SAMPAIO BRUNO, ESQUECIDO?: um artigo de Renato Epifânio, Presidente do MIL, uma Associação PASC – Casa da Cidadania.

por Renato Epifânio (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC – Casa da Cidadania, nem das Associações que a compõem).

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Apenas uma breve nota sobre o texto “Sampaio Bruno, o portuense universal”, de António Valdemar (PÚBLICO, 02/11/2015), onde se lamenta que o centenário do seu falecimento não esteja a ser devidamente assinalado.

Tal não corresponde à verdade.

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Entre os dias 4 e 6 de Novembro de 2015, decorreu um grande Congresso, no Porto e em Lisboa, co-organizado pelo Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, Instituto de Filosofia da Universidade do Porto, Universidade Católica Portuguesa e Biblioteca Pública Municipal do Porto. A Revista Nova Águia, por seu lado, também dedica o seu décimo sexto número, entretanto lançado, a este insigne filósofo lusófono.

Quanto ao cariz do seu pensamento, deixo igualmente esta breve reflexão:

«No entender de José Marinho, um dos seus mais insignes hermeneutas, o que essencialmente caracteriza o pensamento de Sampaio Bruno é a sua heterodoxia. Marinho chegou, aliás, a qualificar a concepção brunina como a “concepção mais heterodoxa da filosofia portuguesa”.


Ainda segundo Marinho, consubstancia-se essa heterodoxia num duplo sentido: “O pensamento de Sampaio Bruno é, como se sabe, essencialmente heterodoxo. Tal deve entender-se em dois sentidos. Heterodoxo é o pensamento de Bruno em relação à ortodoxia católica. Heterodoxa é também a sua teurgia profética em relação à ortodoxia humanista, ou humanitária, que se formou, como irmã inimiga, na sequela da primeira.”


Não se consubstanciou, porém, essa dupla heterodoxia numa mera “carnificina de sistemas”, para retomarmos a já consagrada expressão de Eduardo Lourenço. Segundo o próprio José Marinho, “na sua oposição ao moderno evolucionismo progressista e ao humanismo satisfeito, ele [Bruno] descerrou o segredo profundo daquilo mesmo a que teve de opor-se”, da mesma forma que, na sua oposição à ortodoxia católica, “assegurou melhor o caminho do autêntico, profundo e velado cristianismo do que muitos cristãos de satisfeito saber e formal observância”.


Daí, em suma, para José Marinho e para muitos outros estudiosos da nossa tradição filosófica, toda a importância de Sampaio Bruno para o pensamento português contemporâneo – fazendo jus ao seu apelido, que José Pereira de Sampaio adoptou em homenagem a “um dos filósofos mais revolucionários do Ocidente”, Bruno “antecipa com seu pensar ao mesmo tempo difuso e concentrado algumas das formas mais autênticas da filosofia e dos caminhos da nossa época”.


E por isso o considerou como “o mais profundo dos nossos filósofos críticos e o mais excessivo”, “difícil será encontrar em qualquer parte pensamento mais audacioso e mais original do que o deste homem tímido e embaraçado”, e por isso nos disse ainda, a respeito da sua obra, que ela se constitui como “a mais significativa expressão do drama espiritual do homem moderno no trânsito do século XIX para o presente”, tendo inclusivamente afirmado que “a sua obra só por si vale todo o século XIX, perante ela empalidece tudo quanto a grande geração de Antero ou Oliveira Martins fez”, assumindo-se, nessa medida, como “o ‘juízo final’ do nosso século XIX” e, nessa medida ainda, como uma das pontes para o nosso futuro.».

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O CASO DE FIDELINO DE FIGUEIREDO: um artigo de Renato Epifânio, Presidente do MIL, uma Associação PASC – Casa da Cidadania.

por Renato Epifânio (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC – Casa da Cidadania, nem das Associações que a compõem).

No século XX, Fidelino de Figueiredo foi uma das personalidades que nos legou uma das mais relevantes obras, ao longo de mais de meia centúria; entre outros títulos:

O espirito historico: Introducção à Bibliotheca.- Noções preliminares (1910; 3º Edição de 1920); A critica litteraria como sciencia (1912; 3ª Edição de 1920); Historia da litteratura romantica portuguesa: 1825-1870 (1913); Portugal nas guerras europêas: subsidios para a comprehensão dum problema de politica contemporanea (1914); Historia da litteratura realista: 1871-1900 (1914); Antologia geral de literatura portuguesa: 1189-1900 (1917); Como dirigi a Bibliotheca Nacional: Fevereiro de 1918 a Fevereiro de 1919 (1919); Literatura contemporanea: O sr. Júlio Dantas (1919); Historia da litteratura classica (3 volumes, 1917-1922); Torre de Babel (1924); História de um ‘Vencido da Vida’ – sobre Oliveira Martins (1930); As duas Espanhas (1932); Problemas da ética do pensamento: o dever dos intelectuais (1935); Alguns elementos portugueses na obra de Lope de Vega (1938); Últimas aventuras (1941); A luta pela expressão: prolegómenos para uma Filosofia da Literatura (1944); Estudos de literatura (5 volumes, 1915-1951); Ainda a épica portuguesa: nótulas de auto-crítica (1952); Símbolos & mitos (1964); Paixão e ressurreição do homem (1967).

Foi, para além disso, alguém que estabeleceu pontes: não apenas entre diversas áreas da cultura (como a literatura, a história e filosofia), como ainda, em particular, entre as culturas portuguesa e brasileira. Como escreveu Cleonice Berardinelli, uma das suas mais insignes discípulas:

“Chegou ele [Fidelino de Figueiredo] a São Paulo em 1938, para assumir a cadeira de Literatura Portuguesa, precedido da fama de uma obra já realizada e de uma vida que se poderia dizer ‘pelo mundo em pedaços repartida’, perseguido por um regime político a que não podia submeter-se dada a forma como respeitava o homem e o direito à livre expressão […]. Sua imensa cultura, sua extraordinária sensibilidade, sua reflexão profunda foram-nos rasgando horizontes que desvendavam um novo mundo de conhecimentos em que podíamos penetrar por sua mão. Era este o segredo do nosso destemor em acompanhá-lo: a mão em que nos apoiávamos confiantes, mão de amigo, mão de pai. Porque nos adoptara como filhos”. (Cf. “Mestre dos Mestres”, in A Missão portuguesa, São Paulo, UNESP, 2003).

Não obstante tudo isso, a sua relevantíssima obra – em termos quantitativos e, sobretudo, qualitativos – permanece ainda pouco estudada, como se o seu nome continuasse a ser o de um autor maldito. Razões para tal? Se relermos o seu livro Problemas da ética do pensamento: o dever dos intelectuais (1935), podemos talvez encontrar a razão. Entre considerações sobre a “brutalidade reanimalizadora” dos germânicos (recordamos que estávamos na segunda metade da década de 30) e as “elites cultas e esgotadas” da restante Europa, escreve a certa altura, sobre a emergência de uma nova “Elite”:

“A filosofia alemã do século XIX, principalmente com as doutrinas irracionalistas mais modernas, deu a preparação doutrinária […]. Essa ‘Elite’, que se há-de destacar da turba, nada tem de comum com a velha aristocracia de sangue, exausta há séculos, nem com a plutocracia do século XIX […]. Tem de ser uma selecção dos melhores, biologicamente considerados, dos melhores que as normas científicas da eugenesia, da biotipologia e da orientação profissional ajudarão a destacar da massa cinzenta.”

Caso para concluir: em Portugal, de facto, nada se esquece; daí tantos autores (ainda) condenados ao “esquecimento”, como é o caso de Fidelino de Figueiredo.

OS PERIGOS DE UMA ÚNICA HISTÓRIA · 8º CEORN – 50º ANIVERSÁRIO DE INGRESSO NA ESCOLA NAVAL: um artigo de Manuel Lema Santos, da AORN, uma Associação PASC – Casa da Cidadania.

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por Manuel Lema Santos (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC – Casa da Cidadania, nem das Associações que a compõem).

Quando, há dias atrás, deparei na caixa de correio com o texto “O Perigo da história única”,da conferencista Chimamanda Adichie, nigeriana de nacionalidade, não satisfeito com uma primeira leitura transversal menos atenta, voltei a ler, reli novamente e repeti ainda uma última vez.

Fixando-me apenas na analogia, vou deixar de lado quer o tema visado que a conferencista aborda de forma tão simples como acutilante, quer a forma e espírito com que o fez. Confinar-me-ei a uma marcada identificação com a ali tão bem reafirmada aversão cultural à construção estereotipada de modelos de uma única história.

Uma única história, repetida e divulgada sistematicamente sempre da mesma forma, retira a possibilidade de lhe acrescentar outras mais-valias, suportadas num contraditório dinâmico de uma possível segunda versão que complete uma história que se deseja de consenso alargado, suportada por testemunhos de factos e acontecimentos dos que a viveram e nela participaram.

Mas afinal que tem a ver este meu deambular sobre o perigo de uma única história com Reserva Naval vs AORN? A Reserva Naval compreende um universo constituído por uma classe de oficiais que pertenceram à Marinha de Guerra Portuguesa naquela qualidade e a AORN – Associação dos Oficiais da Reserva Naval foi e será apenas uma associação constituída por sócios que terão sido ou não oficiais da Reserva Naval e que, de acordo com os estatutos, a ela tenham aderido mediante o pagamento de uma quotização.

Pode afirmar-se com propriedade que houve 3.598 oficiais da Reserva Naval da Marinha de Guerra. Entre 1958 e 1975 a Escola Naval formou 1.712 oficiais em 25 cursos das mais variadas classes. Entre 1976 e 1992 esse número foi acrescentado de mais 1.886 novos oficiais, correspondentes a 943 cadetes integrados em 41 cursos realizados da Escola Naval e a outros tantos 943 cadetes, em 37 cursos levados a cabo na Escola de Fuzileiros.

Dos 1.712 oficiais dos primeiros 25 cursos, cerca de 50% terão sido mobilizados para as mais diversas funções e missões na então Guerra do Ultramar, nos teatros de Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde e S. Tomé e Principe. Como notas curiosas, em Macau também prestou serviço um oficial e até mesmo em Timor desempenharam missões outros 2 oficiais da Reserva Naval.

Foram missões e serviços de complexidade variável, alguns deles de elevado risco, onde tiveram cabimento comandos e outras missões em unidades navais ou de fuzileiros, desde simples missões de fiscalização e patrulha até ao combate, em transportes, apoios e escoltas, ou ainda unidades em terra e outros serviços, ombreando com oficiais dos Quadros Permanentes e dos outros Ramos das Forças Armadas.

A AORN é a única associação existente que, desde 1995, ano da sua fundação, representa aquele conjunto de oficiais, enquanto sócios. No decorrer do tempo de vida da associação, têm sido diversos os avisos à navegação, relativos a um percurso que parece estar a revelar-se escasso na prossecução dos princípios estatutários por que se deveria reger a colectividade e os objectivos a atingir.

Poderá a história da Reserva Naval da Marinha de Guerra Portuguesa e dos seus 3.598 oficiais que por ela desfilaram vir um dia a ser devidamente salvaguardada, no espaço e no tempo, por espólios diversos constituídos por documentos, imagens, relatos e testemunhos, deixados à guarda da AORN – Associação dos Oficiais da Reserva Naval, na qualidade de sua fiel depositária?

Terá a AORN – Associação dos Oficiais da Reserva Naval ganho a confiança da Instituição Marinha e de um conjunto significativo de antigos oficiais da Reserva Naval, sócios e outros associados, para que lhe venha a ser conferido o pleno direito de exercer essa qualidade de representante única e fiel depositária de tão importante memória histórica?

Pessoalmente, julgo que não! Parece-me razoável que pairem muitas dúvidas por esclarecer. O inexorável relógio do tempo, estreitando cada vez mais o horizonte de sobrevivência da AORN ao último Reserva Naval vivo ditará, ou não, da veracidade desta minha inqualificável profecia de Velho do Restelo.

Assumo que, integrado no conjunto das responsabilidades partilhadas, não terei tido a capacidade, eu próprio, de “levar a carta a Garcia” enquanto sócio e colaborador até meados do ano de 2004. Também depois apenas como colaborador externo até ao final do ano transacto, com o espírito Reserva Naval de que me orgulho de estar permanentemente imbuído.

Ter-me-á faltado certamente engenho e arte para debater objectivos e temas com os meus pares ou terei aceite demasiadas vezes a condição de remetido ao silêncio nas reuniões de trabalho e acções em que participei. Foram muitas.

Em qualquer caso, continuarei a ser detentor da inalienável qualidade adquirida de antigo oficial da Reserva Naval da classe de Marinha do 8.º CEORN. Foi um privilégio pessoal e uma mais-valia académica, profissional e humana a que, orgulhosamente, posso acrescentar a invulgar situação de ter sido licenciado no posto de 1.º tenente, em 1972, por efeito do prolongamento voluntário do tempo de serviço prestado na Marinha.

Ao longo destes últimos anos terei ganho motivação suficiente para me manter a rabiscar neste modesto blogue pessoal iniciado em 2006, a título meramente pessoal, farrapos de memórias Reserva Naval, expressando livremente opiniões, publicando relatos, imagens e documentos ou simplesmente divulgando notícias que considerei de interesse cultural.

Para esta dimensão, sem pretensões, ultrapassada a encorajadora fasquia de 300.000 visitas, ainda que no decorrer do tempo o silêncio nos comentários tenha sido maioritariamente ensurdecedor, os aspectos positivos foram suficientes para que mantenha afastada a ideia de desistência.

Existe uma subtil tendência para avaliar de forma grosseira, com leveza e ausência de conhecimento, a disponibilidade, meios necessários e tempo dedicado a pesquisa, recolha, compilação, tratamento e publicação de documentação de memórias históricas. É frequente a classificação do trabalho de quem mete mãos à obra como “efectuado em tempo de lazer” ou ainda como possível “devido à disponibilidade de tempo” de quem o faz.

Em vez de valorizar, motivando quem constrói, subalterniza-se diminuindo a qualidade da construção ou, bem pior, ignorando a construção. Terá o caminho percorrido desde 1997 sido feito no respeito por instituições e pessoas? Certamente que houve da minha parte esse cuidado que procurarei continuar a trilhar, mas tal não será impeditivo de manifestar desacordos pontuais sempre que se justificarem.

É tempo de não se correr também o perigo de uma única história da Reserva Naval e o articulado neste texto, sob aquele título, será aqui futuramente abordado com diferentes perspectivas, como que regressando a uma anterior rota, temporariamente abandonada devido a “marés e ventos desfavoráveis”.

Encerro estes comentários com estas reflexões:

A Associação dos Oficiais da Reserva Naval comemorou este ano o seu “20.º aniversário AORN“, optando por abandonar um anterior percurso de vários anos de comemoração do “Dia da Reserva Naval” em que se apelava ao universo de Oficiais Reserva Naval em vez de apenas “Sócios da AORN e convidados”.

O 8.º CEORN que integrou 68 cadetes e a que eu próprio pertenci, foi alistado na Escola Naval em 9 de Outubro de 1965, completando hoje meio século de ingresso na Instituição. Que tipo de preocupação teve a AORN com a possibilidade de chamar a si e/ou apoiar qualquer tipo de encontro/convívio, habitual em cursos Reserva Naval?

A Reserva Naval com génese num projecto de dimensão nacional na casa-mãe Marinha de Guerra Portuguesa completou este ano o 57.º Aniversário;

Porque me parecem invertidos valores e prioridades?

Manuel Lema Santos, 8.º CEORN
1.º TEN RN 1965-72 (licenciado)
Guiné, LFG “Orion” 1966-68
Comando Naval do Continente, 1968-70
EMA, 1970-72.

SOBRE O DIA 1 DE OUTUBRO – DIA INTERNACIONAL DO IDOSO : um artigo de Maria do Rosário Gama, Presidente da APRe!, uma Associação PASC – Casa da Cidadania.

por Maria do Rosário Gama (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC – Casa da Cidadania, nem das Associações que a compõem).

Rosário PublicoEste dia, instituído em 1991 pela Organização das Nações Unidas com o objetivo de sensibilizar a sociedade para as questões do envelhecimento e da necessidade de proteger e cuidar a população mais idosa, é mais um dia do calendário em que a comemoração se limita a recordar a necessidade dessa protecção. A mensagem do dia do idoso é a de passar mais carinho aos idosos, muitas vezes esquecidos pela sociedade e pela família. O que o idoso quer é que haja essencialmente respeito pela sua dignidade, reconhecimento pela sua contribuição para o mundo em que vivemos e condições para um envelhecimento activo, não só em termos físicos mas essencialmente através da participação cidadã nas diferentes instâncias da vida pública.

Apesar de ter a quarta maior percentagem de idosos na União Europeia, Portugal é dos países europeus com menos cuidados para idosos. Segundo o jornal Expresso de 28/09/2015:

“Portugal é dos países europeus onde as pessoas idosas são mais abandonadas, com menos profissionais a elas dedicados e menos dinheiro alocado, diz um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), publicado esta segunda-feira”.

“A falta de proteção vê-se também pela percentagem do PIB (Produto Interno Bruto) para os cuidados com os idosos. Portugal dedica 0,1% do PIB, o valor mais baixo dos países europeus representados num estudo publicado pela OIT – “Long-term care protection for older persons: A review of coverage deficits in 46 countries” (Proteção continuada a idosos: uma revisão de défice de cobertura em 46 países)”.

Os idosos portugueses são dos mais pobres da Europa.

Os Aposentados, Reformados e Pensionistas foram, durante os últimos quatro anos, um dos alvos preferenciais do governo, quer pelo corte nas suas pensões, quer pelo permanente incentivo ao conflito intergeracional. O exemplo mais elucidativo do desprezo com que o governo e seus apoiantes trataram os idosos, é a declaração de Carlos Peixoto, deputado do PSD eleito pela Guarda, quando numa crónica no Jornal i, escreveu:

“A nossa pátria foi contaminada com a já conhecida peste grisalha.”

E a crónica acabou assim:

“Se assim não for, envelhecemos e apodrecemos com o País.”

“Peste”, “Contaminação” e “Apodrecimento”, palavras não desmentidas por qualquer dirigente do PSD, são suficientes para que cada um tire as suas conclusões.

Dia Internacional do Idoso de 2015: estamos a dois dias de fazer uma escolha para o novo governo. Os idosos têm que, no dia 4 de Outubro, quando forem votar, dizer claramente se querem continuar a ser maltratados e descartáveis. Quem se sentiu legitimado para conduzir uma politica contra os idosos, não pode ter a sua legitimidade aumentada.

A APRe!, que surgiu quando o Governo iniciou o corte de pensões, lutou sempre contra medidas lesivas dos direitos dos reformados. A nossa luta continuará contra as medidas que vierem a ser implementadas, na próxima legislatura, lesivas desses mesmos direitos.

SER E DEUS: um artigo de Renato Epifânio, Presidente do MIL, uma Associação PASC – Casa da Cidadania.

por Renato Epifânio (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC – Casa da Cidadania, nem das Associações que a compõem).

c0b53-renato2bepifanioAo longo da história da cultura, a exigência de um mundo com sentido culminou classicamente na afirmação de “Deus”. Lembremo-nos, por exemplo, da célebre aposta de Pascal: por Deus ou contra Deus, pelo sentido ou pelo sem-sentido do mundo. Esse parece-nos ser, porém, um falso dilema. Mesmo quando nega “Deus” – mais exactamente, uma certa concepção de “Deus” –, o humano fá-lo não por renegar o sentido, mas, ao invés, por uma exigência – por mais equivocado que esteja – de sentido.

Não é nisso que crentes e ateus se afastam, se dividem, por mais que, à partida, pareça que o mundo para um crente – usemos as categorias clássicas, por mais que redutoras e até equívocas – faça mais sentido do que para um ateu. Para este, como também já foi amiúde assinalado ao longo da nossa história, há limites intransponíveis de sentido: a morte, por exemplo, em particular a morte de uma criança, será sempre um desses casos.

Mesmo para um ateu, porém, a vida, enquanto existe, não pode deixar de ser essa busca inquebrantável de sentido. E aqui regressamos a essa relação a nosso ver essencial entre ser e sentido. Ainda que por vezes da forma mais chã, mais prosaica ou até mais pervertida, toda a existência, tal como humanamente se realiza, rege-se por essa busca inquebrantável e insaciável de sentido. Esse é o verdadeiro “Deus” de todos os humanos, independentemente de o afirmarem ou o renegarem. Eis o que aqui menos importa. Havendo ou não havendo “Deus”, há sempre, ainda que de forma não consciente, busca de sentido.

Escusamos aqui de dar exemplos de como essa busca se dá, por vezes, muitas vezes, da forma mais chã, mais prosaica ou até mais pervertida: (quase) todos nós temos consciência disso. O que mais importa para nós salientar é a dinâmica, o ímpeto, a pulsão que subjaz a essa busca. E por isso terminamos como começámos: o ser em si mesmo é ilusório, o ser em si mesmo nada é; ele só é, ele só se consuma, na exacta medida em que adquire sentido. Esse sentido, por sua vez, absolutamente considerado, pode até ser ilusório – para o seu ser, porém, ele é toda a verdade, a absoluta, a única verdade: o que lhe dá real sentido.

FAZEM POUCO DE NÓS : um artigo de Aida Santos, Coordenadora da APre!, uma Associação PASC – Casa da Cidadania.

por Aida Santos (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC – Casa da Cidadania, nem das Associações que a compõem).

020 (2)Este governo – que nos acena com a bandeira de um programa eleitoral cuja legenda é “Agora Portugal pode mais” e que dá à coligação com que de novo se apresenta a graça, bordada nos cartazes de campanha, de “Portugal à Frente” – não pode estar senão a “mangar” connosco.

Diz o povo que “elogio em boca própria é vitupério” – mas do que se faz esquecida, a lampeirice destes dizeres, é de que será o povo a julgar estes anos (por mais exercícios de auto-elogio com que a propaganda se entretenha).

Se agora pode mais ou menos, será cada um de nós a dizer. Já quanto a “Portugal à Frente”, ou é sigla ignorante ou pretende fazer de nós parvos.

Em português, “à frente” não existe, por si só – implica “de quê” ou “em quê”. Tal falta, no caso deste governo, torna a expressão numa caricatura de si mesma. Portugal à frente… de quê, em quê? Em relação a quê, ou em que campeonato implícito, está/vai Portugal à frente? Ou pretenderão dizer-nos que, agora sim, vão pôr os interesses do país à frente de quaisquer outros? Mas como, se a gente sabe, porque no-lo disseram sempre, o que significa para eles “o país”? Quem não se lembra do que tanta vez disseram: que o “país” estava melhor, embora “as pessoas” não? E que “as pessoas” tinham de engolir o “remédio”, por mais amargo e mais mal que lhes fizesse, custasse o que custasse? Na perspectiva de quem assim fala, “o país” é uma coisa – e “as pessoas” (isto é, nós) outra. E os interesses das “pessoas” (isto é, os nossos) nunca contam – apenas contam os interesses daquilo a que chamam “país”.

Ninguém se esquecerá do que disseram, para se fazerem eleger – nem do que fizeram, todo o tempo…

“Quem mente uma vez, mente sempre” – diz o povo. Que também avisa: “Cesteiro que faz um cesto faz um cento – é só dar-lhe verga e tempo”.

Perante isto, vamos dar-lhes poder, mais tempo? Alguém acredita no que digam, agora?

Porém, esta propaganda a alguém se dirige – e não é senão a cada um de nós, votantes.

Numa espécie de programa que agora deram à luz, dizem-se conduzidos “por essa prioridade de justiça social e de coesão nacional”. Que querem “defesa” e “reforço do Estado Social” – tendo “como preocupação primeira o combate, sem tréguas, às desigualdades sociais”. Acenam com um “Estado (…) mais próximo dos cidadãos e mais amigo das empresas” – e com “políticas públicas amigas das famílias”. Este desplante fala por si. Por “mais amigo das empresas”, bem sabemos o que entendem. E “mais amigo das famílias”, só pode ser também na concepção de “famílias” que têm.

Apresentadas como “programa”, temos páginas e páginas cheias de nada. Veja-se, por exemplo, este desiderato:

«QUEREMOS MAIS CRESCIMENTO ECONÓMICO E EMPREGO. QUEREMOS MAIS ACESSO À SAÚDE. QUEREMOS MAIS COMBATE ÀS DESIGUALDADES SOCIAIS. QUEREMOS MAIS QUALIDADE NA EDUCAÇÃO. QUEREMOS MAIS EQUILÍBRIO DEMOGRÁFICO.»

“Mais” em relação a quê? Não esteve esta coligação no poder, todo este tempo? E foi nesse sentido que governou: no do crescimento do “emprego”, do “acesso à saúde”, do “combate às desigualdades”, de “qualidade na educação”, de “equilíbrio demográfico”?

Não é só o vazio de muito do que é dito (“verdadeira mudança de paradigma”, “ficar para trás”, “designo [sic] prioritário”, “desafio”, “aposta”, “implementar uma agenda”) – é o modo fingidamente virginal com que se apresenta quem esteve no poder ao longo destes anos para ser julgado por eles:

“Ambicionamos, assim, uma verdadeira mudança de paradigma, garantindo a proteção de quem mais precisa, potenciando a mobilidade social e promovendo a inclusão social” – Uma “verdadeira mudança de paradigma”? A sério? Mas então não disseram sempre que estavam a proteger “quem mais precisa”? Afinal, em que ficamos?

“No País que desejamos, todos têm lugar e ninguém pode ficar para trás. É este o nosso designo [sic, p. 3] prioritário e para este desafio todos estão convocados.”

Não é isto fazer pouco de nós? Como é que quem esteve no poder e fez o que fez, connosco, destratando “funcionários públicos” e reformados, plantando egoísmos de estaca e esfarrapando a “coesão nacional”, promovendo, persistentemente, ruptura entre grupos e gerações, se atreve agora a dirigir-se-nos deste jeito?

Se “todos estão convocados”, não é para o “designo [?] prioritário” da coligação que se diz “PaF” – é para cada um julgar este governo, votando.

Dar-lhes-emos, a tais governantes, uma lição a valer – os desrespeitados, os espoliados, os desempregados, os “precários”, os forçados a emigrar, os “funcionários públicos”, os “pensionistas”? Nós, os mais velhos, os reformados – os que sabemos, da vida, o que eles nunca aprenderão? É esse o “desafio” para que eles nos “convocam”.

Que vão fazer pouco deles – porque não merecem mais. Nós merecemos. Votaremos, sim.

VIVÊNCIA E MUNDIVIDÊNCIA: um artigo de Renato Epifânio, Presidente do MIL, uma Associação PASC – Casa da Cidadania.

por Renato Epifânio (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC – Casa da Cidadania, nem das Associações que a compõem).

c0b53-renato2bepifanioConfrontam-se, na nossa visão, duas perspectivas por inteiro incompatíveis entre si. Na primeira, o ser humano cumpre-se sobretudo na sua animalidade e tudo aquilo que transcende esse plano mais natural – a língua e a cultura – não só nada acrescenta como será mesmo nocivo, dado que afirma diferenças onde elas à partida não existem.

Na segunda, que aqui defendemos, o ser humano cumpre-se na medida em que transcende a sua mera animalidade, ou seja, na medida em que se assume como ser falante e pensante, em suma, como ser essencialmente cultural.

A essa luz, emergem cumulativamente dois ideais de vida: no primeiro, o ser humano cumpre-se na mera existência, ou sobrevivência, como os restantes animais; no segundo, o ser humano cumpre-se sobretudo na medida em que contribui, activa e conscientemente, para a criação de uma “mundividência”, ou seja, tal como aqui a entendemos, de uma visão cultural, supra-natural – mas não “contra-natura” –, do mundo.

A esta luz, a existência de várias línguas e culturas será igualmente um enriquecimento do mundo. Porque a língua não é apenas, nesta perspectiva, uma funcionalidade comunicativa mas, sobretudo, fonte de sentido e fundamento do próprio pensar – na medida em que este, para se realizar, exige o desenvolvimento de uma linguagem – , a pluralidade das línguas será, à partida, garantia de mais sentido(s), de enriquecimento cultural do mundo.

Ao invés, um mundo com apenas uma única língua seria ainda um mundo de seres falantes e pensantes, mas culturalmente muito mais pobre, qualquer que fosse essa única língua. Nos dias de hoje, o inglês, o “inglês global” (globish), parece ameaçar assumir esse estatuto, mas só aparentemente. Na realidade, essa língua é usada apenas para a comunicação global, inter-cultural, e, a esse nível, cumpre essa função – a função comunicativa a que a língua, de todo, não se reduz.

Ao nível (superior) do pensamento – ao nível poiético –, porém, as línguas locais mantêm o seu lugar, mesmo numa época de massiva despoietização do mundo. Não importa. Basta haver um falante de uma língua para que essa língua permaneça viva, do mesmo modo que uma pátria se mantém com apenas um seu cultor. Estranhos tempos, estes – quanto mais comunicação parece haver, exponenciada pelo fenómeno das “redes sociais”, menos pensamento, menos poiesis, menos pátria há… Ao defendermos uma pátria, uma língua, é no fundo isso que defendemos: uma visão poiética do mundo. Um mundo com sentido, em suma.

QUATRO EIXOS PARA UMA NOVA ESTRATÉGIA NACIONAL: um artigo de Renato Epifânio, Presidente do MIL, uma Associação PASC – Casa da Cidadania.

Cidadania e Defesa_53_1 semestre 2015-3

Cidadania e Defesa_53_1 semestre 2015-2

in Boletim Informativo “Cidadania e Defesa”, nº 53, 1º Semestre de 2015, pp. 33-34.

Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC – Casa da Cidadania, nem das Associações que a compõem.

IMANÊNCIA E TRANSCENSÃO: um artigo de Renato Epifânio, Presidente do MIL, uma Associação PASC – Casa da Cidadania.

por Renato Epifânio (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC – Casa da Cidadania, nem das Associações que a compõem).

c0b53-renato2bepifanioPor mais que sempre tenda para o crescimento e a reprodução, a natureza, em si própria, nunca se transcende. Há uma inércia que a sobredetermina: a inércia da imanência, a inércia da entropia, a inércia da mesmidade.

Por isso, à medida que subimos na escala dos seres, o grau de alteridade, de singularidade, cresce proporcionalmente, crescendo exponencialmente quando se chega ao grau da humanidade. Na natureza, os seres humanos são, por excelência, aqueles que se afirmam pela sua singularidade. Quanto mais humano, mais singular, quanto mais humano, menos indistinto.

Dito isto, enquanto ser também natural, o ser humano sente também em si a inércia da imanência, a inércia da entropia, a inércia da mesmidade. O que nos leva às mais diversas consequências, numa mais fina e funda consideração antropológica: desde logo, nos planos educacional, social e político.

No plano educacional, ou pedagógico, e contra as perspectivas mais hegemónicas na pós-modernidade, a visão que defendemos insiste na noção de esforço, de sacrifício. É preciso sempre um esforço, um sacrifício, para combater – e transcender – essa inércia da imanência, essa inércia da entropia, essa inércia da mesmidade. Qualquer modelo de ensino que não tenha isso em conta, está a nosso ver condenado ao fracasso, por mais que isso não seja apreensível no imediato.

Eis a tese que, a nosso ver, se deve estender aos planos social e político. Também aqui, é a cultura que pode e deve dar um sentido maior à existência de cada um. De outro modo, cada existência será apenas uma sobrevivência, por mais que materialmente faustosa. Também aqui ao contrário das perspectivas mais hegemónicas da pós-modernidade, que tendem a defender, de forma mais expressa ou subliminar, que o ser humano se realiza sobretudo no plano material, defendemos aqui que essa realização será sobretudo cultural.

Isso implica, desde logo, que cada um se reconheça numa determinada comunidade histórico-cultural e que contribua para o seu presente e o seu futuro. No nosso caso, isso implica reconhecermo-nos não apenas como cidadãos portugueses – mera condição social e política –, mas, mais fundamentalmente, como membros de uma comunidade histórico-cultural cuja pertença consciente e activa dá um sentido maior à nossa existência. Tanto mais porque, sob essa perspectiva mais funda e mais ampla, nós já não nos afirmaremos apenas como cidadãos portugueses. Afirmar-nos-emos, mais profunda, mais amplamente, como cidadãos lusófonos – a nossa forma de sermos cidadãos do mundo.

QUEREMOS SABER MAIS: um artigo de A. Betâmio de Almeida, membra da Direcção da APRe!, uma Associação PASC – Casa da Cidadania.

por A. Betâmio de Almeida (Este texto representa apenas o ponto de vista do autor, não da PASC – Casa da Cidadania, nem das Associações que a compõem).

betâmiodealmeidaEstão para breve as eleições legislativas que podem ser consideradas como das mais significativas depois do 25 de Abril.

Desta vez, as eleições recebem muitos portugueses zangados, ressentidos e sem esperança. Outros estão resignados. A aparente impossibilidade de alternativas políticas pode retirar a vontade de votar. Mas há um conjunto de razões que tornam este ato eleitoral relevante. Realizam-se após um período de governação muito dura, de um aumento de impostos nunca visto e de uma redução significativa dos rendimentos, em particular da classe média; um período com um elevado desemprego, de jovens e menos jovens, uma emigração forçada de jovens qualificados, um número de falências recorde, mudanças significativas nas condições do trabalho e de vida que penalizaram a maioria da população; um período de crise na União Europeia. Uma Europa que se dividiu sem um projeto de felicidade ou de esperança para o conjunto dos seus cidadãos. Umas eleições em que os idosos, aposentados ou reformados, são chamados a depositar um voto após quatro anos de desassossego impiedoso, com cortes, impostos e sobreimpostos, acesso à saúde mais difícil e um discurso agressivo e injusto de incentivo ao confronto intergeracional. Para estes cidadãos, não precisamos de mostrar a importância do ato eleitoral: estão sob uma grande ameaça e conhecem bem as dificuldades de filhos e netos. Para além de manifestação cívica plena e do cumprimento de um direito fundamental, votar constitui uma oportunidade de emitir uma opinião para influenciar a nossa vida no futuro.

Para votar, os cidadãos devem querer saber o que lhes pode acontecer consoante o resultado das eleições. Para isso, não basta ler os programas eleitorais, com afirmações gerais, muitas vezes obscuras que tudo podem conter. Para isso, há que resistir à propaganda fácil e provocatória, com ideias simplistas e falaciosas e com terminologias enganosas. Há que saber coisas bem mais concretas, como por exemplo:

  • A curto prazo, em que se traduz o corte de 600 milhões na Segurança Social já decidido pelo atual Governo? Em cortes nas atuais pensões?
  • E num eventual plafonamento de pensões futuras quanto seria preciso pagar durante toda a vida de trabalho para garantir uma pensão não muito inferior à do salário final? Poderemos prever qual é a segurança dum sistema privado de pensões?
  • Quais as propostas concretas para melhorar a relação de confiança entre o cidadão e o Fisco e para proteger a casa própria no caso de incumprimento de empréstimos?
  • E quanto à dívida publica quais são as condições reais de capacidade de pagamento mantendo o Estado social? Quais são as propostas dos partidos concorrentes?
  • Quais são as forças políticas que preconizam uma sociedade subordinada a mercados em áreas de manifesto interesse público como a saúde, a educação e as pensões? Poderemos saber quanto custa a saúde a cada cidadão num país com um forte sistema de saúde privatizado e um fraco sistema público de saúde? Que forças políticas defendem, na verdade, um “Estado Exíguo” (expressão do Prof. Adriano Moreira) para o futuro, um regime do séc. XIX no séc. XXI?

Outras questões aguardam respostas antes das eleições.

Os eleitores devem exigir, aos partidos que querem o voto, respostas objetivas sobre os efeitos práticos das medidas, que implícita ou explicitamente defendem. Votar não significa estar iludido, não significa deixar de criticar o comportamento político dos agentes políticos sempre que tal se justifique. Significa ter mais direito moral para exigir dos eleitos. Em tempo de crise e desânimo, defender o que se entende ser correto é já uma vitória! Podemos estar, no presente, desapontados com a falta de alternativas políticas, com as limitações à democracia e as provocações externas, com o comportamento de políticos, mas não deveremos ter de nos arrepender, no futuro, pela nossa ausência ou indiferença nas eleições legislativas que nos batem à porta.