONADO PELA SOCIAL DEMOCRACIA, RESIDE O CAMPO DE BATALHA ENTRE FORÇAS DESIGUAIS […]": uma reflexão de Mendo Henriques.

por Mendo Henriques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

Foto em http://www.publico.pt
Portugal, 13 março de 2013. No terreno abandonado pela social democracia, reside o campo de batalha entre forças desiguais: de um lado, grupos sociais e classes profissionais humilhadas e empobrecidas; do outro, uma oligarquia na qual participam os dirigentes dos partidos do arco da governação, de direita e de esquerda, os grandes gestores, os banqueiros e comunidade financeira, os dirigentes dos media.

Os opositores da oligarquia são de longe a maioria mas estão completamente divididos e dispersos. Existem candidaturas independentes às autárquicas: existem movimentos cívicos embrionários da sociedade civil; existem quadros descontentes nos partidos do arco do poder; o Bloco de Esquerda quer ser o socialismo revolucionário e mobiliza parte do protesto social mas ignora a reação patriótica e não se liberta do sectarismo. A Direita republicana não parece ter expressão eleitoral, escondendo-se atrás do CDS-PP. Os monárquicos representam uma atitude com grande expressão transversal na população mas não têm um programa político. Muitas personalidades manifestam-se em manifestos que duram o tempo das rosas. O sindicalismo de resistência (CGTP, UGT), ainda é credível para orientar o protesto social, mas tem um estilo de reivindicações irrealistas. Os diferentes grupos e personagens da oligarquia aproveitam bem a heterogeneidade destes seus adversários. Uma “aliança democrática da sociedade civil” será imperativa. Levá-la avante é oferecer uma perspetiva política. Apesar das dificuldades, não deve haver hesitações. Mas os prazos são incertos.

OS DONOS DO BEM: um artigo de Jorge Marques.

 

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

 

Interroguei-me muito este fim-de-semana ao ler algumas crónicas dos nossos melhores jornalistas e que considero são também bons pensadores.

E essas interrogações têm tudo a ver com o resultado das eleições italianas e com a diabolização do personagem Grillo; tem a ver com a manifestação inorgânica do 2 de Março, pura contestação e sem propostas concretas; tem ainda a ver com os riscos de ruptura do sistema político conhecido e a possibilidade de se entrar na maior confusão ou num beco sem saída?

 
Ao ler as várias crónicas, veio-me à memória uma das grandes lições de vida que me aconteceu na cidade de Salvador da Baía, primeiro pela mão de Jorge Amado e depois pelo meu próprio pé. De que se trata?

Existem na espiritualidade baiana um conjunto de entidades de origem africana e trazidas pelos escravos a que chamam Orixás. A Igreja Católica soube aproveitar essas figuras e através de um sincretismo religioso, associou-as a alguns nomes de santos, a Jesus Cristo e ao Diabo.

Entre essas entidades vou destacar duas delas, uma que tem o nome de Oxalá e representa o princípio da criação do mundo, a outra que é Exú e representa a transformação e a recriação desse mesmo mundo. Diz-se que Oxalá criou apenas, mas errou ao pensar que isso era bastante, que tudo havia de continuar assim mesmo, estático. De Exú diz-se que introduziu movimento, mudança, organizou o caos, deu sentido à desordem.

Quando a Igreja Católica fez o sincretismo destas duas figuras e dos respectivos significados, fez de Jesus Cristo o Oxalá e do Diabo fez o Exú, marcando assim e para que não ficassem dúvidas, a tradicional dualidade entre o Bem e o Mal.
 

Quer isto dizer, neste caso, que a construção do Bem e do Mal teve simplesmente a ver com a ideia de que há um criador que quer conservar a sua obra e isso é o Bem e o outro que quer dar dinâmica e mudança a essa criação e isso é o Mal. Neste jogo cruzado de interesses, os Senhores do Bem regularam sobre o que era o Bem e o Mal, ao ponto de considerarem que a escravatura, porque tinha a protecção da lei era parte desse bem e o combate da escravatura, personalizado em Exú/Diabo, ficava do lado do mal. Mas Exú não se ficou por aqui, teve a ousadia de questionar os rituais, afirmando que eles pouco valiam por si próprios, só valiam quando tinham verdadeiro significado.
Por tudo isto, percebe-se que Exú tenha ficado associado ao Mal, mas apenas porque discricionariamente uns senhores, por acaso aqueles que detinham o poder, decidiram o que era o Bem e o Mal.

Parece que se está a passar o mesmo nesta nossa ordem legalmente estabelecida e no nosso sistema de democracia representativa. Há uns senhores que a dominam e dela beneficiam e por isso decidiram catalogá-la como o Bem a conservar e diabolizam tudo o que se lhe opõe, tudo o que altere essa ordem estabelecida. Decidiram ainda que todas as forças que querem movimento, mudanças com significado, a verdade dos rituais, a transgressão à ordem estática, esses são as Forças do Mal. Também aqui o Bem se julga a si próprio e de forma arrogante entende que não precisa justificar-se, mesmo quando age mal e perde todo o significado real. É verdadeiramente paradoxal, mas parece-me que o Bem nos está a fazer muito Mal.

No entanto na filosofia baiana, na mais genuína, este problema esteve sempre resolvido, porque segundo eles o Mal não se opõe ao Bem, nada se opõe a nada, tudo se complementa. Criação e dinâmicas de mudança são por isso dois complementos, acabar uma coisa e começar outra também, a própria ciência nos diz que o caos gera sempre uma nova ordem.

No entanto nestas nossas cabeças judaico-cristãs, este acto de complementar não tem espaço, temos sempre presente essa luta entre os Bons e os Maus. Mas o que se está a passar é que começamos a ter dúvidas sobre o que é uma coisa e a outra e quando se instala a dúvida, iniciamos a procura de respostas por nós próprios, pensamos com a nossa própria cabeça. Começa aqui um período de grandes e criativas mudanças e de muita acção…

INGOVERNABILIDADE E SISTEMA POLÍTICO: um artigo de Jorge Marques.

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

 

Nos últimos títulos dos media e a propósito das eleições italianas, duas palavras mereceram especial destaque e foram a instabilidade política, mas sobretudo a ingovernabilidade.
De repente o exercício do voto, que é o pouco que nos resta da democracia torna-se incómodo e os eleitores parecem não estar de acordo com a tutela do sistema político. E quando o povo vota contra o poder instituído, ele não sabe o que fazer e entra em crise, em instabilidade, em ingovernabilidade, quando seria muito mais fácil ouvir atentamente o povo e agir em conformidade com a nova realidade. Foi para evitar isso também que matámos os referendos antes do tempo.
Ficamos com a ideia, pensando bem, que os nossos democratas consideram que estabilidade política é quando há maiorias formais e os governos assumem a atitude do quero, posso e mando e não deixam margem para o pensamento alternativo. Ficamos por vezes com a ideia que algumas das nossas gratas figuras da democracia, logo que eleitas e no poder, desejariam ser simplesmente ditadores, era certamente mais fácil para eles.
Considerandos à parte, convém lembrar que ingovernabilidade não tem nada a ver com os jogos formais ou florais dos salões das democracias, nada tem a ver com os falsos consensos, coligações anti natura ou simples acordos de interesses. Quando um sistema se torna ingovernável, isso quer dizer que ficou dissonante com a sua realidade, porque governar tem a ver com uma realidade concreta de que não se pode fugir e muito menos alienar.
A verdadeira ingovernabilidade reside hoje, entre outras coisas, num Sistema Política caduco e tem as seguintes consequências:
  • Ser impossível tomar decisões soberanas;
  • Não se saber garantir o bem comum;
  • Não existirem recursos suficientes e ao mesmo tempo existiram enormes desperdícios;
  • Terem os governos perdido a centralidade;
  • Não ser possível aos governos assumir as suas responsabilidades gerais por terem já pouco poder;
  • Serem deficientes as estruturas hierárquicas e a capacidade dos governos, que deixaram de estar á altura dos diálogos permanentes e necessários com os sistemas social, económico, científico, tecnológico, meios de comunicação e até mesmo com o próprio sistema político.
Foi este aumento de complexidade e a incapacidade de lhe fazer face, que esgotaram este sistema político e não o excesso de política, como se quer fazer parecer. O que está em causa é a necessidade de uma profunda Reforma do Sistema Político, mas para isso os agentes políticos tem que reconhecer com grande abertura os seus erros e que a sociedade está mais fragmentada, em vez de responsabilizarem e penalizarem os eleitores e cidadãos como se fossem seus inimigos.
A ingovernabilidade ocorre quando os governantes, face a uma incapacidade natural de controlar todas as variáveis, optam pela ideia de menos Estado e nenhuma política e se entregam nos meandros dos sistemas financeiros e dos seus mercados. A resposta adequada deveria ser a de menos Estado e mais política, porque só a partir daqui se pode pensar a tal Reforma do Estado, o que significa novas missões e novas tarefas. O que se está a fazer e provoca ainda mais ingovernabilidade é pretender fazer uma Reforma Política e uma Reforma do Estado com a lei e com a linguagem dos mercados financeiros.
Quando olho para a nossa ingovernabilidade, lembro-me sempre do efeito de Pirandello! Na história, como na vida, há momentos em que faltam as pessoas certas e noutros momentos faltam as condições, mesmo que as pessoas existam. Isto é, falta sempre qualquer coisa!
Entre nós e por triste coincidência, parece que sofremos dos dois males, faltam-nos de momento as pessoas e as condições. Mas se relativamente às condições a solução não está toda nas nossas mãos, o mesmo já não se passa quanto às pessoas certas, pelo contrário, é nosso dever e prioridade procurá-las, porque elas existem e serão capazes de enfrentar esta situação e torná-la melhor. Procurar a governabilidade, como primeiro passo, passa sobretudo por aqui…

A HONESTIDADE VAI FICAR NA MODA: um artigo de Jorge Marques.

 

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

 

Foi com esta frase que o líder do Movimento 5 Estrelas, Beppe Grillo, comentou os resultados eleitorais do passado fim-de-semana em Itália e depois de obter 25,5% de votos. Em nenhum outro país do mundo, segundo os analistas, um movimento de cidadãos organizados conseguiu tal expressão eleitoral.

Com o Movimento, uma enorme quantidade de jovens foi eleita e entre eles, muitos jovens licenciados, desempregados, gente descrente na política, nos partidos e nas instituições em geral. Um verdadeiro ar puro vai penetrar no Parlamento e limpar certamente muita teia de aranha que por lá haverá. No entanto, por uma questão de princípio Grillo não quis ser eleito, é um tipo de liderança que recusa o estrelato e dá aos outros a oportunidade de brilhar.

Grillo, apesar de ser um homem do espectáculo, não quer falar na televisão, prefere os olhos nos olhos e as redes sociais e sonha que um dia os cidadãos se vão eleger entre si, vão ser capazes de mandar em si próprios e sem a tutela dos partidos. Será certamente um homem muito falado pelos media nos próximos tempos, talvez também porque nos vai dar muitas outras lições.

Diferente, mas que vale a pena também referir aqui, Mario Monti e o seu Movimento Cívico obteve mais de 10,5% dos votos, resultado que ficou abaixo das expectativas e diga-se em boa verdade, do seu mérito e da sua coragem de enfrentar esta situação.

A verdadeira lição italiana não tem nada a ver com a governabilidade ou ingovernabilidade da Itália, isso já não constitui novidade e todos sabemos que os partidos são incapazes de colocar os seus interesses de lado e concentrarem-se apenas nos interesses dos países. Aquilo que verdadeira e historicamente aconteceu e deve ser, a partir de agora, uma referência europeia é que dois movimentos da Sociedade Civil representam hoje 36% do eleitorado. Alguma luz parece ter surgido, alguma alternativa para os nossos desgastados sistemas políticos baseados exclusivamente na representatividade através dos partidos políticos. Quer dizer que, ao contrário do que nos vem dizendo, lá como cá, há alternativas a esta alternância que nos tem destruído.

Importa agora falar de Portugal, da situação limite a que chegámos, das sucessivas más governações, da incapacidade dos partidos em colocarem o país em primeiro lugar, dos casos mal explicados, do afastamento dos cidadãos da participação política, da incapacidade de negociação internacional que nos sufoca com impostos, do grave desperdício que é a nossa gente desempregada e daqueles que tem que sair do país, do aumento assustador da pobreza, das pessoas que estão a ser destruídas moral e fisicamente…a tudo isto a resposta tem sido o agravamento da austeridade, da pobreza e uma total incompetência para criar e mostrar um futuro diferente.

Há um ciclo que se sustentou numa democracia representativa através dos partidos que está esgotada de ideias e porque se transformou num sistema fechado, esgotou também a sua energia, não se pode esperar muito mais dela.

É aqui que entra a reflexão sobre as eleições italianas e a necessidade urgente da Sociedade Civil portuguesa se organizar, porque vai precisar de assumir as suas responsabilidades o mais depressa possível. Portugal vai ter que encontrar o seu Grillo e o seu Monti para que se possa começar a construir um outro futuro, porque é mais do que certo que todos juntos somos capazes de mais e muito melhor do que aquilo que temos. Portugal precisa de gerar Movimentos da Sociedade Civil que, de forma organizada, possam concorrer às próximas eleições legislativas, mesmo que os partidos políticos recomecem o seu canto da sereia, como sempre, próximo das eleições. Estamos todos muito bem lembrados das últimas promessas.

Só com representação suficiente da Sociedade Civil, será possível avançar para uma revisão da Constituição, para a Reforma do Sistema Político, para a Reforma do Estado, para a eleição de um Presidente da República que coloque no seu programa este tipo de compromissos. Caso contrário,tudo não passará de mais uma farsa e a continuação do mesmo jogo de interesses. Estas é que são as grandes decisões que temos que tomar!

AFINAL AINDA É SÓ UM PROBLEMA DE COMUNICAÇÃO: um artigo de Jorge Marques.

 

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

 

Habituámo-nos a ouvir, sempre que os governos cometem erros sucessivos e não querem assumir as respectivas responsabilidades, que se tratava apenas de um problema de comunicação, de dificuldades na passagem da sua mensagem.

No entanto, sempre que há problemas efectivos de comunicação e os governos não percebem as mensagens que vem da sociedade civil, transformam isso num problema político, em ameaças á democracia e em todo o tipo de vitimização e perda de liberdades. Fale-se de comunicação!

Nesta matéria há um emissor, aquele que fala e há um receptor, aquele que ouve, mas isto não basta para haver comunicação. Para que ela exista de facto, tem que haver um retorno a que chamamos feedback, ou seja, a garantia que o receptor ouviu e percebeu a mensagem. Há mesmo quem diga que comunicar é saber ouvir!

Com o evoluir do conhecimento, a comunicação ganhou mais profundidade e o retorno precisou de um novo significado. Quer dizer que comunicar já não é o falar e o ouvir, muito menos o abanar de cabeça, mas o sentir. Criou-se com isto uma dimensão emocional e o simples feedback evoluiu para um feedback emocional, tornando-se numa das mais importantes competências nas relações sociais e nas lideranças. Em resumo, quem quer comunicar já não tem que se preocupar apenas com o seu discurso, nem sequer garantir que os outros ouvem, mas tem que garantir no retorno das suas mensagens, aquilo que eles sentem. A comunicação verdadeira só acaba aqui, quando o emissor percebe o que o seu receptor sente. Convém acrescentar que este sentir é a fonte das nossas emoções, que por sua vez determinam as nossas acções mais autênticas. O que se está a passar?

O governo enquanto emissor das várias mensagens tem falado, mas começa logo a cometer o primeiro erro de comunicação, nem sequer se preocupa se a sociedade ouviu, nem sequer se preocupa com o retorno mais básico. Naturalmente que nestas circunstâncias e sem estar atento ao que as pessoas sentem, não existe qualquer hipótese de comunicação.

Na realidade o governo não ouve e nem sente, apenas quer ser ouvido.

Admira-se agora o governo e algumas pessoas mais conciliadoras que estejam a acontecer um tipo de manifestações que impedem os governantes de falar, alguns mais que outros. É uma mensagem da sociedade que os governantes deveriam ouvir, como deveriam ter ouvido o 15 de Setembro, mas não, a preocupação egoísta é a de continuar a ser apenas o governo a falar. Este não é um problema político á partida e o coro dos direitos de expressão não cabe aqui. O problema é do foro da comunicação e nessa matéria o direito de falar é igual ao dever de ouvir, em comunicação há dois lados ou então nem sequer podemos falar de comunicação. O que a sociedade está a querer transmitir, essa é a mensagem, é que não queremos ouvir mais o governo, de que estamos fartos, que a continuar assim queremos que se cale de vez. E tudo isto é dito na forma de uma linguagem rica e simbólica e entendida por todos, através de uma canção chamada Grândola Vila Morena, forma a que até o primeiro-ministro foi sensível, mesmo sem perceber a mensagem.

Mas pode argumentar-se que os manifestantes são grupos organizados com o objectivo de desestabilizar e querer apenas a queda do governo? Mas afinal o que são o governo e os partidos políticos? Não são também e apenas outro tipo de grupos organizados para conquistar e se manter no poder, para defender apenas os interesses de outros grupos?

Há de facto um risco para a sociedade e aqui o problema começa a ser político, é o da suposição de que os governos por simples estatuto se assumam como a única parte do estado e a tudo tenham direito. Em democracia isso não é assim e neste particular é o governo que está em falta e deve corrigir o seu comportamento.

Como recomendação, precisa de novos consultores de comunicação que o ensinem a comunicar efectivamente e não a manipular informação. A política é uma arte nobre e não o jogo das escondidas.

INGERÊNCIA DO GOVERNO NAS ASSOCIAÇÕES PROFISSIONAIS: um artigo de Rui Martins.

por Rui Martins (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

«O conselho geral da Ordem dos Advogados decidiu não acatar a nova lei das associações públicas por entender que ela representa uma ingerência do Governo nesta organização. […] Em causa está a possibilidade de cada ministério – neste caso, o da Justiça – realizar inspeções às associações, que passam a ficar debaixo da sua alçada, explica Marinho Pinto.
“Enquanto eu for bastonário, o Ministério da Justiça não vai fazer nenhuma inspeção à Ordem dos Advogados.” Para Marinho Pinto, o objetivo do Governo liderado por Pedro Passos Coelho é “passar a ter as ordens profissionais debaixo da sua pata”. […] os advogados preparam-se agora para impugnar judicialmente as consequências da recente legislação na vida da Ordem.”» Ana Henriques, 2 de Fevereiro de 2013, Público.

 
Goste-se ou não de Marinho e Pinto, o certo é que esta lei – introduzida de forma suspeitosamente discreta – arrisca-se a colocar em risco esse importante esteio da Sociedade Civil que são, em Portugal, as Associações Profissionais. O desvio centralista que representa impõe um jugo de exigência suspeita e que colide com a tradição independente dessas associações em Portugal.

Exige-se assim uma resposta concertada, não somente de uma Ordem Profissional isolada, mas de todas, agindo em consenso e em concertação, porventura organizando e promovendo uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos, que anule esta perniciosa lei do Governo da República. E amanhã já não será tarde demais para a lançar…

ACONTECEU. E PORQUE NÃO ACONTECE?: um artigo de Jorge Marques.

 

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

Uma letra apenas distingue o aconteceu do acontece, mas em tempos de austeridade isso tem muito significado e pode fazer toda a diferença. Essa simples letra a mais no acontece(u) é cara, mistificadora, inibidora da acção, conflituosa e inimiga da confiança.

– O que é que o senhor primeiro-ministro está aí a fazer?

– Estou a recuperar os erros trágicos que vocês cometeram…

De facto a linguagem, o espírito e o exercício contabilísticos absorveram completamente a linguagem política. Tal como a contabilidade, que sempre nos mostrou o passado, o que aconteceu, mas nunca nos mostrava o futuro, a política segue-lhe agora o rasto. É que se há verdades absolutas neste mundo, uma delas é certamente aquela que nos diz que nunca conseguiremos mudar o que já aconteceu.

Mais recentemente, mas já não é de agora, temos assistido a todo o tipo de promessas eleitorais, a uma quebra sistemática de todas essas promessas, expectativas, previsões e até mesmo de intenções vindas do sistema governativo. Mesmo assim, em vez de actos de humildade e até de reconhecimento pelos erros cometidos num exercício que se sabe difícil, as únicas respostas acabam por ser sempre as culpas do passado e dos erros dos outros, a manipulação dos tempos verbais e outro tipo de acrobacias.

Esquecem-se os nossos governantes de que este não acontecer sistemático, quebrou já com todos os níveis mínimos de confiança e que seriam necessários para fazer acontecer, deixou-se de acreditar, já não existe a energia que podia fazer acontecer. O povo é generoso, mas não é estúpido.

E com esta linguagem deficiente invocam-se reformas, como se elas tivessem já acontecido, como que mudar fosse apenas criar leis e elas, por si mesmas e de forma automática, fizessem acontecer essas reformas. Não é a mudança da lei laboral, só por si, que vai fazer aumentar a produtividade, competitividade, trazer mais investimento, incentivar o crescimento ou criar mais emprego. Essas leis são meros instrumentos, falta a outra capacidade de fazer acontecer, porque reformar é mudar e isso só se concretiza quando atingimos os objectivos que nos propusemos realizar, quando mudamos mesmo.

Não é a criação de uma Comissão Parlamentar ou uma redacção dourada de Portas que vai fazer a Reforma do Estado, essa reforma não se faz por decreto, faz-se com boas ideias, explicando tudo muito bem, criando confiança, criando perspectivas e compromissos para o futuro, mas compromissos de parte a parte. Assim, trata-se apenas de mais um jogo palaciano entre os parceiros de coligação, de tentativas de responsabilização para que ninguém saia beneficiado eleitoralmente num trabalho que à partida se sabe será muito mau. De facto, juntar o espírito contabilístico e redutor de Gaspar, com a imaginação prodigiosa de Portas, só pode dar uma obra de contabilidade criativa virtual.

Para agravar a situação, estamos todos os dias a ser confrontados com essa fraude a que chamam decisão. O que está a acontecer é que essa capacidade de decisão não passa de meros enunciados de intenção e uma coisa não tem nada a ver com a outra. Intenção é aquilo que temos tido até agora, promessas e previsões que não acontecem mas que enchem os telejornais das 20 horas e decisão é um processo com princípio, meio e fim e que só termina quando acontece o que nos comprometemos fazer.

As leis, as reformas e as propostas que pairam por aí em grande quantidade, seriam quando muito um princípio, se não estivessem a ser confundidas com um fim.

O primeiro-ministro foi claro! Está a fazer a recuperação dos erros do governo anterior, é essa a sua arma política para fazer com que a oposição perca as próximas eleições, em vez de ser ele a ganhá-las e todos podermos beneficiar com o exercício do seu governo. As eleições vão acontecendo, mas porque nada acontece? Porque também elas foram transformadas apenas num fim para os políticos…

O BANCO DA CEGUEIRA POLÍTICA: um artigo de Jorge Marques.

 

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

 

Observar e ser observado fazem parte das leis naturais, mas esse direito foi também transferido para as relações do nosso espaço público e da Sociedade. Nesse jogo de visibilidades, o pior que nos pode acontecer é ser ignorado, é não nos prestarem atenção, porque quer se queira quer não, acabamos por viver num mundo e numa realidade de percepções, sentimentos e representações.

Este tipo de direito natural e social passou a alterar-se a partir do momento em que tudo, seja no espaço público, seja na opinião pública, passou a ser mediatizado. Isto é, a realidade que nos mostram é a realidade de outros, o ser ou não ser notícia é opinião de outros, quer dizer, foi-nos roubado nesse espaço mediático o direito de ver com os próprios olhos e ao mesmo tempo de ser visto tal como somos realmente.

A partir daqui, disputa-se a atenção dos media, o ser visto, passou-se da ideia de Sócrates “Penso, logo existo” e de Damásio “Sinto, logo existo”, para o “Vêem-me, logo existo”. O problema seguinte foi que com tanta concorrência a disputar a atenção pública, esta passou a ser um bem escasso e aqui os media, mas sobretudo a televisão, transformou-se numa espécie de banco que concede créditos de visibilidade e celebridade a um conjunto restrito de pessoas. E banco nunca foi uma associação de beneficência! Poderia falar-se de que entre o grupo que é objecto especial da atenção mediática, estão os políticos, os candidatos a cargos públicos, os intelectuais mais narcisos, os próprios mediadores que alternam esse papel com o de dar opinião, os carentes de atenção e naturalmente que também gente boa, mas esses são apenas 1%. De todos, falaremos apenas do caso dos políticos.

Desde sempre, ver era um atributo dos grandes líderes, a visão esteve sempre associada ao verdadeiro poder, ou seja, aquele que se exercia e era reconhecido. Ver mais longe e o mais longe possível, era uma graduação ilimitada da qualidade dessas lideranças e aqui se formava uma espécie de raio de confiança que permitia a construção do futuro. Porque falo no tempo passado?

Porque os nossos políticos de agora entendem que governar é apenas ser visto, de tal maneira vivem essa obsessão consigo próprios, que deixaram de ver e quando não se vê fica-se cego para a realidade circundante.

A televisão, sobretudo ela, já não fala da gente importante e que tem opinião com valor, prefere ser ela a criar essa gente importante, falando dela e fazendo-a aparecer, mesmo sem a exigência de ter qualquer ideia ou opinião relevantes. E neste jogo de aparições públicas, é a quantidade e o tempo de exposição que conta.

De repente a política, neste palco televisivo, é apenas uma representação onde se pede apenas uma cara ou uma máscara e um mínimo de ideias. Já não há discussão eleitoral, não há programas, não há compromissos, apenas pequenos factos.

De repente os votos resultam das quotas de aparição nas televisões, doença que também foi transmitida à Assembleia da República onde a grande maioria das intervenções são de uma enorme pobreza de espírito. Já não nos vemos ali representados!

Com tanta preocupação pela sua própria visibilidade, os nossos políticos mostram-se incapazes de nos verem, de verem a realidade do país e nem ouvem o grito da criança quando lhes diz que o rei vai nu.

É verdade, esses príncipes mediáticos da política e das aparições televisivas estão despidos…mas já não é só da roupa! Precisamos retirá-los depressa de cena por indecente e má figura, nós precisamos de gente verdadeira!

SOCIEDADE DE MERCADO, ANÓNIMA E CIVIL: um artigo de Jorge Marques.

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

A Sociedade Anónima é, como se sabe, filha e agente legítima da actual Sociedade de Mercado, visa a procura de lucro e tornou-se senhora de quase tudo. Convém lembrar que nada tem a ver com o conceito original de mercado, aquele onde se faziam as trocas e se satisfaziam necessidades.

Na maior parte dos países a Sociedade Anónima tem personalidade jurídica, é tratada como gente, goza dos mesmos direitos e submete-se às mesmas obrigações dos seres humanos.

No entanto, há que avaliar e testar estas semelhanças! Foi o que fizeram um grupo de cineastas ao realizar um documentário a que chamaram “ A Corporação”. Partiram de uma simples pergunta:

Se a Sociedade Anónima fosse de facto uma pessoa, que espécie de pessoa seria?

Tentaram responder a esta pergunta com base no Manual de Diagnóstico e Estatística da Sociedade Americana de Psiquiatria (DSV-IV) e fizeram as respectivas comparações.

Vale a pena antecipar que entre os sete parâmetros que vamos apresentar, a Sociedade Americana de Psiquiatria considera de psicopatas ou sociopatas quem responder positivamente a pelo menos três.

A resposta cabe agora a cada um, mas no final eu darei a minha opinião. Por agora analisem apenas as comparações dessa Sociedade de Mercado e das suas Sociedade Anónimas. O que diz o Manual sobre os comportamentos de risco:

  • Incapacidade para respeitar as normas sociais que regem os comportamentos legais, indicada pela repetição de actos que são motivo para prisão;
  • Propensão para enganar, indicada por mentiras repetidas, uso de nomes falsos ou manipulação dos outros para obtenção de lucro ou prazer pessoal;
  • Impulsividade ou incapacidade para planear o futuro;
  • Irritabilidade e agressividade, indicada por brigas ou agressões frequentes;
  • Desrespeito negligente pela segurança própria e dos outros;
  • Irresponsabilidade constante, indicada pela incapacidade de manter um comportamento consciente no trabalho e de honrar compromissos financeiros;
  • Ausência de remorso, indicada pela indiferença ou pela racionalização do comportamento, depois de ter ferido, maltratado ou roubado alguém.

Penso, muito sinceramente, de que há distúrbios graves de personalidade anti-social nesta nossa Sociedade de Mercado e nos sistemas que a suportam e encontrei não três, mas seis desses sintomas.

A Sociedade Civil é, de todas, aquela que ainda mantém traços e comportamentos de normalidade humana e social, por isso a luta é desigual e não contempla possibilidades de consenso, estamos perante indivíduos e organizações que matam a frio e sem piedade.

É tempo de responder ao Ministro Gaspar que queremos regressar aos mercados, mas aos reais, aqueles onde se compra, vende e troca e não aos que visam exclusivamente a especulação e o lucro, esses são anti-sociais e precisam de internamento e tratamento urgente. Já causaram suficiente mal…precisam ser colocados no seu lugar!

E nós, Sociedade Civil, temos que estar cada vez mais atentos, unidos e mais fortes…

ACABAR DE VEZ COM ESTE CICLO: um artigo de Jorge Marques.

 

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

 

A Sociedade Civil portuguesa esteve demasiado tempo sentada na plateia, assistindo a todo o tipo de usos e abusos do poder por parte dos partidos políticos e sobretudo daqueles que nos tem governado. Da primeira á última fila dessa plateia, ouvimos o que queríamos ouvir, aplaudimos e comportámos-nos como se de um jogo de futebol se tratasse. Agora ganha um, depois o outro, fiéis ao clube, zangados e sem ir aos jogos, que o mesmo é dizer com cegueira partidária e a deixar de votar por desilusão com a política. Com tudo isto, acabámos por ser cúmplices das más governações que já vem de longe e que colocaram o país e os portugueses na situação que todos conhecemos e onde uns sofrem sempre mais do que os outros. A que assistimos nós, considerando que também houve algumas coisas positivas?

  • Cavaco aparece por acaso ou promovido por um pequeno grupo de amigos. Com a sua governação foi destruído o tecido produtivo em troca dos subsídios da Europa. As contas públicas acertaram-se mas a economia real foi destruída. Inventou-se a teoria do Oásis e foi aí que passámos a ser super-consumistas Cavaco, que consegue uma maioria absoluta, acabou por desprezar essa oportunidade e transformou-a em autoritarismo. De tabu em tabu, acabou por sair à pressa e na expectativa que o país esquecesse o mal que tinha feito. Qual foi a penalização que lhe demos? Fazer dele Presidente da República por duas vezes;
  • Guterres veio a seguir, estava lá, no lugar certo e no tempo certo, mas aproveitou uma derrota eleitoral nas autárquicas para abandonar à pressa o Governo. Qual foi o castigo? Um cargo internacional e relevante na ONU;
  • Barroso fazia a travessia do deserto, mas com esta saída de Guterres acabou por cavalgar a onda do poder. Mas não contente com isto, trocou o governo por um cargo melhor remunerado na Europa e sem tempo sequer para que houvesse eleições e fosse substituído. Deixou Santana no seu lugar;
  • Santana não chegou sequer a ser Governo, acabou demitido em pouco tempo e sem deixar obra, boa ou má, só confusão;
  • Com tanta confusão, Sócrates estava mais uma vez no lugar certo, no tempo certo e foi eleito. Também ele, com um empurrão do PR, teve que sair à pressa e demitir-se;
  • Passos, que também estava destinado a fazer mais uma travessia do deserto do PSD, acabou eleito, porque estava lá e apanhou o lugar na cadeira que Cavaco lhe ofereceu;
  • Perspectivam-se novos episódios e em tudo semelhantes.

Este espectáculo a que temos assistido não pode justificar a nossa continuada não acção, porque se ela acontecer, o futuro reserva-nos surpresas ainda bem piores.

Na verdade, o país tem sido governado por acaso, com gente que não ganha eleições por mérito próprio, não ganha eleições pelas propostas que faz ao país, pelo futuro que se propõe construir, mas simplesmente porque estava lá, na cadeira certa e o país vota sempre contra qualquer coisa. É bem patente nas campanhas eleitorais, que os próprios candidatos já nem se dão ao trabalho de apresentar propostas ao país, basta que se coloquem no lado oposto, acentuem os defeitos, os erros e as broncas dos adversários. É claro que a responsabilidade de toda esta manipulação tem a ver com os aparelhos partidários que controlam completamente o país e as nossas mentes generosas, mas adormecidas.

Esta já não é uma forma de fazer política minimamente aceitável, a prática da nossa democracia não pode continuar a ofender a inteligência dos portugueses, há um novo ciclo que é preciso exigir e que obrigue o país a escolher verdadeiros líderes para nos governarem.

É pena que os partidos não tenham consciência disso e não partam para a mesma reflexão que fizeram depois do 25 de Abril quando quiseram e bem, acabar com a tutela do Conselho da Revolução. Nesse tempo, disseram que os militares deviam regressar aos quartéis, porque o povo já tinha capacidade para se governar democraticamente através das organizações partidárias, enquanto suas representantes. É chegado o tempo de ser o povo a dizer também, que desta vez, é capaz de se governar a si mesmo e com os representantes que livre e directamente escolher. Os partidos políticos devem retirar-se para reflectir sobre os seus erros, o novo mundo, ganhar uma visão do futuro, devem fazer trabalho cívico e conhecer o país e os portugueses, para que possam regressar mais fortes e com nova legitimidade. Já são só parte do problema e não da solução.

O que se passa na nossa vida política e na nossa governação já não faz qualquer sentido. Tem que se começar um outro caminho, onde Portugal seja de todos e não apenas de uns poucos, que nem sequer são os melhores!

ENTRE A PROPAGANDA E O BOTA-ABAIXO: um artigo de Jorge Marques.

 

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

 

Parece que o país vive entre estes dois mundos, quando a mensagem não passa de propaganda dos governos, as respostas das oposições são o bota-abaixo e o inverso também é verdadeiro, acontece assim alternadamente e sem alternativas.

Mas este não é o país real, tudo só acontece porque na nossa democracia apenas os partidos políticos falam entre si e recusam-se a ouvir e perceber o país, porque a Sociedade Civil quer construção, com as diferenças, mas essa sociedade está ainda silenciosa e aprisionada. Os ecos do 15 de Setembro mal se ouvem e não foram entendidos por quem os devia ouvir!

Percebemos nos últimos dias e isso não foi negado, que Passos Coelho acelerou a queda do anterior governo com receio de que o partido corresse com ele. Assistimos todos em directo que com Seguro se está a passar a mesma coisa. Esta é a nossa alternância, são os valores aprendidos nas escolas dos partidos!

Significa que os problemas do país, os reais problemas, estão contido apenas numa perspectiva de poder individual ou de um pequeno grupo de indivíduos bem caracterizado.

Percebemos que nada do que se propõe para o país é efectivamente para o melhorar, como é o caso recente da Reforma do Estado, mas apenas para dar essa ilusão e tudo ficar na mesma. Significa que a pressa do Governo nessa Reforma do Estado é para que não se discutam as questões essenciais e que precisam de mudanças profundas, não vá o povo querer mudanças a sério! Do outro lado pergunta-se: E qual é a pressa?

De repente a Sociedade Civil começa ela mesma a ter pressa, uma espécie de inquietação e de urgência para que não sejam apenas os partidos políticos os únicos actores da nossa vida política e do nosso destino como cidadãos e como país. Pergunta porque são apenas os partidos que elaboram a Constituição, que a discutem, que a aprovam, que a aplicam, que a controlam, que nomeiam os juízes que a julgam, que a revêem…?

De repente percebemos que o Primeiro-Ministro e por consequência os governos, são o resultado de um mero bota-abaixo de circunstância, feito por meia dúzia de amigos, que todos eles se estão nas tintas para o país, para as desgraças do país, para gente destruída, arruinada, para os homicídios e suicídios resultantes da crise, para as famílias desfeitas e as vidas destroçadas, para o futuro sem esperança.

Percebemos que as eleições dos chefes dos partidos são um jogo pequenino, mas que esse jogo acaba por se tornar grande e perigoso quando essa gente assume o governo do país.

E porque é que um Primeiro-Ministro, que é coisa séria, tem que nascer desta forma sem sentido? E porque não o elegemos todos e sobre exigentes condições e responsabilidades?

OS TRÊS GRANDES PROBLEMAS DE PORTUGAL ACTUAL por João Salgueiro.

por João Salgueiro (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

Recentemente, numa reunião da PASC, o Dr. João Salgueiro, co-fundador desta Plataforma de Cidadania e representante da SEDES, apresentou os três grandes problemas que na sua opinião são hoje o maior obstáculo a que Portugal se erga da situação em que se encontra mergulhado.

 

 

 

1 · A Assembleia da República não orienta nem fiscaliza os Governos

Portugal tem hoje uma Assembleia da República que não exerce eficazmente a função de orientação e fiscalização dos Governos, função essencial numa democracia representativa. Pelo contrário, a lógica perversa que assegura a eleição dos deputados, faz depender a composição da Assembleia não tanto da vontade dos eleitores mas mais das máquinas partidárias, que decidem a selecção e ordenamento dos candidatos nos lugares elegíveis dos boletins de voto. Na prática, cria-se assim, na Assembleia da República, uma relação de dependência dos deputados face ao estado maior dos respectivos partidos, que condicionam as suas eleição e a possibilidade da reeleição. Esta realidade, agravada por círculos eleitorais em que prevalece a eleição colectiva dos deputados, torna impossível a ligação dos deputados aos seus eleitores, dificultando a eficaz representação destes no Parlamento. Dificulta, também, a responsabilização dos deputados pelo seu próprio desempenho e, indirectamente, a responsabilização dos Governos face aos eleitores. Acresce que, na realidade, apenas reduzida percentagem dos deputados tem participação activa nos trabalhos do Parlamento. Seria assim mais fácil a redução do seu número, o que tem sido anunciado como objectivo de sucessivas reformas frustradas.

2 · Peso e Ineficácia da Administração Pública

Desde o 25 de Abril de 1974 que se tem assistido a um contínuo esvaziamento de capacidades e competências técnicas por parte da Administracão Pública. Os Governos têm criado uma Administração paralela nos gabinetes ministeriais, recrutando assessores e adjuntos, aliás, com condições de privilégio em relação aos quadros da Administração Pública. Generalizou-se também a prática de recorrer a consultores nacionais e estrangeiros, desvalorizando, ainda mais, o papel da Administração Pública. No entanto, paradoxalmente, não se tem reduzido o papel da burocracia na vida dos portugueses, mantendo, quando não se tem agravado, a teia das intervenções administrativas e o peso dos impostos.

Por outro lado, assiste-se por parte dos sucessivos Governos, oriundos de diversos partidos, ao lançamento de “projectos megalómanos” com consequências pesadas para o déficit e dívida pública, hoje responsáveis por grande parte da dependência financeira face ao exterior e, em última análise, conduzindo ao agravamento da carga fiscal.

Igualmente, têm-se revelado incapacidade ou desinteresse dos Governos pelo esclarecimento da situação do País e pela explicação das políticas que defendem tornando, pois, inviável o debate nacional e a plena justificação das actuações governativas. Seja por estratégias eleitorais ou por incapacidade de avaliação das realidades criam-se, assim, graves danos para a credibilidade da sua actuação e para a eficácia das suas medidas.

3 · Incapacidade de encorajar o investimento e o emprego

Apesar dos fundos estruturais e do livre acesso ao mercado da União Europeia, Portugal não conseguiu, nas últimas décadas, convergir para os níveis de rendimento e produtividade da União.

O pedido de auxílio internacional, em Maio de 2011, confirmou a falência do modelo da política adoptado no nosso País desde finais dos anos 90. Durante mais de dez anos, procurou-se assegurar a criação de empregos, a viabilidade das empresas e a melhoria do Estado Social pelo recurso a maior despesa pública sem a correspondente base produtiva. Os resultados só podiam ser desastrosos. Portugal registou, simultaneamente, o mais baixo crescimento económico dos Países da União Europeia e o aumento insustentável dos níveis de endividamento e dependência externa.

O novo modelo só pode ser, como em outros Países, o de atrair e encorajar o investimento produtivo, nacional ou estrangeiro. No quadro mundial, para um País com a dimensão de Portugal, são praticamente ilimitados os recursos ao nosso alcance – de iniciativas empresariais, de meios financeiros e de competências técnicas. Dependem, apenas, da nossa capacidade de atracção. Nas últimas décadas, Países de diferente dimensão, como Singapura ou a China, Luxemburgo ou Alemanha têm sido capazes de o conseguir. As boas práticas que explicam esse sucesso são fáceis de transpor e têm sido, aliás, desde 1978, objecto de propostas de reformas em Portugal, consideradas como urgentes mas sempre adiadas: justiça pronta; fiscalidade reduzida e estável; burocracia limitada; recursos humanos motivados e qualificados.

As alterações necessárias estão ao nosso alcance e não são maiores do que as que foram asseguradas para a nossa integração no espaço da EFTA e, mais tarde, no espaço da CEE. Conquistar posições nos mercados internacionais é hoje a resposta necessária, como em outras épocas objectivamente mais difíceis. Mas a sociedade portuguesa, tradicionalmente pouca empreendedora, associa ainda frequentemente uma carga negativa ao sucesso empresarial. Os empreendedores defrontam forte inércia social mas sem o reconhecimento público da necessidade e urgência de encorajar o investimento produtivo, não é viável garantir as condições que o tornam possível.

Reconversões culturais e políticas bem mais difíceis, para assegurar capacidade de concorrência nos mercados mundiais, foram conseguidas mesmo em Países que mantiveram Governos comunistas. Mas sem verdadeira compreensão dos desafios internacionais que hoje defrontamos, não seria fácil a mudança de atitudes e a reforma das instituições e das políticas indispensável para vencer os desafios actuais e criar nova capacidade de investimento, de criação de empregos e de garantia do modelo social.

REFORMA DO ESTADO – O FUNDO E A FORMA (DESASTRADA): um artigo de José Eduardo Garcia Leandro.

por José Eduardo Garcia Leandro (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

A Reforma do Estado é algo de tão indispensável e vital que muita gente a tem pedido ao longo dos anos; o atual Governo, embora cheio de todo o tipo de dificuldades resolveu lançar mãos à obra. As palavras jusficativas do Primeiro Ministro pareciam apontar para algo de sério e rigoroso, o que foi um grande logro.

Uma Reforma séria demora anos a fazer para ter sucesso e é preciso contar com muitos nacionais que conheçam bem a máquina do Estado, nas suas diferentes componentes (não se faz com visitantes estrangeiros). Acresce que o convite à Sociedade Civil deveria ter sido feito também a diferentes associações existentes e não apenas a especialistas escolhidos a dedo a quem não foi dada toda a informação, nomeadamente o limite de um mês para justificar o corte de 4 mil milhões de euros para dar cobertura a medidas já decidididas e o envolvimento pessoal de Carlos Moedas como responsável por tal dita Refundação (decisão inacreditável).

Fui convidado para integrar o Painel de Segurança e Defesa, com informação limitada, e só pelo Expresso de 5 de Janeiro tomei conhecimento de todo o enquadramento e objetivos; em consequência devinculei-me rapidamente, já que eu (e tantos outros) apenas serviriamos para ser manipulados e utilizados. Foi difícil reunir os Painéis por recusas e algumas desistências, já que qualquer adulto responsável sabe que este processo não se resolve num mês como se fosse um tsunami; com a excepção de alguns rapazolas convencidos que são deuses, ou talvez Robespierre, que acabou mal.

Neste campo o Governo dá os sinais mais contraditórios, transmitindo a sensação de completa desorientação e falta de qualquer Estratégia; assim, acumulam-se documentos como o projeto do CESDN – Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional (documento Fontoura, de grande qualidade e que vai ficar numa gaveta), as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional (que seguiu para Pareceres na Assembleia da República, e que seria o grande enquadramento da versão final do CESDN, a aprovar em Conselho Superior de Defesa Nacional), a proposta Moreira da Silva sobre o crescimento económico e o badalado texto do FMI que (encomendado e com muitos erros) vai em sentido contrário de todos os outros. Relativamente a este houve uma fuga e quando surgiu pela primeira vez ainda nem completo estava; teve de se pedir ao FMI que o acabasse à pressa para que o incomparável Carlos Moedas o fosse justificar entusiasticamente nas televisões.

Nem vale a pena falar nos Orgãos de Comunicação Social; podem ser feitas todas as reuniões à porta fechada, mas, nestes casos, não se convidam os Orgãos de Comunicação Social.

Com este historial, alguém pode acreditar que se pode fazer um trabalho sério?

Entretanto, Vitor Gaspar domina o Governo e a sua preocupação na crise concentra-se exclusivamente na frente externa; o que se passa com os cidadãos na frente interna não é seu problema.

Nestes moldes o Primeiro Ministro (que deveria ser o grande decisor e integrador equilibrado) nunca vai encontrar o apoio de qualquer Sociedade Civil ou cidadão minimamente responsável, ou de outro modo: o que será preciso fazer para que quem rodeia o Primeiro Ministro execute o seu trabalho com rigor, honestidade e profissionalismo.

O Estado tem uma ética e não serve para rapaziadas.

O modo como se processou esta Conferência no Palácio Foz integra todos os ingredientes de como estas ações não devem ser feitas; esperemos que tenham aprendido alguma coisa e Carlos Moedas tem muito a aprender.

Lisboa 16 de Janeiro de 2013.

"PARA ACABAR DE VEZ COM A LUSOFONIA"?! RESPOSTA A ANTÓNIO PINTO RIBEIRO: um artigo de Renato Epifânio, Presidente do MIL.

por Renato Epifânio (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

A 18 de Janeiro de 2013, publicou António Pinto Ribeiro (APR), no Suplemento Ípsilon (pp. 38-39) do Jornal Público, um texto intitulado “Para acabar de vez com a lusofonia”, que, alegadamente, tem sido “alimentada pela esquerda mais retrógrada e pela direita mais nacionalista e nostálgica do império”.

No seu manifesto anti-lusófono, APR consegue até a proeza de apresentar o Ultimato Inglês de 1890 como um acto anti-colonialista – quando se tratou, tão-só, da afirmação (vitoriosa) do colonialismo inglês sobre o colonialismo português –, isto para além de caricaturar o pensamento de Gilberto Freyre (que, alegadamente, “nunca vira sinais de tensão no multi-racialismo”) e de diabolizar a colonização portuguesa, como se a “expressão da barbárie” tivesse sido a sua única face.

Tudo isto para concluir que a lusofonia é um “logro”, uma “forma torpe de neo-colonialismo”, a “última marca de um império que já não existe”. Tal virulência “argumentativa” só se destina, porém, aos portugueses – já que, alegadamente, “os portugueses valorizam-na [a lusofonia], os africanos rejeitam-na”. Na sua virulência sectária, APR acaba pois por atirar sobre si próprio, renegando-se como português.

Para o evitar, ainda que correndo o risco das generalizações, bastaria salvaguardar que “em geral…”. O problema é que nem sequer isso é verdade. Conforme pode ser confirmado por pessoas que sabem do que falam quando falam de lusofonia (como, por exemplo, o Embaixador Lauro Moreira, que trabalhou longos anos na Missão Brasileira da CPLP – Comunidades dos Países de Língua Portuguesa), esta é cada vez mais valorizada – não só pelos portugueses, mas também pelos africanos dos países de língua oficial portuguesa, não esquecendo o Brasil e Timor-Leste.

Timor-Leste, de resto, é, provavelmente, o país que mais valoriza, para desgosto de APR, a lusofonia. Por razões óbvias: se Timor-Leste conseguiu resistir à ocupação indonésia, mantendo a sua autonomia cultural, e, depois, aceder à independência política, foi, em grande medida, por causa de tão maldita palavra: lusofonia. Não decerto por acaso, as autoridades timorenses fizeram questão de consagrar o português como língua oficial do país, e não o inglês, como pretenderam (e pretendem) a Austrália e outros países anglófonos. A razão é simples: Timor-Leste sabe bem que a lusofonia é a melhor garantia do seu futuro político.

Bastaria o exemplo timorense para afirmar a lusofonia como factor de libertação e não de opressão, como pretende APR. Mas vamos aos PALOPs: Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Se, como pretende APR, a língua portuguesa é a memória viva da “violência dos portugueses sobre os africanos”, por que estranha razão nenhum desses países renegou a língua portuguesa como língua oficial? – antes, pelo contrário, tudo têm feito para sedimentar a língua portuguesa em cada um desses países. Será porque continuam a ser “colonialistas”?? Ou serão apenas masoquistas??? Decerto, não é porque valorizem a lusofonia – já que, não o esquecemos, por uma qualquer “excepcionalidade mítica” que nos transcende, “os africanos rejeitam a lusofonia”.

E passemos ao Brasil – segundo APR, “Lula da Silva, enquanto Presidente do Brasil, estabeleceu parcerias económicas Sul-Sul com a maioria dos países subsarianos. Para esta estratégia, a lusofonia pouco importou”. Para azar de APR, não há muito tempo, o Embaixador brasileiro Jerónimo Moscardo, na insuspeita Fundação Mário Soares, esclareceu precisamente que assim não é, na sua conferência “Agostinho da Silva e a política externa independente do Brasil”. De resto, como APR sabe ou, pelo menos, deveria saber (mas, estranhamente, não refere), Agostinho da Silva foi, em Portugal e no Brasil, onde foi assessor do Presidente Jânio Quadros, o grande prefigurador de uma comunidade de língua portuguesa [Como chegou a dizer, em entrevista ao JL (15.09.1986): “Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa, política essa que tem uma vertente cultural e uma outra, muito importante, económica”].

Temos plena consciência que há muita gente que, no que concerne à lusofonia, apenas valoriza a dimensão económica. Mas isso, por si só, não desqualifica a lusofonia – também, entre nós, houve muita gente a valorizar a Europa por causa dos famosos “fundos”. Pertinente referência, esta – tanto mais porque APR, falando do “estilhaço da lusofonia”, não fala uma única vez da Europa, do Euro ou da União Europeia. Compreende-se bem porquê tão gritante omissão: é precisamente face ao estilhaço (este sim, real) da União Europeia que cada vez mais portugueses compreendem que foi um colossal erro estratégico termos, durante décadas, desprezado os laços com os restantes povos lusófonos. Isso fragilizou, em muito, a nossa posição no plano global e na própria União Europeia – onde estamos, cada vez mais, numa posição subalterna.

Face ao estilhaço (este sim, igualmente real) da globalização, o que acontecerá naturalmente, por mais que isso desgoste os arautos do pós-modernismo, é que os países se religarão com base naquilo que de historicamente há de mais sólido: as afinidades linguístico-culturais. Nessa medida, também para Portugal a lusofonia é a mais sólida garantia do seu futuro: cultural, económico e político. Não perceber isto é não perceber nada. A lusofonia não é pois uma excrescência do passado mais o fundamento maior do nosso futuro. Um fundamento firme: sem escamotear a violência da colonização portuguesa – não há colonizações não violentas –, a verdade, que pode ser confirmada todos os dias, é que a relação que existe entre o povo português e os outros povos lusófonos não é equiparável a relação que há entre outros povos ex-colonizadores e ex-colonizados. Não perceber isto é não perceber nada. Mesmo nada.

De uma forma paternalista (para não dizer neo-colonialista), APR pretende aconselhar os outros povos lusófonos a renegarem a lusofonia, como se eles não pudessem escolher qual o melhor caminho para o seu próprio futuro – como até APR já percebeu, a lusofonia é, cada vez mais, essa escolha. Daí, de resto, o tom virulento do artigo – se a lusofonia fosse algo assim tão estilhaçado… Apenas num ponto damos razão a APR: “os portugueses não têm nenhum atributo de excepcionalidade mítica”. Ou seja, o nosso futuro enquanto país não está garantido. Mas isso, precisamente, só reforça a importância desse caminho que se cumprirá pela simples mas suficiente razão de que interessa a todos. Como aconteceu no caso timorense. Como, apesar de tudo, acontece com a Guiné-Bissau – se esta tem futuro, é porque há uma comunidade lusófona que está disposta a fazer algo (ainda que, até ao momento, não o suficiente). Como acontece também, enfim, com Portugal – no beco sem saída da troika, a lusofonia é, cada vez mais, a nosso único caminho de futuro. Pena que APR não o perceba.

QUEM QUER MATAR A SOCIEDADE CIVIL?: um artigo de Jorge Marques.

 

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

 

Primeiro foi Moreira da Silva, um vice-presidente do PSD, que decidiu reunir um conjunto de pessoas do seu partido à volta do tema do Crescimento Sustentado. Produziu trabalho e reflexão e chamou a isso ouvir a Sociedade Civil!

Depois foi Moedas que no antigo SNI junta igualmente um conjunto de secretários de estado, ex-governantes, uns amigos mais próximos para discutir a Reforma do Estado. Também ele disse que estava a ouvir a Sociedade Civil!

Surge agora uma Comissão Parlamentar formada pelos partidos do governo e a que a oposição se recusa participar, também para discutir a Reforma do Estado. Para não ficarem a falar sozinhos, os partidos do governo vão certamente juntar alguns académicos amigos. Uma vez mais surgirá o título de que estamos a ouvir a Sociedade Civil!

Nas próximas eleições autárquicas os partidos, mas sobretudo os partidos do governo, vão inventar uniões com associações da sociedade civil geridas pelos seus militantes e vão aparecer com outro rosto e com as mais bizarras e heróicas coligações! Uma vez mais a bandeira da Sociedade Civil vai aparecer!

Suponho que o mesmo irá acontecer nas próximas legislativas e presidenciais.

De repente e como que por magia, os partidos políticos vão desaparecer de cena e deixam o odioso para a Sociedade Civil, sociedade que sempre desprezaram e afastaram de qualquer tipo de participação política. Com tanta fartura de Sociedade Civil é caso para desconfiar, sobretudo vindo de quem vem e espera-se que não se caia na armadilha que está montada para que alguns dos movimentos da Sociedade Civil avancem no sentido de serem eles mesmos os novos partidos e morrerem na praia.

Mas alguma coisa tem que ser feita!

Talvez começar por dar sentido ao conceito de Cidadania, porque ele tem sido apresentado como muito genérico, tal como acontece com a ideia de mudança, representatividade, participação, responsabilidade política e outros que por agora não querem dizer nada.

Talvez deixarmos de ser consumidores, em tudo, para passarmos a ser Cidadãos exigentes e não dependentes.

De uma coisa não nos podemos esquecer neste momento, é que ao longo da história muitos regimes repressivos esconderam-se por detrás da Cidadania, da Sociedade Civil e falaram em nome dela… muitos ditadores fizeram o mesmo.

Sociedade Civil, Cidadania tem que ter alguma coisa de Moral e de Autêntico… as pessoas tem que sentir que é diferente dos partidos e dos mercados… é mesmo um problema de Confiança!

CIDADANIA ATIVA EM CONTEXTO EUROPEU: a Coordenadora da PASC, Maria Perpétua Rocha, em entrevista à revista Família Cristã, no âmbito de 2013 – Ano Europeu do Cidadão.

Maria Perpétua Rocha, Médica, Coordenadora da PASC – Plataforma Activa da Sociedade Civil, Fernanda Freitas, Jornalista, responsável pelo programa Sociedade Civil na RTP 2 e Luiz Sá Pessoa, Chefe da Representação da Comissão Europeia em Portugal, falam, com a Jornalista Imelda Monteiro da revista Família Cristã, sobre a importância do Exercício da Cidadania enquanto garante da Justiça e Equidade, Pilar Fundamental de uma Sociedade em que a «Causa de Todos deve ser o Bem Comum».

 

 

OS MEUS VOTOS PARA 2013: um artigo de Jorge Marques.

 

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

 

Recordo-me de que há cinquenta anos, nos corredores do meu Liceu, estavam espalhadas pelas paredes e devidamente encaixilhadas, uma série de frases célebres de um famoso político da época e que se chamava António Salazar.

Recordo-me de uma dessas frases em especial, nunca a esqueci e confrontei-me com ela em momentos vários da minha vida e esteve muito presente na minha cabeça em todo o ano de 2012. Era assim:

“Se soubesses o que custa mandar, preferias obedecer toda a vida.”

Queria-se com isto dizer, para além de outras mensagens subliminares, que o trabalho de mandar politicamente era árduo, difícil e que o de obedecer era bem mais fácil e aconselhável.

Não discuto o tempo, o contexto, o regime em que foram proferidos tão lapidares pensamentos, mas custa-me ver que isto tenha acabado numa espécie de estigma que nos marca ainda hoje, numa espécie de preconceito que afasta o cidadão da sua participação na política e que isso continue a ser sustentado por aqueles que dizem que mandam.

Na verdade, a maioria dos cidadãos portugueses continua a alimentar a ideia de que a política em geral e a governação em particular são tarefas exclusivas dos políticos, limitando a sua participação ao voto e mesmo aí, cada vez em menor número. De tal forma, que há muitas associações, com os mais diversos fins, que são organizações da sociedade civil, que deveriam dar um contributo político para a Sociedade, mas que retiram das suas agendas, tudo o que cheirar a política, com a mesma justificação do antigamente… Nós não discutimos política, isso é com eles, agora isto quer dizer os partidos políticos. E com esta atitude de auto-exclusão por parte dos cidadãos e das associações da sociedade civil, o país foi sendo entregue a quem não soube mandar e cujos resultados estão á vista.

Continuamos a não saber distinguir que o estatuto dos que mandam vale muito pouco e que esse valor só se torna autêntico em função da forma em como se manda, vem do exercício de uma liderança efectiva, vem do que se faz e não do cargo que se exerce.

O respeito pelos cargos do Presidente da República, do Primeiro-Ministro, Ministro, Deputado não são devidos a uma cadeira vazia ou mal ocupada, mas a alguém que nesse cargo o desempenhe com competência, ética, respeito pelo país e pelos cidadãos que representa. E isso requer uma avaliação e participação constantes e não apenas um voto nos actos eleitorais.

Essa avaliação, respeito e aceitação vem do povo, dos que beneficiam ou são prejudicados pela acção dos titulares desses cargos e não através do auto-elogio dos que os exercem.

É importante que fique claro que o poder, quem manda em democracia, é o povo e que quem serve são todos os detentores dos cargos públicos sem excepção. É isso que distingue o regime democrático do outro de antigamente.

Porque sabemos o que custa obedecer, quando os nossos políticos não sabem mandar, vamos preferir ser nós mesmos a fazer esse trabalho, por mais difícil que isso seja!

Vai ser esta a nossa conclusão e o texto para os cartazes que temos que espalhar por toda a parte.

São os meus Votos para 2013!

O PROBLEMA DO FINANCIAMENTO E SOBREVIVÊNCIA DAS ASSOCIAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL em 2013: um artigo de Rui Martins.

por Rui Martins (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

Rui_Martins

Em 2013, as associações em Portugal, sejam elas humanitárias, culturais ou cívicas, vão enfrentar um tremendo desafio que acabará por ditar o fim a muitas delas. Não sabemos quantas das cerca de quarenta mil associações continuarão a existir no final de 2013, mas sabemos que serão muito menos que aquelas hoje existem.

Em consequência desta redução, Portugal  – que já tem hoje dos mais baixos índices de participação cívica e associativa do mundo desenvolvido – ficará ainda mais pobre. As funções sociais cumpridas pelas associações humanitárias, de solidariedade social e culturais não poderão ser compensadas por um Estado que por pressão dessa torpe “União Europeia” parece apenas obcecada com o nosso empobrecimento coletivo.

O próximo ano será um ano fatal para muitas associações portuguesas.

Pressionadas por cinco frentes, muitas não irão sobreviver:

  1. Perda de sócios · Em Portugal sempre existiu um baixo nível de participação associativo, mas agora, a redução demográfica, a demissão voluntária da vida pública por parte de muitos cidadãos e de quase todos os jovens parece maior do que nunca. Uma Sociedade Civil amorfa, desorganizada e em severa erosão abre espaço a todo o tipo de abusos por parte do Poder Político representativo e do Poder Económico. Sem associados, não podem existir associações e sem associações não pode haver uma Sociedade Civil organizada que possa constituir-se como contrapoder a toda a sucessão de abusos que os austeritários do Poder lançam sobre nós.
  1. Sócios que não podem pagar quotas · Num país onde o desemprego já alcança mais de 1.2 milhões de cidadãos, é evidente que a capacidade para continuar a pagar quotas ou para aderir e contribuir para novas associações é muito limitada. Imersos num mar de dificuldades financeiras, os portugueses cortam todas as despesas não essenciais e entre estas estão, naturalmente, as quotas das associações. Em consequência, muitas associações sofreram nos últimos anos uma compressão drástica do seu principal financiamento e navegam hoje claramente abaixo da linha de água, arriscando um afundamento definitivo a muito curto prazo, a menos que algo venha inverter radicalmente a situação nos próximos meses.
  1. Depressão coletiva · Em virtude de uma sucessão interminável de cortes, de camadas sucessivas de novos impostos, de desvios constantes às previsões e de erosão da rede social de apoio do Estado, instalou-se (muito por culpa de um discurso catastrofista do regime) uma autentica depressão coletiva que paralisa a vontade individual em participar ativamente na Sociedade Civil e na efetiva recuperação económica do país. A depressão (pela via do desemprego galopante, da eternização da recessão e do aumento brutal da fiscalidade) arrasta os cidadãos para a bovinidade. Empurrados pelo medo (do desemprego, de perseguições policiais caso apareçam em manifestações, da perda de rendimentos devido à fiscalidade desbragada, etc.), os cidadãos eclipsam-se da vida cívica. Com esta demissão coletiva, perdem as associações e com elas perde vida a Sociedade Civil. A passividade, o bovinismo, o abstencionismo instalam-se, propulsados pela Depressão coletiva que se instala de forma duradoura entre nós.
  1. Fim ou redução drástica de subsídios · Para o exercício das suas funções sociais, humanitárias ou culturais, muitas associações recebiam contributos na forma de subsídios. Nos últimos dois anos registou-se uma queda brutal neste tipo de ajudas estatais, entre os vinte e os sessenta por cento; em consequência, e num contexto de severa redução de pagantes de quotas e de recessão (que reduziu os proveitos de atividades “comerciais” que exercem algumas associações), muitas associações vivem hoje em graves dificuldades. Aquelas associações que empregam colaboradores (estima-se que a Economia Social tenha mais de cem mil empregos) têm dificuldades crescentes em pagarem estes salários, já que boa parte era proveniente precisamente desses subsídios que agora o Governo Central e os municípios reduziram a um mínimo absolutos.
  1. Propostas para que as quotas passem a pagar IVA · Além de todas estas dificuldades (erosão demográfica da base associativa, redução das quotas, compressão dos subsídios, depressão coletiva) paira sobre as associações uma ameaça ainda maior: insaciável na sua voracidade para aumentar a base fiscal do orçamento, pondera-se em círculos próximos do Governo a introdução do pagamento do IVA nas quotas pagas pelos associados. A confirmar-se, este ataque sem precedentes à Sociedade Civil organizada terá consequências trágicas num tecido associativo já muito ameaçado pelos problemas acima listados. Queremos crer que ainda resta alguma racionalidade neste governo tão empenhado em ir “além da troika”, “custe o que custar”, empobrecendo sempre mais e mais este país, na mira apenas de exílios dourados em Bruxelas ou no FMI para os seus dóceis executantes. Queremos crer, mas duvidamos da racionalidade dessa crença.

REFUNDAR A AUTENTICIDADE DOS ORGÃOS DE SOBERANIA: um artigo de Jorge Marques.

 

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

 

Pensávamos nós que a figura do Presidente da República era o garante da defesa da Constituição e o Provedor do Povo, mas isso não pode resumir-se a palavras ou boas intenções, tem que ter expressão prática e autêntica. O que é que eu quero dizer com isto?

Se um Presidente da República, que avisou que estava a socorrer-se da opinião de especialistas, que não admitia pressões na sua posição sobre o Orçamento, decide ter dúvidas e enviar para o Tribunal Constitucional esse Orçamento, então o assunto reveste-se de alguma gravidade e de eventual e potencial prejuízo para o país e para os portugueses.

Que mesmo assim decida promulgar tal Orçamento, já se compreende menos, porque a aplicação do Orçamento pode de facto prejudicar, destruir, matar, levar à falência, levar à pobreza, destruir famílias e outras consequências negativas para os cidadãos, para o país e ele sabe isso. A promulgação e envio para o TC, corresponde a um lavar de mãos e de responsabilidades a que nenhuma explicação pode dar verdadeira resposta.

O TC decidirá em seis meses porquê? Não podem ser seis dias, porquê? Nada justifica o arrastar da decisão, a não ser uma vez mais o lavar das mãos e das responsabilidades, porque quando ela chegar já será tarde para a impedir. Infelizmente ainda está na nossa memória o mau exemplo do ano passado.

No final o Presidente da República dirá que avisou e cumpriu a sua missão, o Tribunal Constitucional que julgou dentro das suas competências e dos prazos previstos, o Governo que fez o seu trabalho e se sujeitou às regras da democracia. Os atingidos negativamente por estas medidas não irão poder sequer reclamar, aqueles que não sobreviverem a esta Acto muito menos. Cumpriu-se a democracia!

Como é que tudo isto é possível, que democracia é esta onde medidas inconstitucionais de um Orçamento e de um Governo não têm qualquer consequência e acontecem segundo a sua exclusiva vontade? Como se chama uma democracia onde apenas funciona a vontade do governo e não há mecanismos para impedir os seus abusos? Não foram os erros dos sucessivos governos que nos trouxeram a esta triste situação?

Refundar o Estado começa por aqui, começa no exercício pleno das competências dos Órgãos de Soberania que custam caro ao país e aos contribuintes e que existem para decidir em situações difíceis como esta.

Aquilo que me fica depois de tudo isto, é que há muita falta de verdade e de autenticidade nos principais suportes do nosso Sistema Político e que o poder político terá que regressar de novo à sua fonte, ao povo, para que se renove e faça novas delegações ou melhor, para que este se refunda.

O problema é que no dia seguinte tudo continua na mesma, como se nada tivesse acontecido!

A OLÍVIA COSTUREIRA DO PSD: um artigo de Jorge Marques.

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

 

Existem no PSD duas caricaturas das chamadas Olívia-Patroa e da Olívia-Costureira e que são Passos Coelho e Moreira da Silva.

O primeiro, qual cigarra, tem a missão histórica do contabilista e cobrador de impostos que nos explora em nome dos nossos bárbaros credores, o segundo é assim uma espécie de formiguinha trabalhadora, qual aranha, que vai tecendo a sua teia.

Sou claramente adepto do Formiga e só me irrito com ele quando quer fazer passar a sua Plataforma para o Desenvolvimento Sustentável, como se de uma organização da Sociedade Civil se tratasse. Sou adepto porque alguém tem que falar de futuro.

E irrita-me porque um conjunto de eventuais boas ideias, que em breve serão apresentadas num relatório público, não precisa de começar com golpes de teatro e de pequenas mentiras tipo Gaspar.

Não é Sociedade Civil porque quer o seu líder, quer a maioria dos seus quatrocentos membros que elaboraram tal relatório, fizeram um trabalho para o PSD, são militantes ou simpatizantes do PSD, são candidatos às vagas de próximos governos e cargos públicos e muito legitimamente investem no seu futuro pessoal.

Uma Plataforma, verdadeiramente da Sociedade Civil, porque as conheço, não tem este espaço mediático seja na televisão, seja em páginas inteiras dos jornais de referência. A verdadeira Sociedade Civil, aquela que luta pelo bem comum, nem sequer é notícia, não gostam dela, porque não tem o rosto mediático de nenhum político candidato a qualquer coisa. Mas isso não é da responsabilidade de Moreira da Silva!

A nossa Olívia-Costureira é certamente um bom candidato á Presidência do PSD, é certamente um bom candidato a Primeiro-Ministro, tem certamente gente muito capaz neste Grupo dos 400, mas não precisa de apresentar-se coberto de véus, fingindo ser o que não é, o PSD é apenas uma pequeníssima parte deste país e não pode falar em nome dele.

Mas o relatório que em breve dará á luz e que terá boas ideias, não é o fim do caminho, porque então seria apenas mais um dos muitos relatórios a que já nos habituámos. O relatório que vai ser apresentado, até porque contém o trabalho de tanta gente, merece muito mais do que as 24 horas de sucesso mediático e umas quantas apresentações público/privadas. Tanto trabalho assim, não é o fim de nada, mas apenas o começo de qualquer coisa, que só o será, se tiver alguma consequência prática.

As minhas expectativas, até porque gosto das Olívias Costureiras, são as seguintes:

  • Que se reconheça já, que este governo está esgotado de soluções há muito tempo, que apenas se arrasta;
  • Que este relatório, que não é ainda para a Sociedade, sirva para a candidatura de Moreira da Silva a Presidente do PSD no seu próximo e extraordinário congresso;
  • Que essa candidatura, com este programa, sirva para o eleger como Primeiro-Ministro;
  • Que, ao contrário dos seus antecessores, ele cumpra esse programa e que quando tiver que o contrariar, recolha a legitimidade democrática para o fazer.

 

Espero sinceramente que a divulgação deste trabalho de 400 pessoas, independentemente das suas motivações, não sirva para confundir, para limpar ou fazer esquecer os sucessivos erros do actual governo e se chame a isso fazer política.

É apenas o princípio de um processo que só chega ao fim, só valeu a pena, se tiver consequências e não se consumir nos media.

ESQUERDA E DIREITA, CONCEITOS OBSOLETOS E BLOQUEADOS: um artigo de Rui Martins.

por Rui Martins (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

Rui_Martins

Não é sem razão que se fala hoje de “pensamento único”. A chamada “esquerda moderada”, espaço político e parlamentar que em Portugal é preenchido pelo Partido Socialista, de facto, assumiu como suas as principais causas do neoliberalismo, a partir da década de 90, e quando esteve no governo, em Portugal e no resto da Europa, optou por ter uma ação não muito diversa da dos seus clássicos oponentes políticos, situados imediatamente à direita do espectro político.

Esta conformação da “esquerda democrática” esvaziou a sua ação como alternativa de governo, para além de um malsano e vazio “rotativismo” democrático, de escasso valor prático e efetivo. Com este posicionamento, tornou-se também muito difícil uma aproximação às esquerdas mais “radicais” e, logo, eliminou-se a capacidade para erguer uma “frente popular” capaz de se contrapor a alianças mais fáceis e fluidas entre os partidos de direita e centro-direita.

Mais à esquerda, pelas bandas da extrema esquerda, parece enclausurada uma lógica estéril de protesto, sem preocupações práticas ou sem buscar a necessária aproximação ao centro-esquerda que é necessária para construir uma alternativa de governação à esquerda.

A Esquerda está, assim, bloqueada, sem respostas nem credibilidade para lograr recolher maiorias eleitorais, já que está comprometida com governações muito semelhantes àquelas do centro-direita ou se fechou em estéreis partidos de “contestatários profissionais”. A democracia carece de renovação e esta, aparentemente, não pode brotar nem nos partidos de Direita (demasiado enfeudados aos Grandes Interesses do Capital e da Especulação), nem dos partidos “de protesto” da extrema esquerda, nem dos descaraterizados partidos da “esquerda democrática”. A saída para este encravanço passa, assim, por uma resposta transversal, não tecnocrática mas cidadã, que recolha as melhores propostas e ideias de onde quer que elas venham, sem pudores ou complexos ideológicos e que reforce sempre e constantemente a vertente da cidadania e da democracia participativa.

ENTRE A DITADURA DOS MERCADOS E A NOVA REVOLUÇÃO DO PROLETARIADO: um artigo de José Eduardo Garcia Leandro.

por José Eduardo Garcia Leandro (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

Portugal encontra-se no centro de uma tempestade político-económico-social; não foi nada que não tivesse sido previsto. A falta de reformas estruturais sérias e atempadas e erros de gestão confluíram com a grande crise financeira mundial iniciada em 2008.

Do choque dos dois grandes sistema políticos dominantes no século XX (capitalismo e comunismo) resultou a queda do comunismo e da sua Pátria (URSS) e o regresso arrogante do capitalismo selvagem.

A Europa tinha descoberto a social-democracia e vindo a construir progressivamente a mais inteligente solução de convivência pacífica e de desenvolvimento da sua história, com um modelo social próprio. A União Europeia conseguia fazer conviver a economia de mercado com os direitos humanos e sociais dos trabalhadores e foi-se tornando um pólo de atração para todos os vizinhos, ao mesmo tempo que ia enriquecendo e aumentava a sua influência mundial.

Porém, ocorre que o modelo social europeu necessita de Estados ricos, o que com a globalização da informação, da tecnologia e do comércio tem vindo a diminuir, pois há mais competidores no mercado; os Estados Europeus têm economias a caírem e já têm dificuldades para manter o seu modelo social intocável.

A ditadura dos mercados, os problemas económicos, a deslocalização das empresas e o aumento do desemprego têm vindo a criar o desespero na população, o que a pode tornar fácil presa dos extremismos à solta.

Os ideólogos do actual Governo criam que tudo se resolveria rapidamente acertando as contas do Estado e que o mercado se autoregularia; enganaram-se várias vezes e população vê a economia agonizar e o desemprego disparar como nunca.

Foram dados assim pretextos aos ideólogos dos vários comunismos (existentes em Portugal) para voltarem à imposição so seu velho sonho, agora acreditando que tal é verdadeiramente possível à escala mundial. Afinal, Marx sempre teria razão. A fraqueza da situação económica americana e europeia recriou essa ambição e apostam no quanto pior, melhor.

Assim, usarão todos os meios para abaterem o actual Governo e não irão dar tréguas; ocorre que os grandes poderes não estão habituados a perder e, se necessário, a guerra será uma solução (a reeleição de Obama pode adiar esta opção); os velhos inimigos geopolíticos (Rússia e China) são agora os competidores, mas com a nuance de terem um forte capitalismo de Estado com mais sucesso que as democracias ocidentais.

Falharam rotundamente os líderes europeus e os portugueses.

Existe na União Europeia e em Portugal algum poder político e económico que nos faça saír desta situação de esvaziamento progressivo, a caminho do zero?

Creio que não! Os Partidos do arco governamental não se entendem. Preparemo-nos para o pior! Entre outros, Portugal pode ter sido eleito como campo de uma batalha especial.

Lisboa, 15 de Novembro de 2012.

PROPOSTA PARA UMA SEMANA DE TRABALHO DE 4 DIAS: um artigo de Rui Martins.

por Rui Martins (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

Rui_MartinsNos EUA, começam a multiplicar-se os exemplos de empresas que estão a mudar a sua semana de trabalho para apenas quatro dias úteis. E não se tratam de semanas de quatro dias e quarenta horas de trabalho, mas de semanas de 32 horas, ou seja, optando de forma consciente e voluntária para menos (e não mais) horas de trabalho.

A maioria optou por deixar de trabalhar à sexta-feira, mas algumas deixam ao critério do trabalhador a escolha do dia de semana mais conveniente.

A vantagem mais notória que estes empresários experimentam com a adoção de semanas de quatro dias é a melhoria significativa da qualidade do trabalho produzido: com menos tempo para trabalhar, há uma inclinação natural para desperdiçar menos tempo e o foco naquilo que é mais importante torna-se decisivo. A constatação é de que menos tempo, produz mais qualidade.

Mais tempo livre implica melhor qualidade de vida, menos absentismo (com a possibilidade de usar um dia na semana para tratar de assuntos pessoais), mais atividade e negócio para as atividades comerciais da comunidade onde se inserem estas empresas, menos custos operacionais, mais satisfação pessoal, realização humana e familiar e, decorrentemente, mais produtividade, menos desperdício e mais lucros para as empresas que adotam as semanas de quatro dias.

DO FEDERALISMO: O SOL NA EIRA E A CHUVA NO NABAL: um artigo de Renato Epifânio.

por Renato Epifânio (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

Causou brado, uma vez mais, a enésima declaração das autoridades alemãs, segundo as quais “a Alemanha não aceita mais financiamento a países sem fortes condições e perda de soberania”.

É extraordinário que mesmo algumas vozes assumidamente “federalistas” reajam com tanta indignação com a perspectiva de mais “perda de soberania”.

 
Extraordinário mas não surpreendente – é, de resto, por isso, que em Portugal é impossível qualquer debate público claro e consequente. Qualquer debate se transforma, mais cedo ou mais tarde, num jogo de sombras…

O debate em torno do federalismo europeu é um excelente exemplo disso. Grande parte da nossa classe mediática (ou seja, da nossa classe política e jornalística) assume-se, cada vez mais, como “federalista”. O argumentário, qual mantra, é sempre o mesmo: “só o federalismo pode salvar a Europa e Portugal”.

Não vamos agora discutir essa posição – já por várias vezes defendemos que, mesmo admitindo que o federalismo fosse desejável, ele não é de todo possível.

 
A Europa é demasiado diversa para ter um futuro político unificado a esse ponto. Essa diversidade é, de resto, a nosso ver, a nossa maior riqueza. Talvez na Idade Média – em que, para além de tudo o mais, havia uma mesma língua dominante e uma mesma religião hegemónica – isso tivesse sido possível. No século XXI, não vale a pena alimentar mais essa ilusão.

Mas para quem ainda a alimenta, exige-se o mínimo de coerência. Não se pode defender ao mesmo tempo o federalismo e ser contra as consequências necessárias de todo o processo federalista. Há, decerto, muitos modelos – mas não há nenhum em que não ocorra “perda de soberania”. Por mais que se deseje sol na eira e chuva no nabal, não há milagres. É pois tempo de falarmos de forma clara e consequente. Até porque esse eventual passo só será possível com um Referendo: o tal Referendo sobre a Europa tantas vezes prometido.

O CEN – CONCEITO ESTRATÉGICO NACIONAL, SUA NECESSIDADE E DIFICULDADES: um artigo de José Eduardo Garcia Leandro.

por José Eduardo Garcia Leandro (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

 
(Publicado em versão reduzida e adaptada no Expresso de 20 de Outubro de 2012.)

Depois da aprovação da Constituição de 1976, enquadrante geral dos interesses nacionais, foi criado o CEDN – Conceito Estratégico de Defesa Nacional, aprovado pela primeira vez em 1985 e actualizado em 1994 e 2003.

Se a Constituição desenhou o grande quadro legal onde instituições e pessoas se deviam mover, já o CEDN era orientado para as grandes questões da Defesa Nacional, indicando cuidadosamente como se deveria proceder com as componentes não militares da Defesa, sendo seu primeiro responsável o MDN – Ministro da Defesa Nacional, e aprovado em CSDN – Conselho Superior de Defesa Nacional, depois de passar pela Assembleia da República.

Verificou-se desde logo que as componentes não militares da Defesa não merecia o cuidado indispensável dos responsáveis sectoriais do Governo. Foi, ao longo dos anos, uma luta difícil e com pouco sucesso. O CEDN de 1985 foi marcado pelo período da Guerra Fria e pelo seu enquadramento na NATO; no CEDN de 1994 já se fizeram sentir as consequências da queda do Muro de Berlim, da implosão da URSS, do Tratado de Maastrich, do novo Conceito Estratégico da NATO (1991), das Operações de Apoio à Paz e das hipóteses do terrorismo internacional; o de 2003 foi naturalmente influenciado pelo emergir catastrófico do terrorismo transnacional (marcado pelo 11 de Setembro), pelo assumir da Segurança e Defesa pela União Europeia, pelos conflitos regionais e pelo novo Conceito Estratégico da NATO de 1999 (poder actuar antes de tempo e fora de área). Pela primeira vez, e pela voz do Dr. João Salgueiro, surgiu a proposta de um Conceito Estratégico de Afirmação Nacional. Mas a questão da falta de envolvimento sério com as componentes não militares da Defesa foi sempre continuando.

Entretanto, perante o avolumar e a alteração qualitativa das ameaças e vulnerabilidades, os especialistas foram chamando a atenção para que tal conceito necessitava de ser mais alargado, devendo incluir também a Segurança Interna; assim deveria passar a chamar-se CESD – Conceito Estratégico de Segurança e Defesa ou CESN – Conceito Estratégico de Segurança Nacional, o que veio finalmente a ser aceite pelos responsáveis políticos, solução adoptada também por alguns dos nossos aliados na NATO. Está agora novamente em desenvolvimento o trabalho que nos leva ao CESD ou CESN de 2012.

O trabalho tem sido desenvolvido com grande seriedade, primeiro pelo IDN – Instituto de Defesa Nacional e agora alargado a um grupo multidisciplinar de entidades seleccionadas pela sua competência. Também, como em 2003 (pela primeira vez), tem-se procurado envolver a população nesta discussão que é do interesse de todos. Ocorre que continuam a existir problemas muito concretos. O CESD/CESN tem de ser assumido pelo Primeiro Ministro, pois o MDN não tem poderes para fazer os seus colegas do Governo cumprirem as decisões tomadas na sua área de responsabilidade. Mas continuamos atrasados, já que deveria existir um CEN -Conceito Estratégico Nacional, mais lato que qualquer dos anteriores modelos; este, sendo plurianual (cerca de 10 anos), daria as grandes linhas permanentes onde se iriam integrar os sucessivos Programas de Governo. As questões essenciais da vida nacional estariam assim balizadas, evitando soluções de mudança de Governo, conjunturais, eleitoralistas, improvisações influenciadas por grupos de pressão, etc.. Haveria maior responsabilização, continuidade e possibilidades de controlo.

Se esta é, para muitos especialistas, a solução ideal, já a sua concretização teria muitas dificuldades, pois os Governos (saídos da lógica partidária) podem querer evitar tal compromisso, embora de interesse nacional, e mesmo eventualmente concordando, podem ter muitas dificuldades em a concretizar, pois os interesses nacionais podem já estar subordinados a limitações, de várias origens, impostas pelo exterior. Este é um drama antigo em Portugal, mas há que saber jogar com o ambiente internacional. Verdadeiramente, o que nos interessaria seria um Conceito Estratégico Nacional pela sua abrangência. Qualquer que seja a solução, o novo CESD/CESN/CEN (e há a necessidade de se perceber que se tratam de três patamares diferentes, de três concepções progressivamente alargadas e enriquecidas nas suas obrigações e necessidades) pode ser um trabalho de grande qualidade, mas que, mais uma vez, pode ficar no papel.

Pode apenas ser um registo de boas intenções; oxalá, eu esteja enganado.

Lisboa, 11 de Outubro de 2012.

A IRRELEVÂNCIA DOS ELOGIOS: um artigo de Jorge Marques.

 

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

 

A Universidade de Harvard fez há uns anos atrás um estudo sobre o impacto das críticas negativas e dos elogios na melhoria dos desempenhos das pessoas e das organizações. O resultado contrariou um pouco o senso comum de que o elogio ou a crítica aumentavam ou diminuíam as motivações e por consequência os resultados do trabalho. Aquilo que veio a verificar-se como sendo verdadeiramente motivador, era o facto de se estabelecerem metas, ou seja, objectivos de curto prazo. Era essa perspectiva de um futuro próximo que gerava a energia necessária para se realizar, para se empreender, para se atingir essa meta.

Foi aqui que me lembrei dos ciclistas que, depois de algumas centenas de quilómetros nas pernas, perfeitamente desgastados, ainda encontram uma força mágica para o sprint final, mal visualizam o cartaz que diz META. Isto parecia confirmar-me a teoria de Harvard!

Entre nós, nestes tempos difíceis, estamos a fazer um enorme esforço para contrariar esta teoria e como que a tentar dar a volta a Mark Twain quando dizia que entre a ficção e a realidade havia apenas uma questão de credibilidade. O que se passa afinal?

  • O Governo, perante uma rejeição total das suas políticas, em boa parte vinda de dentro da própria família, contrata umas agências de comunicação para difundir elogios a si mesmo. Outras vezes e no mesmo dia, aparecem os banqueiros a elogiar as medidas do governo, terão as suas razões;
  • Mas estes gestos não se ficam pela política caseira, estes elogios partem também de algumas instâncias europeias, de onde Gaspar é funcionário e onde regressará um dia. Também o FMI, através do etíope Selassié quer agarrar-se a Passos e Gaspar na expectativa de que pela primeira vez esta organização tenha um sucesso e depois das múltiplas e erradas intervenções pelo mundo fora. E a melhor solução que encontraram foi elogiar o Governo e Gaspar.

Em ambos os casos, trata-se daquele exercício de que fala Mark Twain, tentar tornar real uma ficção, mas que se perde na falta de credibilidade.

Em ambos os casos esses elogios não motivam, nem provocarão melhores resultados, para isso precisamos de metas como nos dizem de Harvard.

Não acertam uma!

EM DEFESA DE UM PLANO DE ESTÍMULOS PARA UMA "ECONOMIA VERDE": um artigo de Rui Martins.

por Rui Martins (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

Rui_MartinsPortugal não vai sair da atual Depressão Económica sem que seja aplicado um intenso, decidido e bem orientado programa de estímulos e incentivos económicos. Em Portugal não podemos mais correr o risco de desperdiçar tempo ou dinheiro. Já gastámos tempo suficiente nos últimos vinte e cinco anos, ora culpando o “pai” (Salazar, o Antigo Regime ou a Inquisição), ora culpando o “padrasto” (a União Europeia, a Europa, a Globalização ou o Neoliberalismo). Não negamos a influência determinante desse fatores no nosso subdesenvolvimento crónico, mas chegou a altura de vencer esse complexo de adolescência (anacrónico, num país com mil anos de existência) e pegarmos o nosso próprio destino coletivo nas mãos. Já o escrevi várias vezes e, correndo o risco de me tornar repetitivo, vou tornar a regressar ao assunto: Portugal não vai sair da atual Depressão económica sem que seja aplicado um intenso, decidido e bem orientado programa de estímulos e incentivos económicos.

Não podemos, não devemos, continuar a aplicar camada sobre camada de tapetes de austeridade, esmagando cada vez mais a economia nacional com impostos desproporcionados, com um Estado opressivo e disfuncional (porque centralizado e sequestrado pela partidocracia) e com estratégias nacionais corrosivas que, servindo os interesses dos credores internacionais e dos países do norte da Europa (na estafada lógica Cavaquista do “bom aluno”), prejudicam seriamente o país e a sua capacidade para construir uma sociedade livre, dinâmica e próspera. Não busquemos lições ou conselhos no exterior. Saibamos dar o nosso próprio “Grito do Ipiranga” e declaremos a soberania nacional contra esses interesses externos que nos querem reger (e que hoje, efetivamente, nos governam em regime de “protetorado dos credores” = Troika).

Portugal tem de partir, simultaneamente, por duas vias: na limpeza de balanço, declarando bancarrota parcial e recusando pagar a dívida imoral que décadas de irresponsabilidades e demissão popular dos deveres de vigilância e sufrágio deixaram instalar e implementar um plano nacional de estímulo económico que, centrado em dois eixos, o Mar e a Economia Verde, nos permita reconstruir o tecido produtivo e adquirir a soberania económica que deixámos transferir para fora das nossas fronteiras em troca de uma aparente riqueza e prosperidade.

Já discorremos amplamente, noutros artigos, sobre a necessidade de erguer uma política nacional do Mar, com estímulos financeiros e económicos à génese e desenvolvimento das atividades tradicionais a si ligadas (pesca, portos, construção naval, transportes marítimos) e de atividades ditas de “terceira geração” (aquacultura, energia offshore, portos de transbordo offshore, recursos minerais, etc.).

Mas, num país tão dependente das importações de energia, tão descarnado de atividades produtivas do setor primário, há que complementar essa abordagem de um estímulo marítimo com um igualmente audaz plano de promoção duma “Economia Verde” que nos liberte do jugo das importações de petróleo, de gás e de energia elétrica de Espanha e França.

O bom trabalho desenvolvido no tempo do Socratismo tem que ser continuado, desta feita em termos mais sustentáveis e sem favorecer os “grandes interesses” (protagonizados hoje pela chinesa EDP e pela espanhola Endesa), mas promovendo a “auto-geração” por parte de pequenos e médios produtores nacionais e transferindo para estes os escandalosos subsídios estatais às grandes multinacionais do ramo, as tão criticadas “rendas excessivas” que a todos nos oprimem.

As descentralização, multiplicação e promoção de produção elétrica autónoma, sustentável e renovável, deve ser estimulada, permitindo que este programa chegue não a um pequeno grupo de empresas multinacionais estrangeiras, mas a um amplo leque de cidadãos, empreendedores e dinâmicos, capazes de entregar ao país a soberania energética que este nunca teve e de simultaneamente alavancar o desenvolvimento de uma indústria e ciência na área das energias renováveis realmente nacionais.

Em simultâneo, os transportes (públicos e particulares) devem ser alvo de um plano correspondente: promovendo transportes públicos baratos, amplamente disponíveis e ecologicamente sustentáveis.

Complementarmente, a extensão da já existente rede de tratamento de resíduos e do seu reaproveitamento e, sobretudo, um plano de incentivos fiscais (IVA e IRS) à realização de obras que melhorassem os isolamento térmico e rendimento energético de milhões de habitações em Portugal. Além de dinamizar o dormente setor da construção, o maior gerador de desemprego em Portugal, estas obras dinamizariam os meios locais, não em grandes (e caras) obras “hidráulicas”, mas numa multidão de pequenos melhoramentos que beneficiariam dezenas de pequenas e médias empresas, em vez de uma quantas grandes empresas do setor.

Uma projeção recente, feita pela OIT para Espanha, estima que se o país vizinho conseguisse gerar até 20% da sua energia por fontes renováveis, seriam por isso criados mais de vinte de 120 mil novos empregos, isto em menos de oito anos. A construção de uma rede elétrica, para uso de veículos de transporte adaptados, originaria por sua vez outros 770 mil empregos. A OIT faz um projeção idêntica quanto à reabilitação do rendimento energético das habitações (a maior fonte de desperdício energético em Portugal), estimando que a reabilitação de 25 milhões de habitações criaria mais de 1.3 milhões de empregos. A gestão de resíduos, por sua vez, criaria cerca de 30 mil empregos até 2016. O estudo não inclui Portugal, mas não é difícil ampliar estas conclusões e estimar que existe na aplicação de um “Plano de Estímulos para uma Economia Verde” – a decorrer nessas várias frentes: Energias Renováveis, Mar, Resíduos, Transportes Sustentáveis e Eficiência Energética – um forte impulso à economia nacional, alavancando a sua saída desta asfixiante depressão, quebrando o ciclo infinito de austeridade-depressão em que agora estamos imersos.

GOVERNAÇÃO ABERTA, UMA FORMA ALTERNATIVA DE GOVERNAÇÃO PARA OS ESTADOS, AUTARQUIAS E PARTIDOS POLÍTICOS: um artigo de Rui Martins.

por Rui Martins (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

Rui_Martins

A Governação Aberta (em inglês, Open-Source Governance) é uma filosofia política que defende a aplicação à política das mesmas filosofias inventadas e desenvolvidas pelos movimentos de Software Livre, que nos meios da Internet e das Ciências da Computação deram origem a sucessos como o Mozilla Firefox, o Linux, o MySQL ou o Apache. Emulando as filosofias destes movimentos, esta nova forma de fazer política permite que os cidadãos participem no processo de criação de novas políticas ou na alteração de políticas existentes da mesma forma que qualquer cibernauta pode participar numa página wiki, por exemplo na Wikipedia ou em qualquer plataforma que suporte este formato. Desta forma, o processo legislativo fica aberto aos cidadãos, aplicando-se o princípio do crowdsourcing (a “sabedoria das multidões”), que hoje começa a demonstrar o seu valor em muitos projetos empresariais. No processo, ficamos com uma democracia mais dinâmica e aberta.

Existem várias interpretações sobre como se pode transpôr este conceito para a realidade. Nas próximas linhas iremos apresentar a nossa própria interpretação do termo “Governação Aberta”:

  1. Uso de ferramentas colaborativas · Algumas ferramentas colaborativas (como o IdeaScale, onde criámos a comunidade OpenPortugal) permitem a submissão de ideias, votar nas mesmas e adicionar comentários. Para submeter ideias basta escolher um título, dar uma breve descrição e escolher uma campanha (finanças, segurança social, empresas, etc.). Depois de submetida, a ideia fica disponível para receber votos positivos ou negativos e regularmente são enviados relatórios por email a todos os participantes de cada grupo. Um sistema deste tipo, implementado com um peso relativo (por exemplo, reservando um peso global de 20% na votação parlamentar), poderia democratizar a tomada de decisões políticas, abrindo à sociedade civil os claustros legislativos, hoje monopólio exclusivo de uma reduzida clique partidocrática.
  1. Site Wiki · Criar um site Wiki, devidamente moderado, organizado por seções abertas a quem na Sociedade Civil estivesse capacitado ou certificado para produzir opiniões informadas e de qualidade (dirigentes associativos, académicos, investigadores universitários, autores com um certo número de edições vendidas, etc.). Esta “Wikipedia do processo legislativo” seria uma ferramenta importante para abrir à sociedade civil o processo legislativo e melhorar a qualidade da vida democrática nacional.
    • A vida interna dos partidos políticos poderia beneficiar da utilização de  mecanismos de votação como o IdeaScale e de páginas Wiki para a elaboração de propostas e alternativas de governação. Um partido que incorporasse formas de governação aberta seria uma espécie de entidade coletiva, regida por referendo online, algo que não foi ainda ensaiado em grande escala, mas que encerra em si a promessa de uma revolução na participação democrática na vida dos partidos e de dinamização das dormentes sociedades civis da atualidade. Um tal modelo de governação interna dos partidos poderia, inclusivamente, ser aberto a simpatizantes e cidadãos não identificados com nenhum partido, ampliando o papel da sociedade civil na elaboração de novas políticas e cativando novos elementos para o seio da organização com esta política de completa transparência e abertura cidadã.
    • Wikis avançadas · O modelo clássico de um site Wiki pode não ser suficientemente elaborado para permitir a sua utilização no contexto de uma Governação Aberta. Assim, um sistema Wiki aberto como o modelo convencional, mas incorporando tags semânticas, diferentes níveis hierárquicos de controlo de conteúdos e scoring de editores e moderadores, pode ser exigido numa segunda fase, mais madura, da implementação de Wikis para a produção de Legislação ou de Propostas Políticas.
  1. Distribuições Locais · Desde há muitos anos que defendemos o modelo da Regionalização Municipalista como forma alternativa de Regionalismo e como cura radical para o problema do Centralismo que bloqueia desde há décadas o nosso desenvolvimento. Neste modelo de descentralização administrativa e democrática, o estabelecimento de um quadro legislativo local surge naturalmente em posição de destaque, mas o problema de a partir de um dado momento termos uma multidão de quadros legislativos fragmentários ou incompatíveis impõe-se. Num modelo tão descentralista como aquele que advogamos (e que busca a sua inspiração direta na proposta agostiniana de tornar Portugal numa “federação de municípios independentes”), a produção de Leis Locais, provenientes das Leis Nacionais, mas sempre compatíveis num quadro constitucional comum, é fundamental e encontra no modelo de “Distribuição Wiki” a sua solução. À semelhança das distribuições de Linux, um quadro normativo comum, com leis e normas municipais, seria distribuído e atualizado regularmente. Depois, os municípios, por processos democráticos, abertos e colaborativos,  adaptá-lo-iam às suas necessidades e idiossincrasias locais. Obviamente, apenas uma percentagem dessas leis “distribuídas” seria efetivamente alterada e aquela que o fosse sê-lo-ia de forma apenas parcial.

Conclusão · a implementação de mecanismos de Governação Aberta ao nível de um Estado, uma Autarquia, um Partido Político ou uma Associação, apresenta várias vantagens: aumenta de forma radical a quantidade de pessoas que tomam parte no processo de definição de posições e através de técnicas de crowdsourcing pode aumentar a qualidade destas posições ou do próprio processo legislativo. A Governação Aberta é uma forma de democracia direta, adaptada aos tempos digitais e de acesso ubíquo à Internet, ampliando o espaço de participação e deliberação, que encerra em si mesma a promessa de vivificação e dinamização de uma Sociedade Civil entorpecida e sequestrada pelos Interesses que se movem em torno da partidocracia.

Partidocracia essa que, nas democracias ocidentais, repele números crescentes de cidadãos de uma vida cívica ativa e plena, permitindo assim que pequenas castas familiares de “políticos profissionais” prosperem, usando e sendo usados pelos Media e pelos Grandes Interesses, que governam, efetivamente, na sua sombra.

BANKSTERS: um artigo de Rui Martins.

por Rui Martins (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

Rui_Martins

Não há dúvidas de que os acontecimentos dos últimos anos têm colocado a Banca e, sobretudo, os seus gestores como o exemplo mais consumado de maldade corporativa. Responsáveis em grande medida pela grave crise financeira que hoje ecoa pelo mundo e que nos coloca a todos na beira de uma segunda Grande Depressão de duração e extensão ainda impossíveis de antever, a Banca e os Banqueiros representam hoje todo o Mal que existe latente no sistema capitalista. Apesar de ser nas palavras de Agostinho da Silva o “melhor dos sistemas possíveis”, somente boa e ativa regulação, uma classe política independente e uma população vigilante podem moderar.

A sucessão interminável de crimes, pura má gestão ou ambição desmedida por parte dos banqueiros expõe uma sociedade moralmente doente, dominada pelo lucro fácil e embriagada em prémios milionários e na segurança absoluta de quem “faça o que fizer será salvo pelo Estado”, estando o seu próprio traseiro seguro por cláusulas de rescisão generosas e juridicamente blindadas.

Que doença moral é esta de que padecem os banqueiros? Que passividade criminosa é esta dos políticos (e das populações que os elegem) que toleram esta amoralidade da Banca? Que impunidade cúmplice é esta por parte dos órgãos de Justiça? Que poder estranho e absoluto é este que o “Banco dos Bancos”, o Banco JP Morgan detém sobre os países do G20 e que tem permitido bloquear todas as tentativas de regular o caos financeiro que rege os Mercados e que está na base daquela que cada vez se parece mais com uma segunda Grande Depressão?

A VERDADEIRA REFUNDAÇÃO DE PORTUGAL – MAIS DEMOCRACIA E MAIS LUSOFONIA: um artigo de Renato Epifânio.

por Renato Epifânio (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

É sempre o mais fácil: culpar os outros, em vez de apurar as nossas próprias responsabilidades. Neste grave crise estrutural que Portugal atravessa, uma das maiores da nossa história, também isso tem acontecido: tendemos a culpar tudo e todos, excepto nós próprios.

É certo que as responsabilidades desta crise não são igualmente partilháveis – longe disso: há pessoas que são (muito) mais e (muito) menos responsáveis. Mas, em última instância, todos temos alguma dose de responsabilidade. De nada nos vale, pois, por exemplo, como tem sido comum, culpar a “classe política”: fomos nós que a elegemos. E de pouco vale dizer que não havia alternativa: poderíamos sempre ter optado, em última instância, pelo voto em branco.
 

Não há liberdade que dure sem responsabilidade. Finalmente, parece que estamos a perceber isso. E daí a vontade expressa de muita gente em ter uma atitude mais responsável na condução deste país, na definição do nosso futuro colectivo. Se chegámos onde chegámos, foi também pela indiferença, pela omissão, de muitos portugueses. De muitos de nós.

É certo que muitas vezes essa vontade é, em grande medida, inconsequente: expressa-se em manifestações que se afirmam quase que apenas pela negativa. É por isso que, em geral, no dia seguinte, tudo continua mais ou menos, senão inteiramente, na mesma. Mas é já um bom sintoma: essa vontade, esse empenhamento. Resta agora que cada um de nós encontre as plataformas cívicas e políticas que melhor se adequam às suas expectativas. E que, sobretudo, proponham reais alternativas de futuro. Não basta dizer “não”.

O futuro de Portugal passará pois, necessariamente, por “mais Democracia” – ou seja, por um muito maior empenhamento cívico e político de todos nós. Isso levará, naturalmente, à regeneração dos partidos existentes, à criação de novos partidos e, idealmente, à possibilidade de candidaturas independentes a diversos órgãos – desde logo, à Assembleia da República. Não poderá ficar tudo como dantes. Não temos mais desculpa para continuarmos a culpar a classe política que nós próprios elegemos. Acabou-se o tempo das desculpas.

“Mais Democracia”, porém, sendo fundamental, não basta. Como diriam, os latinos, é preciso uma solução ad intra e ad extra, ou seja, “para dentro” e “para fora”. Para dentro, esse parece-nos ser o grande desígnio: “mais Democracia”. Para fora, porém, há um outro, não menos importante: “mais Lusofonia”. Só assim corrigiremos o maio erro estratégico que cometemos nestas últimas décadas – aquele que, de resto, melhor explica a situação internacional a que chegámos: termos desprezado o espaço lusófono, apostando tudo na integração europeia. Entendamo-nos: o nosso erro não foi propriamente termos aderido à então Comunidade Económica Europeia. Foi, antes, termo-lo feito numa posição de fraqueza.

Se, com efeito, Portugal sempre tivesse promovido os laços com os restantes países e regiões do espaço lusófono, teria hoje, mesmo no espaço da moeda única europeia, uma posição bem mais fortalecida. Agora, porventura, já será tarde. A História não volta atrás. Seja como for, Portugal terá sempre futuro e terá tanto mais futuro quanto mais assumir esse desígnio estratégico: “mais Lusofonia”. Quer mantenhamos a nossa adesão à moeda única europeia, quer venhamos a ter que sair – cenário cada vez mais plausível, dado o bloqueio económico a que chegámos –, “mais Lusofonia” significará sempre, para Portugal, mais Futuro.

A PROPÓSITO DA REFUNDAÇÃO: um artigo de Jorge Marques.

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

 

Desde o primeiro dia da governação, o actual executivo tinha fundamentalmente três grandes objectivos estratégicos e que eram a gestão do memorando com a Troika, o crescimento económico e a reforma do Estado.

Mas eram três grandes objectivos para serem trabalhados em simultâneo e para serem agarrados por figuras de peso político e com capacidade de gestão e liderança, independentemente do que lhes quisessem chamar.

A opção do governo, diga-se em boa verdade, foi a de se concentrar apenas no memorando, arrastando consigo todos os ministros e toda a governação. De facto é muito mais fácil lançar impostos atrás de impostos do que promover forças e energias para atrair investimentos e para fazer crescer aqueles que já existiam. É muito mais fácil querer arrumar a casa dos outros do que a própria casa. Estou em crer que a opção do governo não foi uma escolha consciente, nem baseada em qualquer tipo de conhecimento ou ideologia, mas apenas o resultado de muita incapacidade e ausência de competências. O governo não tinha sequer uma visão e muito menos uma estratégia.

No meio deste desnorte, o ministro das finanças balbucia a descoberta da pólvora, os portugueses querem demais para aquilo que pagam e logo a seguir o seu discípulo, qual Afonso Henriques, aparece com a bandeira da refundação.

Qual é, quanto a mim, o problema que gira á volta deste conceito?

A ideia de que existe um Estado como Instituição Soberana para o exterior e organizada hierarquicamente para o interior, já não é uma imagem nem real, nem possível.

O Estado enquanto forma heróica envelheceu; enquanto garante do bem comum está em sobrecarga e já não pode garantir nada; enquanto benfeitor da sociedade já não tem recursos suficientes e enquanto Centro de Governo já só é mais um centro no meio de muitos outros.

Neste contexto o Estado precisa reflectir, mas muito rapidamente, sobre o seguinte:

  • o mundo, o país, todos os sistemas, tornaram-se demasiado complexos e já não podem ser liderados por um vértice hierárquico onde temos colocado os governos;
  • o país não pode viver ao ritmo da Constituição, do Parlamento, nem da Máquina do Estado, o ritmo do tempo real já é outro;
  • perante o reconhecimento da sua incapacidade para gerir tudo, o Estado tem que optar entre a gestão da burocracia, das rotinas, do agora, dos pequenos conflitos de interesses ou o de ser um centro dinâmico que gera a energia e facilita a vida de todos os outros centros. O Estado tem por isso que optar por competências nucleares, emagrecer e reduzir substancialmente todas as tarefas que não comportam qualquer valor;
  • nesta linha de pensamento, o falar em refundar é só mais uma das variantes para não se fazer nada, ou mudar para que tudo fique na mesma; o que o Estado tem que fazer, é o de rever a sua missão, os seus objectivos, as suas tarefas e aquilo que lhe compete e não compete e quem e como o vai ajudar no resto;
  • a estrutura do Governo não está à altura dos desafios de todos os outros sistemas sociais, economia, meios de comunicação, tecnologia, ciência, educação, porque estes precisam ganhar flexibilidade, autonomia e saber funcionar com interdependência. Nós não precisamos propriamente de Ministérios e de Ministros para ocuparem pastas, isso é arcaico, do que precisamos é de centros de competências e de pessoas competentes para pensar e executar da melhor forma. O Governo, enquanto entidade política, deve reservar-se para missões mais nobres, deve exercer sobretudo competências de coordenação e mediação dos Sistemas Sociais. Mas não é só o governo que precisa mudar radicalmente, é todo o Sistema Político e a pesada máquina que o suporta.
Com tudo isto, queremos dizer que também não é verdade que haja uma crise da política, muito menos que ela se esgotou, o que acabou foi uma certa forma de fazer política e que nos conduziu até aqui.

Uma nova política não tem donos, nem pode continuar a ser monopólio dos partidos políticos, ela deverá ser a essência da vida de uma Sociedade Civil madura, comprometida e inteligente…o que temos agora pela frente é muita coisa para pensar e resolver e onde todos seremos poucos. Dessa forma, também o sistema será mais eficaz e muito mais barato.

OS BONS ALUNOS DAS MÁS ESCOLAS: um artigo de Jorge Marques.

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

Não é a primeira vez que ouvimos falar da teoria do bom aluno na história das nossas governações. Aconteceu com Cavaco quando a troco de alguns milhões destruiu o nosso aparelho produtivo e deixámos de produzir o que quer que fosse. Acontece com Passos Coelho neste acerto de contas com os nossos credores a troco da sua sobrevivência política e da carreira de Gaspar.

Nos dois casos existe um traço comum, é que as escolas destes dois bons alunos, são más na sua essência.

A escola de Cavaco tem os resultados à vista e é em boa parte a responsável pela dificuldade do pagamento da nossa dívida, pelo desemprego que atingimos e pela perda de uma ideia de futuro. De tal maneira, que ainda na semana passada, num bom seminário que se realizou em Lisboa, a urgência da Europa volta a ser a reindustrialização, que foi coisa que alguns países nunca abandonaram. Cavaco preferiu o dinheiro fácil ao acto difícil de governar, preferiu a teoria do oásis à teoria do verdadeiro e sustentado crescimento. Por todas essas opções, foi reconhecido como um bom aluno, primeiro por aqueles que sabiam o que viria a acontecer e que são hoje os nossos credores e depois pelos eleitores portugueses que o colocaram na Presidência da República. Claro que hoje não se pode pedir muito a Cavaco, porque a maior parte do que nos está a acontecer tem origem nos graves erros que cometeu. E tudo porque se quis ser, nessa altura, um bom aluno!

Com Passos Coelho, as circunstâncias têm algumas semelhanças, porque mais uma vez a opção é o desistir de uma governação difícil e optar por ser um bom aluno, aluno dos nossos credores. Uma vez mais o governo quer receber os milhões de um dinheiro aparentemente fácil, porque quando se vier a constatar que tudo isto são erros atrás de erros, já o Primeiro Ministro e o seu Mestre estarão a milhas e a mesma discussão entre nós continuará igual a si mesma. Gaspar é um quadro do Banco Central Europeu, um dos nossos credores, será ali que continuará a fazer a sua carreira quando sair do governo, é um bom aluno dessa instituição, é ali que está o seu futuro pessoal e profissional. O país não escolheu por isso um Ministro das Finanças, mas um controller dos nossos credores, não escolheu quem nos defendesse nas instâncias europeias e explicasse bem a situação para além dos números, mas apenas um bom aluno, porque as agências de comunicação haveriam de lhe dar uma nova imagem de competência acima de qualquer suspeita.

Fernando Pessoa dizia, e eu acho que ele tinha razão, que Portugal precisa de um indisciplinador, estamos fartos de bons alunos…

PORTUGAL, AS GRANDES IDEOLOGIAS E O TITANIC: um artigo de José Eduardo Garcia Leandro.

por José Eduardo Garcia Leandro (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem). 

 

O mundo tem sempre avançado à custa das idéias e da evolução da ciência; durante séculos com grande lentidão na economia, regimes autoritários, poderes religiosos dominadores, impérios expansionistas e a procura de novas fronteiras na terra e no mar.

Com a Revolução Francesa e a I Revolução Industrial tudo mudou; o sistema de produção alterou-se surgindo os primeiros grandes capitalistas e uma imensidão de trabalhadores proletários.

A partir daí (meados do século XIX) a luta entre o capital e os direitos dos trabalhadores nunca parou, quer a nível nacional como mundial; o confronto foi animado por grandes ideólogos, muitas vezes úteis para ditaduras brutais. Os sistemas políticos que dominaram o século XX foram marcados por estas ideologias que se confrontaram violentamente na economia e na guerra e, internamente, ocorreu também a luta entre as democracias e os autoritarismos, independentemente da sua origem filosófica.

Estes confrontos ideológicos criaram regimes que se confrontaram e alguns foram caíndo (fascismos, nacional-socialismo, comunismos). As superpotências nascidas da II Grande Guerra (EUA e URSS) protagonizaram esta luta em todos os campos da vida social, criando redes de aliados politico-económico-militares que lhes permitissem aumentar o seu poder. Foi uma luta de vida ou de morte, em que o combate final não ocorreu, já que a URSS implodiu em 1991, depois da queda do muro de Berlim em 1989; tinha ocorrido a rotura social, pois a economia não tinha capacidade de competir com o a do Bloco Ocidental. Era também a queda do comunismo, para muitos imprevísivel.

Foi o momento da grande vitória da economia de mercado em que se baseavam as democracias e estas foram-se expandindo por todo o mundo. Francis Fukuyama teorizou sobre o Fim da História (e enganou-se); regressaram as religiões, as fronteiras, as regiões, as etnias, os intereses nacionais, enfim, a Geopolítica que andava disfarçada, esmagada pelos superpoderes. Os EUA e os senhores do capital exultaram; o Papa João Paulo II, felicitando-se pela queda do comunismo, alertou que isso não poderia abrir as portas ao capitalismo selvagem. Alerta premonitório do que veio a ocorrer.

O desenvolvimento atingido em todas as áreas da ciência e da tecnologia provovou a chegada ao patamar final da globalização, deslocalizou empresas, integrou o comércio e fez emergir um capitalismo com base nos mercados e não na produção, criando enorme instabilidade e transferindo o poder para os detentores mundiais do capital, entidades não eleitas, sem controlo, que se regem apenas por interesses de lucro. Têm mais poderes que muitos Estados.

Acresce que a informação, a tecnologia e o comércio, agora mundializados, tendem para a igualização dos poderes nacionais que por necessidades próprias se foram endividando, embora a diferentes níveis. Alguns protegeram-se com cuidado. Outros foram gastando sempre à custa de um endividamento que atingiu o limite e foram arrastados pela crise de 2008 nos EUA.

Chegou o Outono do capitalismo histórico e o final da teoria de que os mercados se autoregulavam. Mais uma grande ideologia chegou ao fim com grande violência. Foi uma crise criada pela arrogância e pela ganância ilimitada. As vítimas deste confronto secular das ideologias contam-se por centenas de milhões e agora algo de novo tem de ser criado. A estrutura mundial do poder alterou-se, as regras da economia de mercado têm de ser mais firmes e acompanhadas. Portugal, com falta de visão e de estratégia dos seus sucessivos governantes caíu nesta armadilha mundial, agravando a sua situação por trinta anos de reformas não feitas. A União Europeia não havia sido preparada para este tipo de crise; não tem entidades, nem mecanismos para lhe fazer face e os mais fortes, se encostados à parede, irão reagir de modo egoísta. A União Europeia pode desaparecer e mais desastres podem chegar.

Nações históricas como Portugal podem desaparecer…. e depois? Depois, tudo pode acontecer e Portugal pode entrar no seu Titanic. A Sociedade Civil tem de impedir que tal aconteça e a PASC tem dado o seu contributo. No nosso caso, seria preciso que a míopia partidária desaparecesse e todos os Partidos (incluindo o PCP e BE) tomassem parte num verdadeiro Governo de Salvação Nacional, encontrando juntos soluções concretas para os problemas reais com a Sociedade Civil e abandonando a conversa partidária e de passa culpas de que todos estamos cansados.

Seria a reabilitação dos Partidos Políticos que sózinhos não vão lá. Se os seus responsáveis ainda não tiverem aprendido, as vítimas vamos ser todos nós, a Democracia e o País. No meio de tantos problemas e fraquezas ainda temos grandes virtualidades e potencialidades. Gostaria de, por uma vez, ver todos mobilizados na resolução dos problemas da Comunidade Nacional.

Lisboa, 29 de Outubro de 2012.

SISTEMA ELEITORAL: um artigo de Pedro Sousa Ribeiro.

 

por Pedro Sousa Ribeiro (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

Um artigo recente de Jorge Marques, publicado neste mesmo blog da PASC, levou-me a passar ao papel algumas ideias que tenho vindo a elaborar sobre o nosso atual sistema politico.

Diz Jorge Marques:

Uma assembleia que o povo votou mas que não escolheu, porque aqueles deputados são eleitos numa lista partidária e escolhida segundo esses interesses. Aos eleitores, aos cidadãos, pelo simples facto de colocarem uma cruz no boletim de voto de um partido, são agora atribuídas as responsabilidades pela humilhante situação a que chegámos.”

Efetivamente esta é a situação atual, que a não ser alterada, poderá levar a um bloqueio do nosso sistema politico, o que originará ruturas imprevisíveis.

Sendo assim, há que propor alternativas e, com este texto, pretendo dar o meu pequeno contributo. E irei abordar vários aspetos.

O sistema democrático assenta no princípio da eleição de representantes a quem o povo entrega determinados poderes. Os eleitos são, em teoria, responsáveis perante os seus eleitores.

Mas isto, como bem diz Jorge Marques, já não acontece em Portugal. Urge pois modificar o atual sistema.

Assim, e para moralizar a ação política, dever-se-á aproximar os eleitos dos eleitores, para o que proponho a formação de círculos uninominais com eleição direta nesses círculos.

Nesses círculos eleitorais, poder-se-á aplicar o sistema de eleição maioritária a 2 voltas. Caso um dos candidatos obtenha maioria absoluta na 1ª volta seria eleito. Em caso contrário passariam à segunda volta os 2 candidatos mais votados.

O sistema de círculos uninominais tem, no entanto, a desvantagem de limitar a eleição de membros de partidos minoritários. Para minimizar esta situação, os círculos uninominais seriam complementados por um círculo nacional em que a distribuição dos eleitos seria proporcional ao número de votos expressos.

Não vejo grande vantagem na redução de número de deputados, pois isso iria reduzir a relação eleitores/eleitos, mas sim criar um sistema que os leve a ter uma participação ativa.

 
E para que isso aconteça e seja visível :

  • os eleitos terão apenas duas alternativas: exercer o mandato ou renunciar a ele, deixando de ser permitido o esquema das substituições de mandato que têm apenas como objetivo atribuir mordomias a mais que um eleito ou permitir a escusa a determinadas votações mais incómodas. A definir, o regime para deputados que sejam chamados a exercer funções governamentais;
  • quem renunciar ao mandato não poderá ser candidato a qualquer cargo eletivo nas eleições imediatamente seguintes, quer sejam parlamentares ou locais;
  • terminar com o atual modo de anúncio de votações: a favor os partidos A e B, contra o partido C e abstenção do partido D, passando a anunciar o número de votantes a favor, contra e que se abstiveram. Isso obrigaria à presença dos deputados no plenário, pelo menos no momento das votações.

No que respeita ao poder local, sugiro o reforço dos poderes das assembleias municipais de freguesia. O presidente do executivo seria o primeiro da lista mais votada.

Parece-me que o princípio de executivos homogéneos será de aplicar, sendo os seus membros escolhidos entre os eleitos do partido mais votado para as respetivas assembleias. Caso não haja maioria absoluta de um só partido, os executivos seriam constituídos por coligações que possam alcançar essa maioria. Caberia às assembleias municipais e de freguesia, dotadas de poderes reforçados, a ação fiscalizadora.

OS JOGOS OLÍMPICOS E O DESPORTO PORTUGUÊS: um artigo de Pedro Sousa Ribeiro.

por Pedro Sousa Ribeiro (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

Pedro_Sousa_Ribeiro

Os recentes Jogos Olímpicos levam-me a tecer algumas considerações sobre a prestação da missão portuguesa e sobre o desporto português.

Os resultados obtidos estiveram dentro das expectativas realistas, tendo em conta o estado de desenvolvimento do desporto português. Prestações houve de bom nível, outras de nível médio e ainda algumas com prestações inferiores ao expectável. Convém, de qualquer modo, não esquecer que as atividades desportivas não são ciências exatas, havendo sempre aleatoriedade nos resultados. E certamente que todos os atletas que representaram Portugal se empenharam do modo mais intenso, quer na sua preparação, ao longo de anos de treino continuado, quer nas provas em que participaram.

Só os menos atentos ao fenómeno desportivo podem falar em resultados negativos. Como pretender que os resultados fossem melhores se Portugal é o país da Europa com menor índice de prática desportiva, não só da população em geral, mas também da população jovem? E está nos níveis mais baixos de todos os rankings existentes. E tem uma opinião pública ligada fundamentalmente a uma monocultura desportiva “que a cada dia se expressa nas palavras e na conduta de dirigentes políticos e desportivos deste país, reproduzidas e amplificadas na grande maioria dos órgãos de comunicação social e do “jornalismo” que se faz neste domínio”. E a situação de prática desportiva não tem tendência a melhorar. Se a iniciação se faz ao nível da escola primária e secundária, a atual proposta do governo para diminuir o número de horas semanais de educação física no ensino secundário irá certamente contribuir para um agravamento desta situação.

Cabe ao governo tomar opções e definir prioridades. Reduzir e desvalorizar a atividade física na escola é uma opção que acarreta a aceitação da degradação dos resultados desportivos a médio prazo.

Por outro lado, o investimento do setor publico no desporto é relativamente baixo, mas poderão as verbas disponíveis ser melhor utilizadas? Certamente que sim. Apenas um exemplo. O organismo de tutela, o IPDJ – Instituto Português do Desporto e da Juventude, estabeleceu em 2012 Contratos Programa com 60 federações desportivas. Tem isso justificação? Penso que não. Há também aqui que tomar opções e definir desportos prioritários. Apoiar esses mais fortemente e deixar de fora dos apoios públicos todos os outros. Numa primeira aproximação, excluir todos os não olímpicos, os motorizados e/ou os que não tenham relevância mundial.

No âmbito das Federações Desportivas, têm justificação a existência de dois órgãos de cúpula, o Comité Olímpico de Portugal e a Confederação do Desporto de Portugal? Vejo com vantagem , a exemplo do que acontece na maioria dos países europeus, a existência de um único organismo que albergue no seu seio todas as federações desportivas. Terão as federações desportivas a ousadia necessária para dar esse passo? Será esse organismo capaz de propor, em consonância com o órgão estatal correspondente, um plano nacional para o desenvolvimento desportivo? E depois zelar pela sua execução ?

No contexto político e económico atual, com a cultura desportiva existente, haverá condições para definir uma verdadeira política desportiva? Provavelmente, daqui a quatro anos, quando terminarem os Jogos Olímpicos do Rio, em 2016, estaremos a equacionar as mesmas questões.

13 de Agosto de 2012.

PORQUE FALTA VERDADE A ESTE SISTEMA POLÍTICO?: um artigo de Jorge Marques.

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

Não se trata de uma má vontade continuada contra o nosso sistema político, mas sempre que a nossa vida colectiva se altera e perde aquela obediência canina, a caricatura do sistema aparece, como se tudo estivesse construído apenas para separar os que mandam dos que obedecem e tudo passasse apenas e só por aí.

Como se sabe, o Governo não é eleito directamente pelo povo, é o resultado, se quisermos um subproduto importante, da eleição parlamentar. A esse Parlamento compete aprovar o programa do governo, fiscalizar a actividade do governo, fazer a maior parte das leis, censurar o governo e permitir a sua demissão, aprovar o orçamento… e muitas outras mais coisas. Quer dizer que em boa parte, neste sistema, o governo emana e depende substancialmente do Parlamento.

Sempre que um Governo diz que um orçamento tem que ser aprovado, que não há alternativas a esse orçamento, que não há margem de manobra para alterar o que quer que seja, esse governo diz que o parlamento pode discutir, fazer o seu número, mas no fim tem que aprovar. Ou seja, a coisa volta-se contra o seu criador e reduz a menos que zero a sua existência ou pior ainda, faz uma inversão de papéis.

E porque é que isto acontece? Porque na nossa democracia, de um regime que se chama semipresidencial e não só presidencial ou só parlamentar, há duas entidades que regulam a actividade política e que devem estar em sintonia e que são, o Presidente da República e a Assembleia da República. Como se sabe também, são ambos eleitos directamente pelo povo e ao povo devem a lealdade do seu exercício, mais que isso, são subordinados do povo, dependem dele, porque eleger significa delegar e não alienar.

Ao longo de todo este tempo, quer o Presidente, quer o Parlamento, assistiram a um exercício governamental que em nada era coerente com o programa que aprovaram, era até o seu contrário, o que agravou sistematicamente a vida dos portugueses e destruiu o sistema económico e social; assistiram a uma total incapacidade do governo para resolver os graves problemas do país, para lhe dar um rumo, bem pelo contrário também, tudo ficou pior e sem orientação; assistiram a exercícios pouco claros, de ética duvidosa e aos quais se foi dizendo que estavam dentro da lei; assistiram a verdadeiros atentados à democracia e a quebras sucessivas de acordos e contractos, sejam políticos, sejam sociais; assistiram á maior movimentação de manifestações sociais depois do 25 de Abril; assistiram às críticas e ao rebate dos sinos de intelectuais, cientistas, profissionais credenciados e vindos de todos os quadrantes partidários e de gente independente; assistiram às ofensas directas à nossa classe empresarial, aos trabalhadores, pensionistas, funcionários públicos e ao trabalho em geral.

Assistiram a tudo isto e com a legitimidade que lhes competia e que resultava do voto popular, nada fizeram, mostrando um direccionamento errado sobre a quem deviam a verdadeira lealdade, comprometendo-se com um governo incompetente, um Primeiro Ministro impreparado e ficando contra o povo. Deve por isso ficar claro que quer o Presidente da República, quer a Assembleia da República, baluartes da democracia, são igualmente responsáveis por esta situação que vivemos, responsáveis por acção e omissão. Crise política é a degradação diária do país, é a má governação e não a ruptura com isso mesmo, porque o país está sempre primeiro. O que se tem defendido é um falso e aparente consenso, seja político, seja social. Um consenso de verniz, como alguém já lhe chamou.

Porque é que é falso este Sistema Político?

Porque quer os órgãos que são eleitos directamente pelo povo, quer os que emanam dessas eleições, apenas se regem pelo mesmo princípio ou seja, os interesses do poder partidário que os elege; porque o voto popular não parece ter qualquer significado no sentido do poder político, apenas cumpre uma formalidade para que alguma coisa de democracia ainda exista, mas formal apenas e não de facto; porque nada e ninguém nos defende de um mau governo e o resultado desses sucessivos erros e dessa incapacidade está à vista; porque não existe qualquer separação de poderes no sistema político, a fonte é sempre a mesma, ou seja, os partidos políticos; porque sempre que se questionam as alternativas a única resposta é a alternância dos mesmos agentes partidários; porque numa democracia representativa, todos os órgãos eleitos directa ou indirectamente, são representantes do povo, mas o que está a acontecer entre nós é que esse poder de representação se tem transformado em centros de poder próprio, em oligarquias dos partidos; porque o actual governo é de legitimidade duvidosa, a delegação que lhe foi dada não incluía este tipo de programa, mas um outro que foi sufragado e que por sinal tem um sentido completamente contrário à actual prática governativa; porque em nome de toda esta aparência, o nosso problema é apenas o de evitar uma crise política, manter estas aparências e não encarar a verdade dos factos.

UMA SEMANA NA CASA DA DEMOCRACIA: um artigo de Jorge Marques.

 

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).


Um amigo meu, a quem costumo dizer que ele é um homem da Renascença, porque domina várias artes que vão da composição musical ao canto, toca todos os instrumentos, escritor, poeta, coreógrafo, filósofo, costura a sua roupa e construiu quase sozinho a sua casa, chegou a ministro… Ministro da Cultura de Cabo Verde, depois de algumas dezenas de anos como embaixador da cultura do seu país.

Á primeira vista, podemos dizer que Cabo Verde, um país que conhecemos bem e que consideramos pobre, parece ser um país exigente na selecção dos seus ministros, mesmo quanto ao Ministro da Cultura, que é assim uma coisa que entre nós nem merece ser Ministro.

A todos quantos tiverem a oportunidade de observar a discussão democrática naquele país, poderão constatar a importância que é dada ao Parlamento, talvez o mais imponente edifício do país, por acaso oferta da China!

A escolha dos ministros e a discussão democrática da Assembleia são da maior exigência, um exemplo para todos nós e quase todos estes representantes vivem em grande dificuldade económica, tal como o país!

Falo deste exemplo, para mostrar o que entre nós está completamente errado, não só simbolicamente, mas na sua essência. A escolha dos ministros e como se verifica, também do Primeiro Ministro, não tem qualquer critério de exigência de competências sejam elas técnicas, de inteligência ou de comportamento. A maior parte dos ministros atingiria o seu limite de competências como Director Geral de um Gabinete de Estudos e o Primeiro Ministro como Presidente do Instituto para a Juventude.

Poderíamos pensar que como baluarte da defesa da nossa democracia teríamos um Parlamento, mas também ele é eleito entre as paredes dos gabinetes dos partidos, entre os arranjos de vários interesses que nada tem a ver com o povo. O povo eleitor é só chamado no fim, para ficar na fotografia e colocar uma cruz num boletim de símbolos partidários e não em pessoas.

Eu gostaria de estar enganado, mas a próxima semana vai ser decisiva para a credibilidade do nosso Parlamento e das duas uma, ou os deputados entendem que são representantes do povo e votam em consciência ou confirma-se a ideia de que são apenas funcionários dos interesses dos partidos, tão simples como isso! Gostaria eu de saber quantos deputados aproveitaram estes últimos dias para ouvir os seus eleitores, para que em consciência e coerência pudessem votar o Orçamento…

Aguardemos para ver o que vai acontecer e quais serão desta vez as justificações que nos julgam sempre como ignorantes.
Poderíamos pensar que existe um Presidente da República, supostamente eleito directamente pelos cidadãos, que nos poderia defender deste ataque do Governo, mas não, também ele acabou por ser eleito pela vontade dos partidos que governam, também ele é responsável por tudo o que estamos a passar e nada fará de relevante. Para ele, a crise tem a ver apenas com os aspectos formais da democracia e não com a forma ilegítima desta governação, que foi eleita com um programa, que pratica o seu contrário e a quem deu posse. Será que ele também não se sente enganado e traído ou está á espera do próximo livro para o confessar nos seus atrasados prefácios das lamentáveis obras do ”Eu avisei”

A CULPA É TODA NOSSA: um artigo de Jorge Marques.

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

 

Perguntei no outro dia a um dos nossos políticos, relevante na actual situação:

– Se a nossa triste situação, esta a que chegámos, foi resultado dos erros, dos desmandos cometidos por sucessivos governos, porque é que são os cidadãos, a sociedade civil, a classe média, os pobres deste país a pagar pelos erros dessas sucessivas más governações?

Respondeu-me ele:

– Porque esses governos foram eleitos pelo povo, por isso, pelo voto, os eleitores portugueses são responsáveis pelo que nos está a acontecer…e tem que pagar!

Lembrei-me hoje disso, ao ouvir a discussão das moções de censura ao governo, um dia depois da apresentação de mais medidas de austeridade, lembrei-me ao olhar bem para a nossa Assembleia e a bancada do Governo.

E o que vejo eu?

Uma assembleia, supostamente representativa do povo, mas que afinal só fala de partido para partido, entre partidos, que discute tácticas e interesses partidários do momento e não se dirige ao povo e ao país.

Uma assembleia que o povo votou mas que não escolheu, porque aqueles deputados são eleitos numa lista partidária e escolhida segundo esses interesses. Aos eleitores, aos cidadãos, pelo simples facto de colocarem uma cruz no boletim de voto de um partido, são agora atribuídas as responsabilidades pela humilhante situação a que chegámos.

Um governo que o povo não votou, porque ele resulta de uma eleição para deputados; um governo que é de coligação porque a maioria dos eleitores não confiou num único partido e que resulta da exclusiva ambição pelo poder; um governo que é liderado por um partido que apresenta um programa e que no dia seguinte às eleições faz tudo ao contrário do que prometeu; um governo que está contra o país, que chama ignorantes aos empresários, cigarras aos trabalhadores, eles que são os pilares que suportam o nosso futuro…

Na verdade os cidadãos deste país são os responsáveis por toda esta situação; na verdade um povo exigente não vota nesta gente, nem neste sistema; na verdade um povo exigente impõe outra forma de eleger os seus representantes e de escolher um governo com rostos e nomes…

Até que isso possa acontecer, não nos responsabilizem por nada, a não ser porque, mesmo assim, ainda vamos votar e legitimar uma farsa da democracia. É altura de exigir um sentido para as nossas eleições e pensar no verdadeiro valor destes votos perdidos. E vale a pena continuar a votar e a pagar para ter estes representantes?
 

A Manifestação de 15 de Setembro mostrou-nos que há um país para além dos partidos, parece que eles não quiseram ouvir…há no entanto uma voz do Governo, que é o nosso Ministro de Estado Paulo Portas que consegue transmitir mensagens através de enigmas e disse hoje depois da votação das moções de censura:

– Estamos numa Situação de Salvação Nacional…

Pois então? Arranje-se um Governo a condizer… pois é… mas isso dava muito trabalho a Cavaco!

ORGANIZAÇÕES E MOVIMENTOS DA SOCIEDADE CIVIL: um artigo de Jorge Marques.

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

As manifestações de 15 de Setembro foram relativamente claras, tratou-se da expressão de pessoas e de grupos da Sociedade Civil que livremente quiseram mostrar a sua indignação. A manifestação era clara quanto às suas palavras de ordem, basta de um mau governo, queremos outras políticas, contra os partidos, o Presidente da República e esta falsa democracia… entre tantas outras parecidas.
Para aqueles que acusavam a Sociedade Civil de estar moribunda, adormecida, de ter paciência e resignação, puderam constatar que ela é apenas uma espécie de vulcão que ruge bem fundo e que de um momento para o outro pode explodir.

Mas após esta manifestação, logo vieram os arautos do bom senso dizer que se tratava de movimentos inorgânicos, perigosos para a democracia. Resultado, tratou-se de emendar a mão rapidamente e logo apareceram outras manifestações agora já organizadas, já orgânicas, a que outras se seguirão. Apareceram as moções de censura, as declarações e outras indignações, agora já devidamente arrumadas e dentro da lógica do bom senso. Apareceram de novo os analistas e comentadores, que salvo raras excepções, não comentaram a dita manifestação, ou porque não a perceberam ou porque não se quiseram comprometer.

E os movimentos organizados da Sociedade Civil o que fizeram ou disseram?

Também não estavam á espera daquela fúria dos cidadãos e ficaram sem reacção, sem resposta. Mas deveriam estar preparados, porque supostamente estão junto dos cidadãos, são cidadãos e deveriam ter sentido o seu próprio pulsar?

Portugal sofre neste momento de vários males e, de facto, eles não estão todos do mesmo lado, estão repartidos entre o sistema económico, politico, social. Esperava-se que nestes disfuncionamentos houvesse uma Sociedade Civil que pudesse marcar um ritmo, acrescentasse valor e acção, mas sobretudo que trouxesse inovação aos já tão gastos rituais da política. Que se apresentasse de forma e conteúdo diferente e consonante com os sinais do futuro. Mas tal ainda não está a acontecer, porque mais do que palavras, o tempo é de acção, é preciso que a sociedade valorize os que fazem, os que agem e não continue amarrada aos velhos estatutos sociais e títulos académicos cujos titulares, como temos vindo a constatar, só dizem e fazem asneiras. A Sociedade Civil não pode ficar amarrada a esse tipo de preconceito, as suas elites não podem ficar silenciosas de forma comprometedora com tudo o que se está a passar ou provavelmente teremos que gerar outro tipo de elites, novas e completamente diferentes.

Neste choque de culturas e de gerações, as próprias Organizações da Sociedade Civil tem que reflectir sobre si mesmas, sobre o seu novo papel e aprender com a liberdade daquilo a que chamamos movimentos inorgânicos.

É que do passado temos muito pouco a aproveitar!

TRÊS REFEIÇÕES POR DIA: um artigo de José Eduardo Garcia Leandro.

por José Eduardo Garcia Leandro (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

Depois da implosão da URSS em 1991, o período conturbado que se viveu nos seus antigos territórios foi muito grave, levando a que grandes cientistas tivessem necessidade de sair da nova Rússia para sobreviver. Nesses anos, o LNETI, dirigido pelo Prof. Carvalho Rodrigues, também procurou trazer alguns deles para Portugal. Depois do acerto de vontades, foi-lhes enviado um contrato para assinatura; ocorreu, nalguns casos, que havendo concordância no contrato, foi pedido ao LNETI que juntasse nova cláusula: “Ter direito a três refeições diárias”. Trágico!
 
Que significado tem isto?

Significa que todas as sociedades têm um ponto de rotura, o que também pode ocorrer em Portugal. A Rússia demorou 10 anos para estabilizar e mais 10 no longo caminho de regresso a grande potência, mas tem uma enorme massa crítica de espaço, reservas de energia e minérios, produção agrícola, etc., o que aqui não acontece.

Mas há algumas semelhanças. Ainda nos anos 50 do século passado tínhamos pessoas que não tinham três refeições diárias e estamos a voltar a tal situação e também o facto de licenciados bem preparados serem obrigados a emigrar para conseguirem emprego, o que é incentivado pelo Governo.

Está fora de causa a necesidade de termos as contas certas e avançar com as reformas de há muito atrasadas. Nisso o Primeiro Ministro tem razão e o povo português tem mostrado toda a compreensão.

Mas têm de existir equilíbrios e actuação simultânea em várias áreas como:

  • Capacidade para recuperar o sistema produtivo;
  • Capacidade para atraír novos investimentos e criar mais empregos;
  • Voltar a uma exploração moderna do mar;
  • Reformar o Sistema Judicial;
 
Apenas quatro casos cuja concretização é muito demorada, fugindo a falar na situação demográfica e na importação de combustíveis e de bens alimentares, praticamente sem solução.

O Governo conhece melhor do que eu a situação e a sua gravidade, mas tem áreas onde pode actuar:

  • Conhecer bem a situação internacional (prospectiva e cenários alternativos) para além da União Europeia e actuar rapidamente sobre alvos de interesse, o que tem sido feito, nalguns casos, com êxito;
  • Ter no Executivo gente respeitada; se assim não fôr o fallhanço e o ridículo são inevitáveis; há Ministérios onde os responsáveis não têm conceitos e não percebem o que devem fazer e há alguém que já perdeu toda a credibilidade para poder impor quaisquer medidas;
  • Actuar com equidade na fiscalidade, o que não tem acontecido;
  • Os ainda muito ricos podem ajudar a evitar a situação da falta de três refeições diárias, o que está a ser feito um pouco por todo o mundo; Mas a situação é tão difícil que Portugal pode desaparecer com autonomia e influência neste novo mundo em que tudo está a mudar e a um ritmo sem precedentes; ainda podem vir dias piores.

Para que ultrapassemos esta crise é indispensável que o Acordo com a Troika seja renegociado, melhor sendo que fosse por iniciativa desta. Neste reduzido espaço não posso ir mais longe, mas fica o alerta. Podemos ter as contas certas num Pais sem gente, sem emprego e com fome. E tudo podia ter sido evitado; fica apenas como paradigma do disparate as obras em 10 estádios de futebol para o Euro 2004. E a lista é quase interminável!

Lisboa, 22 de Agosto de 2012.

IDADE DAS TREVAS: um artigo de Jorge Marques.

por Jorge Marques (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC, nem das associações que a compõem).

 

O termo “Idade das Trevas” não fui eu que o inventei para este contexto, foi Paul Krugman, o Nobel, quando confessava no seu mais recente livro saído em Julho de 2012:
 

«Há uns três anos, quando me apercebi de como a profissão de economista estava a falhar no seu momento de verdade, inventei a expressão “ Idade das Trevas da Economia”.»

O seu apelo neste livro é de que acabem com isto, e isto é a depressão, que não faz sentido, não tem justificação e que causa tanta destruição e dor em tantas vidas. Para ele, a solução para a crise é fácil e mais rápida do que se pode imaginar, excepto para aqueles que estudaram e só sabem o funcionamento das economias deprimidas…e respectivas soluções.

Diz ele ainda, virem as costas à austeridade, a máxima de Keynes era que a austeridade é para ser feita em tempo de fartura e não de recessão.

Voltem-se para a criação de emprego, para a defesa daquilo em que acreditam, tentem o compromisso, mas sem comprometer a verdade.

O que é que impede a recuperação? A falta de lucidez intelectual e de vontade política…

Percebemos todos que o nosso médico, chamado Troika, falhou no diagnóstico e na terapia, pela simples razão de que faz parte daquele grupo que só estuda e sabe o funcionamento das economias deprimidas, daquele grupo que só lê os livros antigos e que entendem que a missão da economia é manter os pobres cada vez mais pobres. Fizeram da economia não mais que um sistema de crenças, uma espécie de religião onde os objectivos são a Ordem e a Omnipotência. E o deus desta religião é um deus violento que considera as crises como pecados e por isso é preciso castigar esta gente! Onde é que já ouvimos falar assim?

Estamos entregues a esta fúria punitiva e nada disto teria que ser assim! E estamos nesta situação, ainda mais agravada, porque deixámos de ter um Presidente faz muito tempo, deixámos também agora de ter um Governo e a nossa pobre democracia não configura soluções urgentes para este vazio.

E neste vazio, a que se junta a ausência de vozes sábias da economia, que em vez de explicarem o que se passou, deviam estar a dizer o que é preciso fazer, que deviam estar a fazer-se ouvir e respeitar, que deviam impedir o fracasso popular e social e gritar… Parem com isso, o cidadão precisa perceber com simplicidade como funciona o sistema!

Mas até nessa impossibilidade, não podemos desistir e como diz Krugman, mais uma vez, isso compete a todos os que podem fazer a diferença, compete-lhes lutar por todos estes silêncios, pôr fim a estes abusos e lutar por novas políticas.

É a hora da Sociedade Civil resgatar o país dos abusos cometidos pela classe política ao longo de tantos anos, é injusta esta situação de serem sempre os trabalhadores por conta de outrem a pagar toda a factura!

Este é um verdadeiro ataque ao valor do próprio Trabalho, enquanto fonte de rendimento, de dignidade e de realização. Não é justo e não se vislumbra aqui qualquer equidade!